Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual é a origem do apelido Justo?

Resposta:

O apelido Justo tem origem no nome próprio Justo. Este provém do adjectivo latino justus, «que observa o direito, a razão» (ver José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa).

Pergunta:

Minha dúvida é sobre o uso da palavra safadinho. Em minha família, a exemplo de meus pais e avós, chamamos nossas crianças de safadinhos quando estão em brincadeiras e travessuras. Meu pequeno de 3 anos foi repreendido em sua escola por chamar seus coleguinhas de safadinhos em suas brincadeiras. A escola nos informou por escrito que, embora ele não conheça o significado da palavra, ela é muito desagradavél como também seria caso as crianças levarem esta palavra para casa. Gostaria de saber seu parecer, pois na minha opinião o único problema com essa palavra é o contexto em que ela for utilizada, pois até onde eu sei um de seus significados é travesso, da mesma forma que meu cunhado chamava pãezinhos de "cacetinhos" após trabalhar cinco anos como motorista por grande parte do nordeste brasileiro.

Obrigado pela atenção.

Resposta:

Segundo o Dicionário Houaiss, a palavra safado, que está na base de safadinho, tem as seguintes acepções:

I. como adjectivo: «1 gasto ou inutilizado pelo uso»; «2 que perdeu nitidez; apagado, desbotado»; «3 arrastado, afastado de lugar onde corria perigo»; «4 Regionalismo: Sul do Brasil, Rio de Janeiro. muito zangado; enraivecido, danado, irado»; «5 Regionalismo: Rio de Janeiro. travesso, traquinas»

II. como adjectivo e substantivo masculino: «6 Uso: informal. que ou o que não tem vergonha de seus atos censuráveis; descarado, desavergonhado, cínico»; «7 Regionalismo: Brasil. que ou o que leva uma vida dissoluta; libertino, devasso, obsceno.»

Penso que os educadores do filho do consulente estão a considerar a acepção 7 de safado, que se mantém, talvez de forma atenuada, em safadinho. Penso também que toda a palavra tem o seu contexto: safadinho, entre familiares, ou cacetinho, no Nordeste ou em Portugal, podem ser termos inocentes; mas proferidos em Brasília, diante de um grupo de deputados, ou à frente do prefeito de São Paulo, calculo que se tornem palavras inadequadas ou sujeitas a más interpretações. Dito de outro jeito: se, numa comunidade linguística alargada, há palavras que são tabu no grupo A mas que o não são no grupo B, talvez valha a pena um membro de B ser prudente com certas expressões do seu dialecto, entre elementos de A. Isto não impede que os elementos de A saibam interessar-se pelo dialecto de B. Além disso, não sei que expectativas tem a escola do seu filho quando intervém por causa do emprego de safadinho. Mas se, no meio em que a escola se insere, a palavra em causa for considerada menos própria para ser usada entre crianças, é natural que os educa...

Pergunta:

Na frase «A fada é leve, silenciosa, misteriosa» pode considerar-se que temos três orações coordenadas assindéticas? Ou deveremos considerá-la uma frase simples?

Resposta:

Consultámos F. V. P. da Fonseca, que explicou: «dado que o verbo não vem repetido (embora se subentenda), devemos considerá-la uma só oração». Acrescente-se que por orações coordenadas assindéticas se entendem as orações coordenadas por assíndeto, our seja, «[pela] ausência de conjunção coordenativa entre palavras, termos da oração ou orações de um período; justaposição, parataxe» (Dicionário Houaiss). Por outras palavras, trata-se de orações cuja ligação é feita apenas por uma pausa (representada por vírgula na escrita), sem o recurso a preposições (por exemplo, e). Seria este o caso  e a frase fosse formulada como «a fada é leve e é silenciosa e é misteriosa».

Contudo, é de frisar que o assíndeto não se limita a ligar orações. Por conseguinte, dizemos que a frase em questão é constituída por uma oração simples que inclui uma estrutura assindética não oracional, correspondente à sequência adjectival «leve, silenciosa, misteriosa».

Pergunta:

«Aquele era o tempo
em que as mãos se fechavam
E nas noites brilhantes
as palavras voavam

E eu via que o céu
me nascia dos dedos
E a Ursa Maior
eram ferros acesos

Marinheiros perdidos
em portos distantes
Em bares escondidos
em sonhos gigantes

E a cidade vazia
da cor do asfalto
E alguém me pedia
que cantasse mais alto

[...]

Aquele era o tempo
em que as sombras se abriam
Em que homens negavam
o que outros erguiam

Eu bebia da vida
em goles pequenos
Tropeçava no riso
abraçava venenos

De costas voltadas
não se vê o futuro
Nem o rumo da bala
nem a falha no muro

E alguém me gritava
com voz de profeta
Que o caminho se faz
entre o alvo e a seta
[...]»

Quais os tipos de figuras de estilo presentes nestas estrofes?

Resposta:

As estrofes apresentadas pertencem à letra de uma canção de Pedro Abrunhosa, músico português. A resposta que se segue não é definitiva nem está completa; sugere apenas uma uma pequena lista de exemplos retirados dos versos em análise, a qual poderá ser completada pelo próprio consulente à medida que se sinta mais à vontade com a análise estilística de um texto:

Figuras de construção (ou de sintaxe)

anáfora (repetição da mesma palavra no início do verso ou da frase): «em portos distantes/em bares escondidos/em sonhos gigantes» (repetição da preposição em)

Figuras de pensamento

antítese (aproximação de duas realidades, tornando-as mais enfáticas): «homens negavam/ o que outros erguiam» («negavam» vs. «erguiam»)

hipérbole (expressão que deforma a realidade por exagero): «E eu via que o céu/ me nascia dos dedos/ E a Ursa Maior/ eram ferros acesos» (ver também mais abaixo em metáfora).

Figuras de natureza semântica

metáfora (substituição de um termo por outro ou identificação de um com o outro por se considerar que são equivalentes): «a Ursa Maior/ eram ferros acesos» (ver acima hipérbole); «Marinheiros perdidos/em portos distantes» («marinheiros» = gente que se aventura; «portos» = lugares); «Eu bebia da vida/ em goles pequenos» («beber ... em goles» = viver, experimentar); «o caminho se faz
entre o alvo e a seta» («alvo» = o que se deseja; «seta» = perigo).

Pergunta:

Como explicar a um estrangeiro (chinês) o género no que se refere aos países?

Resposta:

Aplicam-se as regras gerais: muitos nomes de países terminam em -a, logo são femininos — Espanha, Rússia, China, Guatemala, Argentina —, mas há algumas excepções como «o Botsuana», «o Gana» e «o Quénia».

Todos os outros são masculinos, a saber:

a) os que terminam em terminam em -o e, por conseguinte, são claramente masculinos — Luxemburgo, Egipto, Congo, Togo, México.

b) terminados em vogal oral (-á, com acento; -e, sem acento, e -é, com acento; -u e -i) ou ditongo oral (-ai): Canadá, Panamá, Chipre (sem artigo), Iraque, Vietname (Vietnã, no Brasil), Moçambique (sem artigo), Chile, Zimbabué, Peru, Mali, Jibuti, Uruguai.

c) terminados em vogal nasal (-ã, -im) ou ditongo nasal (-ão): Omã, Benim, Gabão, Sudão, Irão (Irã no Brasil), Paquistão, Japão.