D´Silvas Filho - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
D´Silvas Filho
D´Silvas Filho
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D´Silvas Filho, pseudónimo literário de um docente aposentado do ensino superior, com prolongada actividade pedagógica, cargos em órgãos de gestão e categoria final de professor coordenador deste mesmo ensino. Autor, entre outros livros, do Prontuário Universal — Erros Corrigidos de Português. Consultor do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostava muito de perceber se nós (advogados) temos de escrever de acordo com o novo acordo ortográfico, ou se temos a escolha de utilizar o antigo... Por exemplo, querendo mandar um e-mail a alguém importante?

Resposta:

O Acordo de 1990 (novo AO) está em vigor em Portugal, na ordem jurídica interna, desde 13 de maio de 2009 e tem uma moratória de 6 anos, durante a qual as duas ortografias podem coabitar.

Pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 325/2010, é aplicável já ao sistema educativo neste ano letivo de 2011-2012, e, a partir de 2012, ao Governo e a todos os serviços, organismos e entidades sujeitas aos seus poderes, bem como à publicação no Diário da República.

Lembra-se que a quase totalidade da imprensa já segue o novo AO.

Respondendo concretamente à sua pergunta, legalmente pode continuar a escrever na norma antiga enquanto durar a moratória, embora talvez fosse conveniente atender se o destinatário adota já o novo AO, caso das entidades acima indicadas.

Quanto às mensagens dirigidas a alguém importante, depende sobretudo do conhecimento que tenhamos sobre a forma como a pessoa aceita ou não a nova grafia. Na fase da moratória, pode-se ainda optar; depois, a norma antiga passa a ser linguisticamente incorreta em Portugal.

NOTA: Na minha página, em “Linguística” > “Problemas ortográficos”, está indicado um “Processo prático de conversão para o nov...

Pergunta:

Qual das frases está correta?

«O Minho localiza-se no norte de Portugal.»

«O Minho localiza-se no Norte de Portugal.»

Resposta:

Na Norma de 1945 podia-se distinguir claramente a região (termo registado na norma) da orientação, grafando o ponto cardeal com maiúscula para a região e com minúscula para a orientação: «o Norte do Brasil» → a região que fica no norte do Brasil; «o norte do Brasil» → que fica na zona do Brasil orientada a norte.

Agora o novo acordo regista: «Maiúscula nos pontos cardeais, quando empregados absolutamente» («Norte, por norte de Portugal»).

Em primeiro lugar temos de interpretar o que os legisladores quiseram dizer com o termo absolutamente. Pode ser: «concentrando tudo», o que, em conjunto com a ideia deixada pela preposição por, pode significar que Norte será simplesmente uma redução de «norte de Portugal»; e, como acontece com as abreviaturas dos pontos cardeais, terá obrigatoriamente de ser escrita com inicial maiúscula. Assim, na palavra Norte não há qualquer consideração sobre regiões ou qualidades particulares, como há na norma anterior. Unicamente se considera a orientação da zona no país. Esta ideia é confirmada pela expressão Ocidente, por «ocidente europeu». Como se sabe, a palavra Ocidente (inicial maiúscula) pode representar a civilização ocidental (tradicionalmente o ocidente da Europa mais américas).

Nesta interpretação, a língua perde virtualidades, pois, por exemplo, quando queremos referir-no...

Pergunta:

Com o presente Acordo Ortográfico, a palavra Lusíadas, poema épico, pode ser grafada com maiúscula e minúscula? Se for um nome próprio, tem de ser grafada obrigatoriamente com maiúscula. Podemos considerar a palavra lusíadas um nome próprio?

Resposta:

Os bibliónimos no novo AO obedecem ao c do 1.º da Base XIX. «Podem ser escritos» com inicial minúscula os elementos contidos nos títulos, exceto o primeiro e os nomes próprios. Assim, em Os Lusíadas:

Os ― primeiro elemento: inicial maiúscula.

Lusíadas ― nome comum, cuja maiúscula ou minúscula é opcional, à luz das novas regras.

Portanto: Os Lusíadas ou Os lusíadas. Tal como: O Crime do Padre Amaro ou O crime do padre Amaro, A Cidade e as Serras ou A cidade e as serras, Dona Flor e Seus Dois Maridos ou Dona Flor e seus dois maridos, Terra Sonâmbula ou Terra sonâmbula, A Divina Comédia ou A divina comédia, etc., etc.

A opcionalidade desta nova regra para o uso de maiúsculas ou minúsculas iniciais nos títulos e subtítulos de livros, de publicações periódicas e de produções artísticas não deve ser seguida indiferentemente, mas, antes, com um critério uniforme. Por exemplo, aqui, no Ciberdúvidas, seguimos a forma tradicional, como estipulava o Acordo de 1945.

Logo:

Pergunta:

Qual das frases está correta?

«O Minho localiza-se no norte de Portugal.»

«O Minho localiza-se a norte de Portugal.»

Resposta:

Tradicionalmente a regência de localizar, com o sentido de estar, ficar (localizar-se) faz-se com a preposição em. Assim, deve grafar:

O Minho localiza-se no norte de Portugal (no em o).

Claro que para um português a frase «*O Minho localiza-se a norte de Portugal» também não oferece dúvidas sobre a localização do Minho. Contudo, não tem qualidade na mensagem desejada. A preposição a pode ter o sentido de distância; então esta segunda frase, para um estrangeiro, pode deixar a ideia de que o Minho está separado de Portugal (fica a norte), da mesma maneira que dizemos: «A Galiza fica a norte de Portugal».

Ao seu dispor, 

Pergunta:

A minha questão está relacionada com a utilização do hífen na expressão "advogado-estagiário".

Em textos jurídicos é raro aparecer o hífen a separar as duas palavras, mas a verdade é que também é comum a sua utilização em muitas outras ocasiões. Qual a forma "correcta"?

Resposta:

A palavra composta advogado estagiário não foi encontrada nos meus documentos de referência.

Um dos meus critérios orientadores é considerar o hífen conveniente nos casos em que as palavras estão no sentido aparente, figurado, dispensando-o quando no sentido real, denotativo. Assim, por exemplo, saco-roto (Vocabulário Ortográfico do Português, da responsabilidade do ILTEC; Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2010; D´Silvas Filho, «Vocabulário Fundamental do novo Acordo Ortográfico» in Prontuário – Erros Corrigidos de Português, Lisboa, Texto Editora, 2010) tem hífen no sentido de alguém que não guarda segredo, mas «saco roto» não o tem porque é um sintagma NA (nome e adjetivo): isto é, considera-se, entre sacos, aquele que está roto. Assim, o conjunto «advogado estagiário» não tem um sentido semântico figurado (é um advogado ainda estagiário) e pode ser considerado um sintagma NA, portanto, sem hífen. Esta conclusão linguística justifica que o conjunto apareça naturalmente sem hífen em textos jurídicos. Sublinha-se que o critério geral no novo Acordo Ortográfico (AO) é a simplificação no hífen.

Outro critério tradicional considera a necessidade do hífen nos casos de haver uma unidade particular nas palavras, como, por exemplo, em guarda-noturno (AO): que não é, só, um guarda que faz serviço de noite. Neste critério, os senhores advogados poderão considerar que um estagiário não é ainda um advogado de pleno direito, e exigir que o termo advogado não apareça isolado na estrutura em causa. Então, ...