Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gosto muito de etimologia e, embora o meu português não seja muito bom, gostaria de propor uma etimologia da palavra cheirar, pois o que o Aurélio fala (viria do latim flagare ou fragare) não me deixa muito convencido. Acho que poderia derivar do provençal cheiriar com o significado de limpar com energia; isso porque, ao passar a mão numa flor ou em outros objectos, muitas vezes sai o cheiro do mesmo objecto.

O que vocês acham?

Muito obrigado pela atenção.

P. S.: Desculpem os erros.

Resposta:

A etimologia considera os empréstimos entre línguas, mas tem também de contemplar os processos fonológicos verificados na evolução de uma língua-mãe para uma língua-filha. Assim, comecemos por dizer que a etimologia do dicionário Aurélio está certa: cheirar evoluiu do latim flagrāre e não se trata de um empréstimo do provençal cheiriar (encontro atestada esta palavra em dois documentos disponíveis na Internet: Francesismi nel Dialetto Napoletano e Dicionari d´Alpin d´Oc).

Depois, como mostra E. B. Williams (Do Latim ao Português, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, págs. 74 e 94), é preciso saber que o fl- inicial latino evoluiu para ch- em galego-português: foi o que aconteceu a flammam, que deu chama, e a flagrāre, origem de cheirar. Mas há ainda uma outra alteração fónica: -gr- latino passou a -ir- em galego-português, e é por isso que, assim como intĕgrum evoluiu para inteiro, o verbo flagrāre se tornou cheirar.

P. S.: O português está óptimo.

Pergunta:

Acedi ao Ciberdúvidas na ânsia de perceber se a palavra cardápio é uma palavra de português europeu. Acontece que encontrei duas respostas a perguntas anteriores que considerei contraditórias.
Numa dúvida é referido: «E, claro, em português devem preferir-se as palavras cardápio ou ementa.» Já noutra é dito «Temos, em português europeu, o termo ementa. Em português do Brasil é cardápio

Ou seja, cardápio é português do Brasil, europeu, ou é uma palavra que pertence às duas normas ortográficas do português?

Desde já obrigado pelo tempo!

Resposta:

As respostas não são contraditórias. Numa, diz-se que no português em geral se usam as palavras ementa e cardápio, sem indicar a respectiva distribuição geográfica. Noutra, indica-se tal distribuição geográfica: ementa é termo característico de Portugal, enquanto cardápio é típico do Brasil (cf. Dicionário Houaiss).

Atenção, que estamos a falar de duas normas diferentes, a portuguesa e brasileira, mas não do ponto de vista ortográfico. Não é só a ortografia que define o contraste entre normas: no caso em apreço, que envolve diferentes opções vocabulares (nível lexical), o melhor é falar simplesmente em normas do português.

 

Cf. A origem de  cardápioo e sua importância

 

Pergunta:

A conjugação do verbo vir no presente do indicativo na 3.ª pessoa do plural é vêm. Eu na escola primária aprendi "veem" sem acento circunflexo (o verbo vir, não o ver). Isto está correcto?

Obrigado.

Resposta:

Em harmonia com o Acordo Ortográfico de 1945, que tem vigorado em Portugal, a 3.ª pessoa do plural do presente do indicativo é vêm. Não se alterará esta forma com o novo Acordo.

Veem será a nova forma de escrever vêem, 3.ª pessoa do plural da presente do indicativo do verbo ver. Como indicam João Malaca Casteleiro e João Dinis Correia, em Atual: o Novo Acordo Ortográfico. O Que Vai Mudar na Grafia do Português (Lisboa, Texto Editores, 2008, pág. 17), prevê-se que «todas as palavras graves (paroxítonas), nomeadamente os verbos da segunda conjugação, que contêm um e tónico oral fechado em hiato com a terminação -em da 3.ª pessoa do plural do presente do indicativo ou do conjuntivo, não recebam acento circunflexo [...]». Isto significa que crêem, dêem, lêem e vêem e formas derivadas como descrêem, desdêem, relêem e revêem passam a ter a seguinte grafia: creem, deem, leem, veem, descreem, desdeem, releem e reveem.

Pergunta:

Como pronunciar a palavra latina caput?

Obrigada.

Resposta:

Trata-se da palavra latina căput, capĭtis, que significa «cabeça». Duas possibilidades:

a) na pronúncia tradicional: "kápud";

b) nas pronúncias eclesiástica e restaurada: "káput".

Sobre as pronúncias possíveis do latim, consultar a resposta Ecce Homo.

A palavra cabeça evoluiu do latim vulgar hispânico capitĭa, forma derivada de caput.

Pergunta:

Qual é a palavra primitiva da qual deriva a palavra ferozes?

Os meus agradecimentos pelo esclarecimento.

Resposta:

Não se justifica falar em palavra primitiva a propósito de ferozes, porque esta forma é a flexão de plural do adjectivo feroz. Este vocábulo não surge de nenhum processo de formação de palavras actualmente activo; é antes um termo que passou do latim ao português. Assim, a palavra feroz vem do «lat[im] fĕrox,ōcis, "indomável, bravo, rebelde, orgulhoso, atrevido, valente, violento, feroz, cruel"». Este adjectivo significa «que tem instinto de fera; bravio, selvagem»; em sentido figurado, quer dizer, entre outras coisas, «que é cruel, perverso» ou «caracterizado pela extrema força; violento, impetuoso».

[Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss]