Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra "megaomenagem" está grafada corretamente?

Resposta:

O elemento mega- é um antepositivo de origem grega que actualmente é usado com valor de intensificação, como indica o Dicionário Houaiss:

«observe-se o emprego moderno de mega- com valor hiperbolizante em voc. como: megadesvalorização, megaempresário, megaempreendimento, megaespeculador, megaevento, megainvestiment.o»

Sobre as regras gráficas de utilização deste antepositivo, não conheço critérios explícitos nem no Formulário Ortográfico de 1943 (em vigor no Brasil até ao fim de 2008) nem no Acordo Ortográfico de 1945 (que constituiu a norma ortográfica  em Portugal, pelo menos, até 2010). Apesar de tudo, podemos seguir o modelo de par(a)-, que, segundo o Dicionário Houaiss, «se liga sempre ao el[emento] seguinte, duplicando consoante ou eliminando h inicial»; aliás, é este o critério que pode ser deduzido do artigo associado à entrada de mega-, «grande», nesse dicionário. Deste modo, considero correcta a grafia proposta pelo consulente, megaomenagem.1

1 Com a adopção do Acordo Ortográfico de 1990, passará a escrever-se mega-homenagem (ver Textos Relacionados).

 

Pergunta:

Perante a estranha ambiguidade da resposta 54 (Teresa Alves) que vai buscar uma justificação semântica (que poderia ser plausível, caso existisse a palavra "sumativo") e a não menos estranha constatação na pergunta 5652 de que nem "somativo", nem "sumativo" constariam de dicionário algum, venho apenas reafirmar a resposta correcta (86) e aconselhar os duvidosos a verificarem que no Dicionário Houaiss (do Círculo de Leitores, versão portuguesa, garantia para os mais puristas) apenas aparece a palavra somativo – «que visa dar uma avaliação final de um programa instrucional (diz-se de processo). Etimo. rad. de somado (part. de somar)».

Convém confirmar em bons dicionários antes de responder.

Resposta:

Como se poderá verificar, a resposta n.º 54 encara como aceitáveis as formas sumativo e somativo, fundando-se na existência de soma e suma, palavras divergentes que têm origem no mesmo étimo latino, summa, «total, totalidade». A resposta n.º 86, dada pelo nosso saudoso consultor José Neves Henriques, limita-se a dar conta da atestação da forma somativo no Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Quanto à pergunta n.º 5652, de 27/04/2000, a opção editorial foi a de remeter o consulente para as respostas disponíveis nessa data.

Alguns anos depois, considero que a resposta n.º 54 e a n.º 86 podem ser completadas. Assim:

1. O Dicionário Houaiss, cuja primeira edição é de 2001, acolhe apenas a forma somativo. Contudo, o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, consignam sumativo.

2. As duas formas estão correctas. Começo por sumativo, adjectivo que pressupõe um verbo latino não atestado *summare, derivado de summa, «soma». Na sua flexão, o referido verbo teria a forma de supino *summatum e de particípio *summatus. A este particípio, junta-se o sufixo -ivus, obtendo-se summativus, e finalmente adapta-se o todo à flexão nominal portuguesa, substituindo-se -us pelo índice temático -o — daí, sumativo. Esta forma alatinada, possível, mas hipotética, vê-se legitimada pelo seguinte comentário do Dicionário Houaiss ao sufixo -ivo (desenvolvi tod...

Pergunta:

Gostaria de conhecer a análise do Ciberdúvidas acerca do termo "eventário", relação ou sucessão de eventos. Penso que a palavra (ainda) não está dicionarizada, mas ocorre com alguma frequência na Internet.

Resposta:

O neologismo eventário é possível em português, uma vez que o sufixo -ário pode ser usado em palavras derivadas «tipicamente ligadas à noção de colecção, ajuntamento, agrupamento» como ideário ou mostruário (Dicionário Houaiss). Creio, contudo, que a palavra eventário se terá formado também como jogo morfológico, aludindo à palavra inventário, «levantamento minucioso dos elementos de um todo; rol, lista, relação» (cf. idem).

Pergunta:

Deve dizer-se, rigorosamente:

a) «Temos muito a aprender com os mais velhos»;
b) «Temos muito que (e não «de», com sentido de obrigação) aprender com os mais velhos»; ou
c) «Temos muito para aprender com os mais velhos»?

As formas que me parecem mais correctas são a b) e c); no entanto, ouço dizer muitas vezes como em a). Para outras formas verbais, como, por exemplo, fazer, é igual?

Muito obrigado antecipadamente.

Resposta:

A construção «ter alguma coisa a...» + infinitivo é um empréstimo do francês, rejeitado pela tradição gramatical mais purista, muito embora seja hoje corrente em português europeu e brasileiro (desconheço a situação nas outras normas da língua portuguesa). Esta construção concorre com «ter alguma coisa que...» + infinitivo e parece estar mesmo a substituí-la. Quanto a «ter alguma coisa para...» + infinitivo, trata-se de mais outra construção, próxima das antes descritas e perfeitamente aceitável. O infinitivo que completa a construção pode ser o de qualquer verbo transitivo: aprender, fazer, ver, etc.

Pergunta:

Desde já pretendo felicitar pelo excelente trabalho que prestam a todos.

Gostaria de saber como se escreve este palavra, homorítmica ou homorrítmica? Homoritmia ou homorritmia?

É um termo musical que indica uma textura com o mesmo ritmo.

Muito obrigada pela vossa ajuda.

Resposta:

Em relação à grafia, o elemento homo- liga-se a outro elemento sem hífen. Se o elemento que se segue começar por s, dobra-se esta letra: homossexual. É, pois, legítimo supor que também se dobra o r inicial de certos elementos, apesar de eu não ter encontrarmos tais casos  nos dicionários consultados; por conseguinte, aceitemos homorrítmica e homorritmia como grafias correctas.

Do ponto de vista morfológico, quer homorrítmica quer homorritmia são palavras possíveis, embora não se encontrem nos dicionários gerais e especializados que consultei. Homorrítmica é o feminino do adjectivo composto homorrítmico, formado pelo antepositivo homo-, «semelhante, igual» (cf. Dicionário Houaiss), e pelo adjectivo rítmico. Homorrítmica pode também ser um substantivo que associa o referido antepositivo ao substantivo rítmica, cujo sentido genérico é «ciência dos ritmos aplicada à música, à prosa e, esp., à poesia» (idem). Por sua vez, homorritmia é uma palavra composta por dois radicais de origem grega: o já mencionado homo-, mais uma vez, e -ritmia, constituído pelo elemento ritm(i/o)- e o sufixo -ia, «formador de substantivos abstractos» como arritmia, disritmia, euritmia/eurritmia, polirritmia (idem).

Quanto à adequação semântica dos termos em análise, não posso confirmar...