O verbo chegar, no seu significado prototípico, é um verbo de movimento que, muitas vezes, se utiliza sem a explicitação dos seus complementos, que são, por norma, referências a locais servindo de ponto quer de partida, quer de chegada.
Há, no entanto, situações e contextos em que o verbo adquire outros sentidos e, com eles, outra estrutura argumental. Assim, pode significar «bastar» como em
1 – «Basta de poluição»,
ou «ser suficiente», como em
2 – «O vencimento não chega à Maria».
Analisando bem, há uma semelhança estrutural entre a frase 2 e a que está em apreço que se regista como 3:
3 – «Os donativos chegaram aos necessitados.»
No entanto, creio que estas frases são distintas. Em 2, é possível substituir «à Maria» pelo pronome pessoal lhe:
2.1 – «O vencimento não lhe chegava.»
No caso da frase 3, poderemos dizer que ela é ambígua, pois num dos sentidos que lhe podemos atribuir é equivalente a 2, podendo aos necessitados ser substituído por lhes:
3.1 – «Os donativos chegaram-lhes.»
A frase 3.1 veicula a ideia de que os donativos dados aos necessitados são suficientes para eles. Todavia, o conhecimento que temos do mundo não facilita esta interpretação otimista… Creio que a ideia essencial é de deslocação, de movimento, transmitindo uma informação de rigor. Os donativos têm uma origem e têm um destino. Em 3, veicula-se a ideia de que os donativos atingiram o destino. Temos, pois, uma ideia, clara, de movimento.
Tendo em conta o exposto, considero que «aos necessitados», em 3, não pode ser substituído pelo pronome pessoal, como ilustro em 3.2, dado que a ideia que se quer fazer passar é a de que os donativos cumpriram o seu objetivo, e não a ideia de que são suficientes para as necessidades daqueles a quem se destinam:
3.2 – (?)«Os donativos chegaram (foram suficientes para)-lhes.»
Assim, «aos necessitados» é um complemento oblíquo, veiculando um sentido de destino atingido.