Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber o significado do sobrenome Novita. Muito obrigado.

Resposta:

Segundo o Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, o apelido Novita é uma antiga alcunha que tem origem em novita, diminutivo de nova, feminino do adjectivo novo.

Pergunta:

Deparei com o comentário sobre a pseudopalavra "inconstitucionalissimamente" e fiquei surpreendidíssimo por terem-na considerado um vocábulo. Há palavras que não são superlativáveis!

"Inconstitucionalissimamente" e "anticonstitucionalissimamente" são, ontológica ou metafisicamente, inconcebíveis, ao contrário de "otorrinolaringologisticamente"!

Resposta:

Tem razão o consulente, talvez, dos pontos de vista ontológico e metafísico, mas com toda a  probabilidade na perspectiva semântica. "Anticonstitucionalíssimo" é uma construção morfológica que não é compatível com a semântica de anticonstitucional. Constitucional e o derivado anticonstitucional são adjectivos relacionais, isto é, são adjectivos denominais (derivados de nomes) que representam complementos (argumentos) dos nomes a que se associam:

(1) Tribunal Constitucional = tribunal da Constituição, isto é, que avalia actos e instrumentos legislativos de acordo com a Constituição.

(2) A aprovação ministerial = a aprovação do ministério.

Estes adjectivos não são graduáveis, isto é, não têm flexão de grau, pelo que não podem ser empregados nos graus comparativo e superlativo.

(3) *Tribunal mais constitucional/muito constitucional/constitucionalíssimo.
(4) *Aprovação mais constitucional/muito ministerial/ministerialíssima.

Pergunta:

Gostava de saber se existe uma pronúncia-padrão para o grupo consonântico "sc" (como crescer, nascer). Eu achava que era preciso pronunciar -ss- em todo o caso, mas acho que tenho ouvido ultimamente uma pronúncia /sh/, como em italiano (então, "nacher", "crecher"). Poderiam falar-me um bocado neste "sc", na sua etimologia e na sua pronúncia?
Além disso, acho que também tenho ouvido dizer "cinza" como "chinza". Isto é dialectal, padrão ou apenas uma alucinação minha?

Muito obrigado.

Resposta:

De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, a pronúncia-padrão europeia da sequência gráfica -sc- é constituída por dois sons da língua, ou seja, pelo que é representado por x em baixo ou ch em chave e pelo que está associado ao s de sala ou ao c de cinto, respectivamente. Usando símbolos fonéticos, -sc- transcreve-se [ʃs]. Por conseguinte, nascer e crescer pronunciam-se, respectivamente, na[ʃs]er e cre[ʃs]er. No entanto, muitos falantes de Portugal pronunciam [ʃs] penas como um som, [ʃ], pelo que os referidos exemplos soam como na[ʃ]er e cre[ʃ]er. Note-se que, no Interior Centro e Norte de Portugal, se mantém a variante mais conservadora (não em relação ao latim, mas em relação ao galego-português), que corresponde a [s]: na[s]er e cre[s]er.

Quanto a cinza, não tenho a certeza do que o consulente pretende descrever. Pode m...

Pergunta:

Gostaria de saber dos especialistas do Ciberdúvidas o que acham quanto à gramaticalidade, adequação e registro da seguinte frase, dita ontem pela minha esposa, que é tcheca, mas fala excelente português: «Espero não perdermos o ônibus.» Não me parecendo tão comum dita construção, creio que usar o subjuntivo aí teria sido mais corriqueiro — «Espero que não percamos o ônibus» —, ou mais popularmente, pelo menos no Brasil, «espero que a gente não perca o ônibus».

Gosto do jeito que ela raciocinou: se o infinitivo (acredito pessoal neste caso) se usa com o verbo esperar quando o sujeito de ambas as orações é o mesmo («espero pegar o ônibus», melhor do que um estranhíssimo e talvez agramatical «espero que eu pegue o ônibus»), não se poderia usá-lo também no referido caso, apenas acrescentando-lhe a marca de primeira pessoa do plural -mos? Daí vieram-me à mente casos, na minha percepção menos freqüentes, como «Creio terem razão» (em vez de «Creio que têm/tenham razão») e por isso acho bem possível que a frase supracitada seja gramatical (e pessoalmente acho-a muito elegante, portanto espero uma resposta positiva da parte do Ciberdúvidas).

Muito obrigado pela ajuda a dirimir esta questão.

O sempre amigo do Ciberdúvidas,

Resposta:

A frase que a sua mulher construiu é perfeitamente gramatical em português europeu, uma vez que o verbo esperar pode seleccionar tanto uma oração finita com o verbo no conjuntivo como uma oração não finita de infinitivo, quando o sujeito da oração subordinante e o sujeito da subordinada não são correferentes. É o caso da frase em apreço: o sujeito da oração subordinante é «eu» (subentendido), e o da subordinada, «nós» (também subentendido). São, portanto, equivalentes e correctas as seguintes frases:

(1) «Espero que não percamos o ônibus.»

(2) «Espero não perdermos o ônibus.»

Geralmente, os verbos que têm por complemento uma oração substantiva completiva finita são compatíveis com uma estrutura oracional não finita com o verbo no infinitivo; por exemplo (cf. Maria Helena Mateus et alii, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa: Editorial Caminho, 2003, pág. 599):

— verbos epistémicos (acreditar, pensar, saber, etc.), declarativos (afirmar, dizer, prometer, etc.) e perceptivos (ouvir, sentir, ver);

— verbos psicológicos (gostar, desejar, esperar).

 

N. E. (6/...

Pergunta:

Qual a origem e o significado do apelido Bandola?

Resposta:

José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, considera que Bandola é um apelido/sobrenome} com origem numa antiga alcunha derivada do substantivo comum bandola. No Dicionário Houaiss, a forma bandola corresponde a duas palavras:

bandola 1: a) «cinto do qual pendem cartucheiras de pólvora»; b) «[em São Tomé e Príncipe] saco de serapilheira usado na colheita de cacau; c) «[como termo de marinha,] vela armada improvisadamente em verga, antena ou trave, devido a desarvoramento ('perda dos mastros') de veleiro».

bandola 2: «bandolim tenor».

Se o apelido/sobrenome do consulente tem realmente origem nestes substantivos, resta a árdua tarefa de saber qual deles exactamente se tornou alcunha, por exemplo, mediante histórias de família.