Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Em «o engraçado é que...», «o engraçado» equivale a «a coisa engraçada»? Então, tanto faz dizer «pediu-me que lhe trouxesse a primeira coisa que encontrasse» ou «pediu-me que lhe trouxesse o primeiro que encontrasse»? Acredito que não, mas não sei explicar o porquê.

Ainda a respeito de «o engraçado é que», há uma regra para explicar este tipo de construção?

Desde já lhes agradeço a vossa ajuda.

Resposta:

Ao empregar expressões como «o triste de tudo isto» , «o engraçado da cena», «o divertido da situação», «o trágico dos acontecimentos», está a usar adje{#c|}tivos substantivados que podem ser parafraseados, respectivamente, por «a coisa/o lado/o aspecto/o valor triste», «a coisa/o lado/o aspecto/o valor engraçado», «a coisa/o lado/o aspecto/o valor divertido» e «o lado/o aspecto/o valor/trágico». Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, Rio de Janeiro, Editora Lucerna, pág. 145) explica este uso:

«[...] nestas substantivações, o adjetivo prescinde do substantivo que o podia acompanhar, ou então é tomado em sentido muito geral e indeterminado, não marcado, caso em que se usa o masculino (à maneira do neutro latino, mas não do neutro português, que não existe):

O bom da história é que não houve fim.

O engraçado da anedota passou despercebido.

O triste do episódio está em que a vida é assim.»

No caso de primeiro, que é um numeral ordinal, mas é também um adjectivo e um substantivo, o mesmo acontece quando é adjectivo: «a primeira coisa que fiz» = «o primeiro que fiz»; «a primeira coisa que vi» = «o primeiro que vi»). Notem-se, contudo, as dificuldades com que se defrontam os restantes numerais ordinais neste tipo de construção:?«o segundo que fiz»1 = «a terceira coisa que fiz», ?«o terceiro que vi» = «a terceira coisa que vi».

É ainda de acrescentar que, se é verdade que a substantivação «o primeiro que» = «a primeira coisa que...» se assemelha a «o engraçado da anedota é que...» = «a coisa engraçada da anedota é que...», há também diferenças, porque este tipo de substantivação de primeiro não é compatível com...

Pergunta:

Nos períodos abaixo, o emprego da vírgula é obrigatório, facultativo, ou não cabível? Favor justificar.

1) Dize-me com quem andas, e te direi quem és.

2) Dize-me com quem andas, que te direi quem és.

Resposta:

1) O sujeito da primeira oração é diferente do da segunda; por conseguinte, sem ser estritamente obrigatório, é aconselhável usar a vírgula antes da conjunção e.

2) O que é um conjunção explicativa equivalente a pois, introduzindo uma nova oração; deve, portanto, ser antecedido de vírgula.

Pergunta:

O meu filho frequenta o 1.º ano do ensino básico, e a professora primária começou um texto dirigido aos alunos da seguinte forma:

«Meus amores e minhas amoras...»

Pergunto: este feminino existe, está correcto?

Agradeço que me respondam, porque até ao meu filho fez confusão, e eu não lhe soube responder.

Obrigada.

Resposta:

A professora fez apenas um jogo com as palavras amor (sentimento) e amora (fruto). Quanto a mim, o jogo está bem conseguido: parece à primeira vista criar o feminino de amor, que, realmente, não existe; mas, depois, porque explora as possibilidades de criar palavras, permite-nos descobrir que amor até se pode relacionar poeticamente com a palavra amora (com ó aberto), que é um simples fruto silvestre, pequenino e muito saboroso. Até há canções populares que associam a amora ao Verão, que, antigamente, no meio rural, era tempo de trabalho mas também de festas e namoricos. No fundo, a professora quer dizer carinhosamente qualquer coisa como «meus amores e meus doces...», fazendo substituir a metáfora «doce» por outra metáfora, construída com a palavra amora.

Peço, portanto, à consulente que não se alarme: o edifício gramatical não vai desabar; é só um jogo de palavras, e não há nenhuma confusão. Pelo contrário, receber um texto assim escrito é estimulante porque, além de imaginativo, é extremamente afectuoso. Que sorte a desses alunos receberem um texto endereçado assim! O que é preciso é brincar com a linguagem e deixar que as crianças participem no jogo — porque com doce de amoras tudo se percebe...

Pergunta:

A dúvida é: assinale a palavra que fuja ao campo semântico das demais:

a) pirâmide

b) deserto

c) camelo

d) giba

e) ribalta

A resposta é ribalta; contudo não entendi o que giba tem a ver com os demais termos. Poderiam me esclarecer?

Resposta:

Giba pode significar «bossa», «corcova». Relaciona-se, portanto, com camelo, ou melhor, com dromedário, uma vez que a presença de pirâmide na série de palavras sugere o Egipto e os desertos do Norte de África e do Médio Oriente, onde existem dromedários, que, por terem uma bossa, se distinguem dos camelos, que têm duas.

Giba pode ainda significar, segundo o Dicionário Houaiss: «(morfologia botânica) proeminência em forma de corcova em um órgão laminar ou maciço»; «(termo de marinha) vela de proa, de forma triangular e que se prende no pau de mesmo nome, situada logo na anteavante da bujarrona»; «(termo de marinha) pau de vante da proa, que espiga para fora do pau da bujarrona e onde é amurada a vela de mesmo nome».

Pergunta:

Qual é a origem do apelido Justo?

Resposta:

O apelido Justo tem origem no nome próprio Justo. Este provém do adjectivo latino justus, «que observa o direito, a razão» (ver José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa).