Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Dedicado que sou às questões linguísticas, publiquei há anos num jornal regional de pouca projecção um escrito a que chamei «Algumas questões dicionarísticas» e no qual referia vários pontos que me causavam estranheza. Acho estranho que alguns dicionários refiram que solarengo é o mesmo que soalheiro. Mais estranho acho dizerem que bimestral é o mesmo que bimensal. Estranho e surpreendente é que num recente dicionário (em seis volumes), que me farto de elogiar, entre nesta do bimestral igual a bimensal. É apenas por esta última questão que finalmente resolvi colocar uma questão a Ciberdúvidas.

Será que a minha miopia ocular me subiu ao cérebro? Solicito comentário.

Resposta:

Sobre solarengo, já aqui explicámos que não é o mesmo que soalheiro. E quanto à diferença entre bimestral e bimensal, temos uma resposta que recomenda o uso de bimestral para indicar aquilo que ocorre de dois em dois meses, e bimensal para o que se verifica duas vezes por mês.

Contudo, é verdade que dicionários mais recentes consagram a confusão entre os termos em referência. Como se sabe, o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa considera que solarengo é sinónimo de soalheiro; e o Dicionário Houaiss apresenta bimensal quer como sinónimo de quinzenal quer como sinónimo menos usado de bimestral. Apesar de tudo, aconselho as distinções tradicionais.

Pergunta:

Se considerarmos apenas este tipo de construção, qual é a opção preferível?

«Uma vez que a empresa está a aproximar-se cada vez mais da falência, a mesma deve adoptar medidas imediatas»

ou

«Uma vez que a empresa está a aproximar-se cada vez mais da falência, deve adoptar medidas imediatas.»

Existe, neste caso, uma regra que determine a utilização ou a não utilização de um sujeito na segunda oração?

Muito obrigada.

Resposta:

A melhor maneira de indicar que os sujeitos das orações da frase são correferentes é escrever:

«Uma vez que está a aproximar-se cada vez mais da falência, a empresa deve adoptar medidas imediatas.»

ou

«A empresa deve adoptar medidas imediatas, uma vez que  está a aproximar-se cada vez mais da falência.»

Estas versões são preferíveis, porque a tendência é normalmente a de fazer depender a informação de uma subordinada a uma subordinante. Ora, sabendo que «deve adoptar medidas» é a subordinante, e «uma vez que está a aproximar-se mais da falência» é a subordinada, a explicitação do sujeito na subordinante facilita a interpretação correferencial do sujeito da oração subordinada.

É curioso que, nas versões apresentadas pela consulente, se sinta que o sujeito da subordinante tem de ser preenchido. Como por questões estilísticas não convém repetir a expressão «a empresa», e o emprego do pronome «ela», ainda que possível, poderá dar azo, pelo menos em português europeu, a uma sensação de redundância e até de inadequação (o pronome ela tem bem vincados traços humanos), muitos usam a expressão «a mesma». Esta não está completamente incorrecta, mas é de evitar; é preferível usá-la em expressões em que se coordenam substantivos com regências diferentes cujo complemento é preenchido pela mesma entidade referida:

«Quanto ao apoio à empresa e à recuperação da mesma...»

Pergunta:

Gostaria de entender melhor o processo ou a teoria da simplificação e da relexificação do crioulo.

Resposta:

A teoria referida pela consulente é uma proposta de explicação da génese do crioulo que hoje é controversa. Considera que terá havido na origem de todos os crioulos um único crioulo, que seria uma modalidade muito simplificada de uma língua dominante. Os diferentes crioulos teriam surgido por relexificação, isto é, por substituição do léxico desse crioulo ancestral (cf. R. L. Trask, Dicionário de Linguagem e Lingüística, São Paulo, Editora Contexto, 2004).

Pergunta:

Gostaria de saber o que significa a palavra "paraboinha", presente no título do conto popular A Paraboinha de Ouro. Já procurei em vários dicionários e não consigo encontrar qualquer definição. Obrigada.

Resposta:

Paraboinha parece ser o mesmo que dobadoura, artefacto em que se dispõem as meadas de lã, algodão etc. para estas serem dobadas (enroladas) (cf. Dicionário Houaiss). Não encontro registada a palavra paraboinha nos dicionários consultados (mais antigos, como o de Cândido de Figueiredo e o de Domingos Vieira, ou mais recentes, como o da Academia das Ciências de Lisboa e o Grande Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora). Contudo, o conto em que a palavra ocorre faculta três contextos que permitem atribuir o significado atrás enunciado (Teófilo Braga, Contos Tradicionais do Povo Português, Lisboa Edições D. Quixote, 2002):

«A mãe da Lua deu à menina uma paraboinha de ouro [...].»

«Puxou da sua paraboinha e pôs-se a dobar.»

«As criadas do palácio viram aquilo e foram-no dizer à rainha, que lhe mandou dizer que queria comprar aquela paraboinha

«E pôs para a banda a paraboinha [...].»

Mas parece-me também que paraboinha é diminutivo que pressupõe "paráboa", que pode ser relacionado com parábola. Em princípio, os significados mais correntes de parábola desmentiriam tal relação (Dicionário Houaiss):

1. «narrativa alegórica que transmite uma mensagem indireta, por meio de comparação ou analogia»

2. «lugar geométrico dos pontos em um plano cujas distâncias a um ponto fixo e a uma reta fixa são iguais»

Mas o dicionário de Cândido Figueiredo també...

Pergunta:

Tenho uma dúvida quanto ao uso do artigo definido que devo utilizar antes da palavra ou abreviatura TV. Essa abreviatura é muitas vezes usada, pelo menos no Brasil, tanto em relação à tecnologia (televisão), quanto ao aparelho que recebe as suas imagens (televisor).

Nas conversas do dia-a-dia, as pessoas costumam se referir aos seus aparelhos como «minha TV», enquanto o editor de uma revista (Home Theater) para a qual eu escrevia considera errado esse uso do artigo definido, e trata o aparelho como «o TV», e não «a TV».

Afinal de contas, qual é o certo? Ou tanto faz?

Resposta:

O Dicionário Houaiss regista TV como abreviatura de televisão e classifica-o como substantivo feminino. Note-se que televisão é também sinónimo de televisor, pelo que não há incompatibilidade de género na expressão «a TV» mesmo quando esta se refere ao aparelho que recebe imagens («o televisor» = «a televisão»).