Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Numa ficha, um professor pediu-me que fizesse a análise semântica das palavras mobília/cómoda e pés/dedos. Gostava de saber qual a resposta mais correcta.

Obrigada.

Resposta:

As relações que se estabelecem entre as palavras em questão são de hierarquia.

Assim, o significado da palavra mobília é mais geral que o de cómoda, ficando este incluído naquele: diz-se que mobília é um hiperónimo e cómoda um hipónimo. Quanto a dedos e pés, a relação é entre parte e todo: ao termo que designa parte do significado ou do referente do outro, neste caso, dedos, chama-se merónimo; ao significado do termo que se refere ao todo, ou seja, pés, dá-se o nome de holónimo.

Por último, refira-se que os termos aplicáveis a todas estas relações são: hiperonímia, hiponímia, meronímia, holonímia.

Pergunta:

"Louzal" [em Grândola] escreveu-se durante a primeira metade do século XX com Z. A partir de 1946/1947 passou-se a escrever com S. Qual é a razão da mudança da ortografia. Qual é hoje a forma correcta de escrever, ou admite-se as duas notações?

Resposta:

A mudança ocorreu por razões etimológicas. José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, faz Lousal derivar do substantivo comum lousa. Podemos até supor que o topónimo deriva de uma forma não dicionarizada, lousal, que se poderá  interpretar como «lugar onde há lousas/conjunto de lousas», o que faz sentido se pensarmos que o lugar assim chamado é conhecido por ter minas. Se há uma relação entre o topónimo e lousa, então a grafia mais correcta, em harmonia quer com o Acordo Ortográfico de 1945 quer com o novo Acordo, é realmente com s, Lousal.

Assinala-se, porém, que Machado encontra este nome atestado com z num documento datado de 1212. Não tenho pormenores sobre este documento medieval a não ser a indicação de que está incluído nas Leges et Consuetudines dos Portugaliae Monumenta Historica (PMH)1, publicados pela Academia das Ciências de Lisboa. Como não tenho acesso a esta colecção de documentos, não posso por enquanto dizer nada acerca das características do contexto de ocorrência de Louzal: nem sobre se esta forma se refere ao Lousal de Grândola; nem se sugere outra origem; nem se é simplesmente indicativa da confusão entre s e z no pergaminho original ou na leitura que dele foi feita nos PMH.

1 Portugaliae Monumenta Historica é o nome de «uma colectânea de documentos, portugueses e estrangeiros, referentes a Portugal ou ao território que viria a formar o Reino, [...] abarcando o período entre os séculos VIII e XV» (

Pergunta:

Por favor, gostaria de saber o diminutivo de tórax. Seria "toraxzinho"?

Obrigada pela ajuda.

Resposta:

A palavra tórax poderá ter como diminutivo toraxinho e toraxito. Quanto às formas com os sufixos -zinho e -zito, "toraxzinho" ou "toraxzito", embora pronunciáveis, elas encontram alguma dificuldade no plano da aceitabilidade ortográfica porque a sequência <xz> não ocorre na grafia das palavras portuguesas. Poderá propor-se "toraxezinho", mas isso é supor que haja formas com a inserção (epêntese) de um e, por exemplo, "tóraxes". Note-se que substantivos de origem grega como tórax ou clímax ou não têm marca morfológica de plural em português europeu (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora) ou têm essa marca em português do Brasil mas com a passagem do x a c: tórax > tóraces. Isolando exactamente o radical torac- como variante de tórax, parece então que "toracinho" e "toracito" têm configurações mais adequadas. Mas, sabendo que tórax é uma palavra culta, é de prever que os seus diminutivos raramente ocorram por serem mais adequados ao registo familiar.

Pergunta:

Qual a origem e o significado das expressões populares «Não há cá pão para malucos» e «Brincamos ou colamos cartazes»?

Obrigado.

Resposta:

Não encontramos as expressões em apreço nos dicionários consultados. A linguagem que os constitui não tem as características arcaicas de tantas e tantas expressões idiomáticas. Por isso, calculo que sejam relativamente recentes no português europeu, sobretudo por o uso de «colar cartazes» indiciar uma actividade que marcou a democratização da vida política portuguesa depois do 25 de Abril de 1974.

Pergunta:

Tem tradução para o português o imposto ou taxa feudal medieval chamada formariage? Faço esta pergunta pois a palavra retromencionada parece ser francesa.

Aliás, este tributo era pago pelo servo, quando este se casava, ao senhor feudal, ou era pago pelos servos ao senhor feudal por ocasião do casamento deste último?

Sempre muito grato por tudo.

Resposta:

Apenas encontro em páginas da Internet um termo alternativo a formariage, de facto, de origem francesa: consórcio. Tais páginas são relativas a materiais didácticos sobre o período feudal e não constituem a fonte mais autorizada para a identificação do termo procurado. Fica aqui feita a ressalva, na expectativa da recolha de mais elementos sobre a palavra em apreço.