Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na frase que se segue, o que devo usar?

«... entende-se que nas empresas (existem ou existam?) em simultâneo uma enorme...»

Antecipadamente agradeço esclarecimento.

Resposta:

Tudo depende do contexto. Há, pelo menos, duas leituras, se o verbo significar «perceber, compreender»:

a) ... entende-se [= «compreende-se»] que nas empresas existem...

b) ... entende-se [= compreende-se que se diga] que nas empresas existam...

Se entender significa «considerar», a sequência deverá ocorrer o auxiliar dever:

c) ... entende-se que nas empresas devem existir...

Pergunta:

Na frase «Os biliões de homens que povoaram a terra», «os biliões» é um nome, ou um numeral?

Agradecia o vosso esclarecimento.

Resposta:

O numeral em apreço pode também ser usado como substantivo (ou nome), justamente em contextos como o indicado na pergunta. Indicativo do seu estatuto nominal é a presença do artigo definido: «os biliões». O Dicionário Houaiss assinala esse facto, quando diz que, «por sua natureza substantiva, este numeral é empregado precedido de outros numerais, artigos, pronomes demonstrativos, indefinidos etc., e o substantivo que o segue é precedido de preposição (p. ex., estes vários biliões de reais mal empregados, seis biliões de pessoas habitam o planeta

Cf.  Milhões, Mil milhões, Biliões ou Triliões? Esclareça a confusão!

Pergunta:

Porquê o dicionário da Academia põe acetileno /aseti'lenu/ mas acetilene /aseti'lEni/ (E = aberto)?

Resposta:

No sufixo -eno, a letra e é sempre pronunciada como vogal fechada (símbolo fonético [e]). A forma acetilene, que no Dicionário Houaiss é variante não preferível de acetileno, tem vogal aberta na penúltima sílaba, provavelmente por influência francesa, visto ser adaptação do francês acetylène, cujo -è- é pronunciado aberto (símbolo [ɛ]).

Pergunta:

Qual é a origem dos seguintes topônimos, ocorridos na vila da Lousã (Portugal): Covelos, Fórnea, Rogela, Sarnadinha, Trevim? Agradeço.

Resposta:

A informação que se segue é quase toda retirada de José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, acompanhada, nos dois últimos casos, de brevíssimos comentários meus.

Covelos
«Dim. do ant. adj. covo [«local baixo, fundo»], com valor topográfico, não sendo impossível, em alguns casos, a relação com cubelo, torre de fortificação.» É frequente no plural.

Fórnea
Arganil, Gouveia, Lousã, Mafra, Lugo (Galiza). Acrescenta Machado: «Creio estar relacionado com forno. Não me parece possível a origem num lat. furnea [como defendeu o linguista Joseph-Maria Piel], donde viria *fronha ou coisa semelhante.»

Rogela
Feminino de Rogel, «provavelmente do fr. Roger, equivalente de Rogério ou mesmo Rogeiro».

Sarnadinha
Machado considera esta forma toponímica uma variante de Cernadinha, topónimo que resulta do diminutivo de Cernada (a que correposnde também um avariante em s- inicial, Sarnada); este, por sua vez, é derivado de cerna, «seara». Contam-se ainda as formas Cernado, Cernadelo, Cernadas com as variantes Sarnado, Sarnadelo e Sarnadas, bem como Cernadinhas e Cernadinho.

Se todos estes topónimos derivam de cerna, parece que as formas mais correctas serão com c-. Não é bem isso que se acontece, porque cerna, no sentido de «seara», é o mesmo que cenra

Pergunta:

Como eram formados os patrônimos em português (ou ibéricos)? Vários nomes parecem apenas adicionar -es, por vezes deitando fora a vogal final (Henrique – Henriques; Fernando – Fernandes; Martim – Martins), enquanto em outros parece haver influência de formas mais arcaicas do nome ou evolução do próprio patrônimo (Vasco – Vaz; Gonçalo – Gonçalves; Diogo – Dias). Existe uma regra geral que se possa formular?

Resposta:

A regra geral já foi exposta noutras respostas. O patronímico, que é típico da onomástica ibérica medieval, tinha por base um nome próprio (o do pai) ao qual se associava o sufixo -ez (Henrique > Henriquez; Fernando > Fernandez, etc.). O referido sufixo passou a ser grafado com -s, reflectindo a perda de sons africados e do contraste entre sibilantes no português do século XVI.

Como o consulente diz, há excepções, que têm que ver com a possibilidade de alguns nomes se abreviarem. Assim, por exemplo, Rui é uma abreviação de Rodrigo. O mesmo sucede com os patronímicos Vaz e Dias, que abreviam, respectivamente a formas arcaicas Vaasquez («filho de Vaasco») e Dieguez («filho de Diego ou Diogo»). Estas mais tarde evoluíram para Vasques e Diegues, que no fundo têm as variantes abreviadas Vaz e Dias.

Quanto a Gonçalves, trata-se de uma especificidade portuguesa, que não encontramos na versão castelhana do mesmo patronímico, que é regular: Gonzalo > González. Tal se deve a ter existido ...