Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Deparei com o comentário sobre a pseudopalavra "inconstitucionalissimamente" e fiquei surpreendidíssimo por terem-na considerado um vocábulo. Há palavras que não são superlativáveis!

"Inconstitucionalissimamente" e "anticonstitucionalissimamente" são, ontológica ou metafisicamente, inconcebíveis, ao contrário de "otorrinolaringologisticamente"!

Resposta:

Tem razão o consulente, talvez, dos pontos de vista ontológico e metafísico, mas com toda a  probabilidade na perspectiva semântica. "Anticonstitucionalíssimo" é uma construção morfológica que não é compatível com a semântica de anticonstitucional. Constitucional e o derivado anticonstitucional são adjectivos relacionais, isto é, são adjectivos denominais (derivados de nomes) que representam complementos (argumentos) dos nomes a que se associam:

(1) Tribunal Constitucional = tribunal da Constituição, isto é, que avalia actos e instrumentos legislativos de acordo com a Constituição.

(2) A aprovação ministerial = a aprovação do ministério.

Estes adjectivos não são graduáveis, isto é, não têm flexão de grau, pelo que não podem ser empregados nos graus comparativo e superlativo.

(3) *Tribunal mais constitucional/muito constitucional/constitucionalíssimo.
(4) *Aprovação mais constitucional/muito ministerial/ministerialíssima.

Pergunta:

Gostava de saber se existe uma pronúncia-padrão para o grupo consonântico "sc" (como crescer, nascer). Eu achava que era preciso pronunciar -ss- em todo o caso, mas acho que tenho ouvido ultimamente uma pronúncia /sh/, como em italiano (então, "nacher", "crecher"). Poderiam falar-me um bocado neste "sc", na sua etimologia e na sua pronúncia?
Além disso, acho que também tenho ouvido dizer "cinza" como "chinza". Isto é dialectal, padrão ou apenas uma alucinação minha?

Muito obrigado.

Resposta:

De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, a pronúncia-padrão europeia da sequência gráfica -sc- é constituída por dois sons da língua, ou seja, pelo que é representado por x em baixo ou ch em chave e pelo que está associado ao s de sala ou ao c de cinto, respectivamente. Usando símbolos fonéticos, -sc- transcreve-se [ʃs]. Por conseguinte, nascer e crescer pronunciam-se, respectivamente, na[ʃs]er e cre[ʃs]er. No entanto, muitos falantes de Portugal pronunciam [ʃs] penas como um som, [ʃ], pelo que os referidos exemplos soam como na[ʃ]er e cre[ʃ]er. Note-se que, no Interior Centro e Norte de Portugal, se mantém a variante mais conservadora (não em relação ao latim, mas em relação ao galego-português), que corresponde a [s]: na[s]er e cre[s]er.

Quanto a cinza, não tenho a certeza do que o consulente pretende descrever. Pode m...

Pergunta:

Gostaria de saber dos especialistas do Ciberdúvidas o que acham quanto à gramaticalidade, adequação e registro da seguinte frase, dita ontem pela minha esposa, que é tcheca, mas fala excelente português: «Espero não perdermos o ônibus.» Não me parecendo tão comum dita construção, creio que usar o subjuntivo aí teria sido mais corriqueiro — «Espero que não percamos o ônibus» —, ou mais popularmente, pelo menos no Brasil, «espero que a gente não perca o ônibus».

Gosto do jeito que ela raciocinou: se o infinitivo (acredito pessoal neste caso) se usa com o verbo esperar quando o sujeito de ambas as orações é o mesmo («espero pegar o ônibus», melhor do que um estranhíssimo e talvez agramatical «espero que eu pegue o ônibus»), não se poderia usá-lo também no referido caso, apenas acrescentando-lhe a marca de primeira pessoa do plural -mos? Daí vieram-me à mente casos, na minha percepção menos freqüentes, como «Creio terem razão» (em vez de «Creio que têm/tenham razão») e por isso acho bem possível que a frase supracitada seja gramatical (e pessoalmente acho-a muito elegante, portanto espero uma resposta positiva da parte do Ciberdúvidas).

Muito obrigado pela ajuda a dirimir esta questão.

O sempre amigo do Ciberdúvidas,

Resposta:

A frase que a sua mulher construiu é perfeitamente gramatical em português europeu, uma vez que o verbo esperar pode seleccionar tanto uma oração finita com o verbo no conjuntivo como uma oração não finita de infinitivo, quando o sujeito da oração subordinante e o sujeito da subordinada não são correferentes. É o caso da frase em apreço: o sujeito da oração subordinante é «eu» (subentendido), e o da subordinada, «nós» (também subentendido). São, portanto, equivalentes e correctas as seguintes frases:

(1) «Espero que não percamos o ônibus.»

(2) «Espero não perdermos o ônibus.»

Geralmente, os verbos que têm por complemento uma oração substantiva completiva finita são compatíveis com uma estrutura oracional não finita com o verbo no infinitivo; por exemplo (cf. Maria Helena Mateus et alii, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa: Editorial Caminho, 2003, pág. 599):

— verbos epistémicos (acreditar, pensar, saber, etc.), declarativos (afirmar, dizer, prometer, etc.) e perceptivos (ouvir, sentir, ver);

— verbos psicológicos (gostar, desejar, esperar).

 

N. E. (6/...

Pergunta:

Qual a origem e o significado do apelido Bandola?

Resposta:

José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, considera que Bandola é um apelido/sobrenome} com origem numa antiga alcunha derivada do substantivo comum bandola. No Dicionário Houaiss, a forma bandola corresponde a duas palavras:

bandola 1: a) «cinto do qual pendem cartucheiras de pólvora»; b) «[em São Tomé e Príncipe] saco de serapilheira usado na colheita de cacau; c) «[como termo de marinha,] vela armada improvisadamente em verga, antena ou trave, devido a desarvoramento ('perda dos mastros') de veleiro».

bandola 2: «bandolim tenor».

Se o apelido/sobrenome do consulente tem realmente origem nestes substantivos, resta a árdua tarefa de saber qual deles exactamente se tornou alcunha, por exemplo, mediante histórias de família.

Pergunta:

Gostaria de saber por que motivo se utiliza a expressão «dor de burro» para classificar uma dor abdominal de esforço.
Obrigada.

Resposta:

A dor de burro é uma expressão usada em Portugal como designação da dor no baço, que, segundo o Dicionário Houaiss (versão brasileira), significa «dor na víscera linfóide localizada entre o estômago e as falsas costelas». Ainda de acordo com o Dicionário Houaiss (versão brasileira), a dor no baço é  também apelidada de dor de veado e dor na passarinha.

Não encontramos fonte que nos esclareça a origem da expressão «dor de burro». Será que está relacionada com a expressão cor de burro quando foge, talvez por popularmente se ter considerado que não tinha uma causa específica, tal como se sugere a indeterminação da cor em «cor de burro quando foge»? Ou será uma das adaptações da expressão pra burro ou como burro, «em grande quantidade ou intensidade», indicando expressivamente que se trata de uma dor muito forte?

O número de expressões idiomáticas em que entra a palavra burro é apreciável, e afigura-se difícil distinguir um traço semântico comum, a não ser o da intensidade, que alude à teimosia que se associa tradicionalmente ao animal asssim chamado. Fica, pois, em aberto esta resposta.