Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Diz-se «Chega de bois», ou «Achega de bois»? Qual a expressão que é mais correcto usar?

Resposta:

Para referir o combate entre bois, típico sobretudo da região do Barroso (Norte de Portugal), usa-se achega e chega (Vítor Fernando Barros, Dicionário do Falar de Trás-os-Montes e Alto Douro, Lisboa, Âncora Editora e Edições Colibri, 2006). Os dicionários gerais consultados (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, dicionário da Academia das Ciências, Dicionário Houaiss) não registam este termo. Como se trata de um termo regional, podem-se admitir ambas as formas, chega e achega.

Pergunta:

Gostaria que me fosse tirada a dúvida sobre o seguinte: como se diz «vencedora feminina»? Embora saiba que se chama campeã, já escutei e li "campeona".

Onde está o erro?

Gostaríamos da vossa informação.

Obrigada.

Resposta:

O substantivo campeão tem origem na palavra germânica *kampjo, derivado de «campo de batalha», sendo esta por sua vez uma adaptação do latim campus,i, «planície, terreno plano; terreno extenso fora do povoado» (ver Dicionário Houaiss).

Campeão significa «vencedor de lutas a cavalo em campo fechado».

Só modernamente se organizaram competições desportivas reservadas às atletas femininas.

O sufixo aumentativo -oa surge em palavras de origem popular cono viloa.

O sufixo aumentativo -ona tem o inconveniente de ser frequentemente pejorativo ou referir-se ao tamanho. Exemplos: aldrabona, matulona, grandona etc.

Como as atletas são normalmente levezinhas, vide Rosa Mota, Aurora Cunha, Vanessa Fernandes, melhor será usarmos a forma campeãs.

Pergunta:

Qual a pronúncia correta da palavra Praxedes?
Seria "prakcedes", ou "prachedes"?

 

Resposta:

Praxedes é o nome de uma santa que talvez tenha vivido no século II d. C. O Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, indica a pronúncia da letra x, quando esta tem valor diferente do que se ouve em baixo. Deste modo, o que vemos é que na referida obra apenas se menciona que o nome Praxedes se pronuncia com é fechado. Por conseguinte, depreende-se que o <x> não vale nem [ks], nem [s], nem [z] e que Praxedes soa "prachedes", como sugere o consulente.

Pergunta:

A palavra "aclonar" aparece em orientações sobre lavagem de embalagem de agrotóxico. O que ela significa?

Resposta:

No sítio do Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (Brasil) ocorre a forma "aclonar" no seguinte contexto:

«Lavagem Pressão

1. Após o esvaziamento, encaixar a embalagem no local apropriado do funil instalado no pulverizador;

2. Aclonar o mecanismo para liberar o jato de água limpa;[...]»

Parece um verbo, que não se encontra registado em nenhum dicionário e que ocorre muito poucas vezes na Internet. Mas são exactamente essas poucas ocorrências a chave para compreender essa forma desconhecida; com efeito, quem consulte um outro documento em linha verá que "aclonar" é afinal acionar:

«Ligar a bomba e ajustar o fluxo, abrindo a válvula de ajuste grosso e, em seguida, ajustar a vazão com a válvula de ajuste fino para uma amostragem isocinética e simultaneamente acionar o cronômetro.»

O que se passa é que a pesquisa Google inclui este contexto na pesquisa de "aclonar", porque, por falta de nitidez do documento, o i se confunde com o l. Ou seja, o "aclonar" do primeiro contexto é uma gralha que está por accionar.

Pergunta:

Gostaria de saber as diferenças entre os fenômenos da deixis, da anáfora, e da catáfora, pois sei que são distintos mas muito mesclam a deixis com os outros dois.

Resposta:

A anáfora é o «processo pelo qual um termo gramatical (um pronome ou um advérbio de lugar, p. ex.) retoma a referência de um sintagma anteriormente us. na mesma frase (p. ex.: Comeram, beberam, conversaram, e a noite ficou nisso) ou no mesmo discurso (p. ex.: Fui ao Museu de Artes Modernas. Lá, encontrei vários de meus amigos)» (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).

A catáfora é definida pelo Dicionário de Termos Linguísticos do seguinte modo: «Relação de dependência entre A e B em que B precede A numa relação paralela à da anáfora. Exemplo: "desde que a Maria o deixou, o João nunca mais foi o mesmo", o significado do pronome complemento (o) da primeira oração é determinado pelo SN (o João) da segunda oração.»

A anáfora e a catáfora correspondem ao uso de palavras (operadores) que apontam para o próprio texto. Por conseguinte, são parte dos fenómenos que constituem a chamada deixis textual, mas que não se confundem com a deixis propriamente dita, que aponta para o contexto situacional.