Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Em 2005, fiz uma consulta ao Ciberdúvidas a respeito de alguns termos de Geografia, estando entre eles a palavra "salar". A resposta veio, a 20 de maio daquele ano, sendo da autoria do ilustre e douto consultor Carlos Rocha, o qual, entretanto, não disse nada acerca de "salar".

Ontem, sexta-feira, 24 de outubro de 2008, a maior rede de televisão do Brasil apresentou, em um programa televisivo tradicional de reportagens especiais que vai ao ar sempre às sextas-feiras à noite, uma bela reportagem sobre a Bolívia, país pobre sul-americano, mas rico em termos de tradições, cultura e "salares". Estes últimos são imensos depósitos naturais de sal a céu aberto, verdadeiros desertos que, em vez de serem constituídos de areia, são constituídos de sal. Eram, em priscas eras, lagos salgados que secaram.

Isto acendeu de novo em mim a curiosidade a respeito da palavra "salar", a qual não encontrei em nenhum dicionário da língua portuguesa que consultei. O que gostaria de saber é o seguinte:

a) a sua etimologia;

b) se a mesma pertence ou não à língua portuguesa;

c) o termo português que lhe corresponde, caso "salar" não seja do nosso idioma;

d) se foi formada à maneira de "glaciar", como parece;

e) se designa apenas os referidos acidentes geográficos encontráveis na Bolívia ou se se aplica a outros iguais ou semelhantes em outros países, até mesmo nos que ficam fora da América do Sul.

Muito obrigado.

Resposta:

De facto, faltou na resposta em causa comentar a palavra "salar". Já o fiz entretanto, mas declarando o mesmo que agora — não encontro a palavra "salar" com o significado apontado pelo consulente nos dicionários consultados, a saber:

Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa
Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa
Dicionário da Língua Portuguesa 2009, da Porto Editora
Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora
Dicionário Aurélio XXI
Dicionário Michaelis

Mesmo assim, respondendo às perguntas:

a) "Salar" parece um termo derivado de sal, que tem origem no latim sal, salis, por sua vez relacionado com a raiz indo-europeia *sal-, «sal». Se a palavra é portuguesa, dir-se-ia que a sal se associou o sufixo -ar, deduzido de substantivos designativos de lugares como pomar, bazar ou lupanar. Se a palavra foi formada no castelhano (da Bolívia ou de outro país hispanófono), creio que a etimologia e a análise morfológica se mantêm.

b) A palavra pode não ser portuguesa, mas adapta-se às regras fonológicas e morfológicas do português.

c) Desconheço o termo português correspondente ao aqui disc...

Pergunta:

Tenho dúvidas acerca da concordância entre cabra (feminino) e montês (masculino). E também se entre ambos deve ou não utilizar-se um hífen. Em resumo, qual a forma mais correcta?

a) cabra montesa

b) cabra-montesa

c) cabra-montês

d) cabra montês

Obrigada.

Resposta:

No dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, a forma cabra montês está incluída nos verbetes quer de cabra quer de montês, mas sem hífen nem indicação de plural. Mas, dado que no Dicionário Houaiss se escreve com hífen a palavra cabra-selvagem, formada por um substantivo e um adjectivo, também se afigura mais adequada a hifenização de cabra-montês, já que designa não o animal chamado cabra mas uma das suas subespécies.

Acresce que montês é um adjectivo cuja forma de feminino é montesa, pelo que se afiguraria legítimo dizer e escrever cabra-montesa e, no plural, cabras-montesas. Contudo, por estranho que pareça, o animal em apreço é também conhecido pela designação cabra-montês, na qual montês parece violar as regras da concordância. Sugiro que isto acontece por arcaísmo: no português medieval, os substantivos e adjectivos terminados em -or e -ês não tinham feminino; por isso, dizia-se «a senhor» (= «a senhora») e «a casa português».1 Se assim for, fica explicada a anomalia de cabra-montês, que terá o plural cabras-monteses.

1 Há alguns dos chamados advérbios de modo em -mente que, ao contrário da regra geral (formam-se tendo por base a forma feminina de um adjectivo), derivam do que é hoje apenas a forma de masculino dos adjectivos em -ês: portuguesmente (cf. Evanildo Bechara, Moderna Gramáti...

Pergunta:

Gostaria de saber o significado da expressão «você tem o dedo podre para escolher namorados», para um trabalho de meu filho da 6.ª série. Obrigada.

Resposta:

Não encontro dicionarizada a expressão «ter dedo podre (para escolher namorados/companhias, etc.)», mas parece-me fácil descobrir-lhe o sentido: «fazer más escolhas em relação ao amor e às amizades.»

Pergunta:

Há alguns dias, perguntei qual era a pronúncia de jacto e de lacticínio em Portugal, pois, apesar de ter lido a vossa resposta no mesmo artigo sobre consoantes não articuladas, que me foi enviado como resposta, vi no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa que o c era dado como articulado no verbete jacto. O fato me causou espécie e quis tirar a prova dos nove. Daí a questão anteriormente enviada.

Como também encontrei o seguinte texto em outra resposta do site:

(...) 2. também, quando articulado em apenas um dos países, como, por exemplo, cacto, caracteres, coarctar, contacto, dicção, facto, jacto, perfunctório, revindicta, tactear, tacto, tecto; (...)

Penso em aprofundar o assunto, pois aqui no Brasil não temos jacto como forma viva na língua.

Por favor, qual é a pronúncia de jacto em Portugal, a que está no dicionário da Academia das Ciências, ou a do artigo sobre consoantes inarticuladas?

Grata.

Resposta:

No Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, publicado em 2003, a transcrição fonética relativa à grafia jacto indica que o c é mudo: [Ʒatu]. No entanto, é verdade que o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, publicado em 2001, apresenta uma transcrição em que a letra é pronunciada: [Ʒaktu]. Quem tem razão?

Se consultarmos o Vocabulário da Língua Portuguesa, da autoria de Rebelo Gonçalves e publicado em 1966, há indicação de que se pronuncia um [k] na entrada de jacto. Isto explica o estipulado na resposta em causa, que é afinal o conteúdo do segundo parágrafo da Base VI do Acordo Ortográfico de 1945, que vigorou apenas em Portugal; diz assim (sublinhado meu):

«2.° Conservam-se não apenas nos casos em que são invariavelmente proferidos (compacto, convicção, convicto, ficção, fricção, friccionar, pacto, pictural; adepto, apto, díptico, erupção, eucalipto, inepto, núpcias, rapto; etc.), mas também naqueles em que só se proferem em Portugal ou só no Brasil, quer geral, quer restritamente: cacto (c interior geralmente proferido no Brasil e mudo em Portugal), caracteres (c interior em condições idênticas), coarctar, contacto, dicção, facto (c geralmente proferido em Portugal e mudo no Brasil), jacto, perfunctório, revindicta, tactear, tacto, tecto (c por vezes proferido no Brasil); assumptível, assumptivo, ceptro, consumpção, consumptível, consumptivo, corrupção, corruptela, corrupto, corruptor, peremptório (p interior geralmente proferido no Brasil, mas predominantemente mudo em Portugal), sumptuário, sumptuoso

A inclusão de jacto...

Pergunta:

Gostaria de saber qual a pronúncia correcta da palavra cronograma. Deveremos acentuar as duas primeiras sílabas, evocando a palavra chrónos que está na sua base etimológica? Ou será mais correcta a pronúncia não acentuada, como na palavra cronologia?

Muito obrigada.

Resposta:

O dicionário da Academia das Ciências de Lisboa transcreve a palavra cronograma com vogais abertas nas sílabas cro- e -no-, ou seja, com ós abertos: [kɾɔnɔgɾɐmɐ]. No entanto, não me parece incorrecto aplicar à palavra em questão a regra do vocalismo átono do português europeu e fechar as vogais de co- e -no-, pronunciando [kɾunugrgɾɐmɐ]. Estas oscilações têm realmente que ver com o facto de se tratar de compostos eruditos, cujos elementos constituintes podem ou não manter alguma autonomia e acentuação próprias. No caso de cronograma, é possível a crono- escapar à regra do vocalismo átono, visto o radical manter certa autonomia. Já cronologia parece ter-se consolidado definitavamente como uma palavra única (lexicalização) e, como tal, fica submetida à referida regra.

Cabe, porém, fazer aqui um reparo. Quando a consulente fala em acentuar as duas primeiras sílabas de cronograma deve estar a pressupor que, geralmente, em português europeu, as vogais são abertas em posição tónica. Logo — terá ela pensado—, se as vogais das sílabas cro- e -no- são abertas é porque estão em sílabas acentuadas. Nada disso. Por um lado, a sílaba tónica de cronograma é  -gra-, e o mais que se pode dizer acerca das outras sílabas é que há um acento secundário em cro-. Por outro, em português europeu, há vogais abertas em sílaba átona, em posição pretónica: basta lembrar padeira, somente, capturar, todas palavras com vogais abertas átonas na primeira sílaba a contar da esquerda, e cafezinho, com é aberto na sílaba -fe-. Não se deve, portanto, confundir vogal aberta com a posição do...