Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber detalhes sobre a palavra "estereo", se pode ser considerada prefixo ou radical, origem e outros conhecimentos que possam me auxiliar.

Obrigada.

Resposta:

Existe o elemento de composição estereo-, do grego stereós,á,ón, «sólido», ou seja, «tridimensional», em compostos da terminologia técnica e científica a partir do século XIX (p. ex., estereofónico, estereótipo). Trata-se de um radical grego que entra na construção de muitos termos especializados.

Com a forma estéreo, o Dicionário Houaiss regista quatro vocábulos diferentes, todos resultado da evolução do referido étimo grego:

estéreo 1
«medida de volume para madeiras, correspondente a 1 metro cúbico; estere»;

estéreo 2

«redução de estereofónico»;

estéreo 3

«aparelho de som que utiliza a técnica da estereofonia»;

estéreo 4

o mesmo que estereótipo («chapa ou clichê»).

Pergunta:

Deparei-me por diversas vezes com a palavra "retrónimo", ora com esta grafia, ora com a grafia brasileira "retrônimo", querendo significar um termo ou expressão atribuído a conceitos já existentes mas cujo sentido foi sendo modificado pela evolução, quase sempre tecnológica. O exemplo que me interessa aplica-se à «web 1.0», que é um retrónimo de "web", mas podia ser utilizado na «rádio analógica» ou «guitarra clássica», por exemplo, como retrónimos de rádio e de guitarra.

O termo parece não estar dicionarizado em português, mas alguns dicionários ingleses e franceses já o registam (retronym e retronyms, em inglês; rétronyme, em francês).

A construção do termo parece-me escorreita ("retro" + "ónyma" ou "retro" + "nomen"), mas não sei se a posso utilizar com segurança no contexto académico. 

Resposta:

A palavra retrónimo é de facto um neologismo, mas não se encontra dicionarizada nem parece estar em uso entre académicos. Trata-se de um termo criado para designar um modelo mais antigo de um objecto, um instrumento ou uma dada realidade: por exemplo, hoje fala-se em «telefone fixo», porque o telefone móvel ou telemóvel é cada vez mais o modelo do que actualmente se entende por telefone. Por outras palavras, o que hoje se designa por telefone fixo já foi o protótipo de algo que chamava telefone, mas o progresso tecnológico levou este termo a ser aplicado a um aparelho de características diferentes. É assim que, na Internet, o termo anda definido. A construção deste termo é híbrida, uma vez que resulta da associação de retro-, de origem latina, ao elemento -onímia, de origem grega. Deste modo, penso que o termo pode ser empregado no meio académico, mas devidamente contextualizado, explicado e fundamentado.

Pergunta:

Ao utilizar a expressão «um grande número de...», o verbo que se segue deve conjugar-se no singular ou no plural?

Obrigada.

 

Resposta:

Diz-nos F. V. Peixoto da Fonseca: «Embora a expressão tenha valor de plural, está escrita no singular, e por isso o predicado não pode senão ficar também neste número: (Um) grande número de pessoas, crianças, sabe, conhece, comparece, etc.»

Poder-se-ia, no entanto, objectar que no caso de «a maioria de...» a concordância tanto se faz com o núcleo da expressão, ou seja, «maioria», como com a expressão que nela está encaixada (por exemplo, «as pessoas» em «a maioria das pessoas»). Isto explica que «a maioria das pessoas compareceu» e «a maioria das pessoas compareceram» sejam ambas frases correctas.

Mas sucede que o comportamento destas expressões de quantificação não é homogéneo. João Andrade Peres e Telmo Móia, em Áreas Críticas da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, 1995, pág. 470/471), distinguem três subclasses:

1 — Quantificadores de contagem — «servem para exprimir quantidades absolutas, como no caso de milhar, milhão e dezena, quer quantidades relativas, como no caso de metade, terço, maioria e parte».

2 — Quantificadores de medição — p. ex., parte (de edifício), troço (de estrada); «estas expressões não são usadas para contar objectos, antes servindo para identificar porções de objectos».

3 — Nomes de referência dependente — p. ex., grupo, conjunto; «expressões que por si só não referem objectos, mas que, em combinação com nomes — como em grupo de estudantes ou conjunto de quadros — permitem referir colecções de objectos, sem as quantificarem.»

Pergunta:

Como podemos definir ditongo nasal átono?

 

Resposta:

Muito simples: é um ditongo nasal que se encontra em sílaba que não recebe acento tónico.

Normalmente, os ditongos nasais do português encontram-se na última sílaba e são tónicos, quando se grafam com -ão-, -ãe- ou  -õe- (substantivos, adjectivos, formas de futuro do indicativo): p. ex., lição/lições (substantivo), alemão/alemães (adjectivo e substantivo), comerão (futuro do indicativo de comer).

No entanto, as palavras  acabadas em -am e -em têm um ditongo átono na sílaba final: comeram, fazem, imagem. Outras, substantivos e adjectivos, terminam em -ão átono e, por isso, são palavras graves, grafadas com acento agudo na penúltima sílaba: órgão, orégão, órfão.

Pergunta:

Se em «Elas estão mal», mal é um predicativo do sujeito, logo um adjetivo, por que não varia com o sujeito? Que adjetivo é este? Invariável? Grato!

Resposta:

Um predicativo do sujeito não é necessariamente realizado por um adjectivo. Atente-se no que diz Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, pág. 426/427):

«[...] cabe lembrar que funcionam como predicativo outras classes de palavras, inclusive advérbios.

[...]
Os vizinhos estão bem.
Os jovens são assim.
[...]
Está tarde.»

Por conseguinte, mal pode ter a função de predicativo do sujeito sem deixar de ser advérbio.