Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Em quantas sílabas se divide a palavra Suíça?

A pergunta pode parecer básica, mas gerou confusão, pois eu acho que se divide em três, "Su-í-ça", mas uma professora do 1.º ciclo do ensino básico diz-me que se divide em duas, "Suí-ça", e eu estou atónita. Ou eu aprendi mal, ou mudaram-se as regras, ou então o nosso ensino está mesmo mal...

Obrigada pela atenção que dispensarem a esta questão.

Resposta:

Conforme a partição do adjectivo e substantivo suíço indicada na Mordebe, a palavra Suíça é analisada em três sílabas (uso a representação ortográfica por razões de comodidade): Su-í-ça. Sucede, porém, que, na pronúncia rápida, o hiato "u-í" (encontro de duas vogais que pertencem a sílabas diferentes) é pronunciado como o ditongo crescente [wi], permitindo analisar a palavra em duas sílabas apenas, ou seja, "Suí-ça". Em todo o caso, recomenda-se que no ensino se mantenha a análise de Suíça em três sílabas, uma vez que a pronúncia de "uí" como ditongo é um fenómeno fonético e não fonológico, ou seja, trata-se de um processo que não se verifica no nível mais abstracto da estrutura sonora de uma língua.

Pergunta:

Gostaria que me informassem se a expressão correcta é «o nosso Toronto», ou «a nossa Toronto», quando nos referimos à cidade de Toronto, Canadá.

Desde já o meu muito obrigada.

Resposta:

Não há estabilidade ou fixação de género em relação a Toronto. É masculino, se atendermos à terminação -o, mas também é feminino se subentendermos o termo cidade: «a [cidade de] Toronto». Note-se que este problema de atribuição de género só se põe em certos contextos («o meu/a minha Toronto»; «Toronto é bonito/bonita»), porque, de resto, como sabe, o topónimo é usado sem artigo («Toronto impressiona»).

Pergunta:

É correcto escrever «a nossa Tunae» em vez de Tuna, ou escrever «Tunae Universitaria...» em vez de «Tuna Universitária», ou seja, pode-se colocar o sufixo ae a belo prazer para "latinizar" a palavra e dar um ar mais nobre(?), antigo(?) à palavra Tuna?

Resposta:

Não é correcto, porque isso é alatinar desnecessariamente e sem critério gramatical uma palavra que é um empréstimo do castelhano ao português. Mesmo que se queira adaptar a palavra ao latim, como substantivo da primeira declinação, por exemplo, tuna, tunae, a expressão «a nossa "tunae"» não faz sentido numa frase como «a nossa tunae vai actuar nesta noite», porque nesse contexto deveria aparecer a forma tuna, nominativo do singular, que é o caso do sujeito do substantivo.

Note que a forma tunae significaria «as tunas», porque é nominativo do plural; é também vocativo plural («ó tunas»), genitivo do singular («da tuna») e dativo do singular («à tuna»). Mesmo que tunae fosse empregada nos contextos  sintácticos adequados, não se vê por que razão se chegaria ao preciosismo de escrever «faz um donativo à nossa tunae» ou «conhece os objectivos da nossa tunae», só porque, na primeira frase, temos um complemento indirecto que é marcado pelo dativo, e na segunda, um complemento determinativo, correspondente ao genitivo.

Pergunta:

Há, em São Paulo, uma avenida que tem o nome de Luis Inacio Anhaia Melo. Quero muito saber, de onde vem e o que significa, se é que isso é possível, o sobrenome Anhaia. Obrigada, por sua atenção.

Resposta:

O sobrenome Anhaia, também grafado Anaia, tem, segundo José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico), origem na palavra basca anai(a), «irmão», por intermédio do castelhano. Contudo, observa Machado:

«Parece [...] que alguns destes apelidos são de origem toponímica, também castelhana: há Anaya em Segóvia e Salamanca; daí aparecerem por vezes com a preposição de: d'Anaia, d'Anhaia. Por confusão, surgiram da Naia, da Nhaia e daqui os apelidos Naia e Nhaia [...]. Hoje Naya também na Galiza [...]. Hoje há em português Anaia e Naia [...].»

Machado acrescenta que encontra Anhaia registado só no Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves. É caso para dizer que talvez o ilustre lexicógrafo se tivesse esquecido de pesquisar no Brasil.

Pergunta:

De há uns tempos para cá, é frequente ouvir-se a expressão «opção de escolha», com o significado de haver alternativas (presumo eu). Ora, esta expressão causa-me alguma estranheza, uma vez que opção e escolha são sinónimos.

Resposta:

Em português europeu, a expressão «opção de escolha» é, de facto, redundante e deve ser evitada: ou se diz «opção» ou se usa «escolha». Sugiro que a expressão tenha surgido de um lapso relativo ao emprego de opção em lugar de direito: é possível que alguns falantes interpretem a expressão «ter opção» como equivalente a «ter direito». Por conseguinte, considero que o que se quer dizer é «direito de opção» ou «direito de escolha».