Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de entender melhor o processo ou a teoria da simplificação e da relexificação do crioulo.

Resposta:

A teoria referida pela consulente é uma proposta de explicação da génese do crioulo que hoje é controversa. Considera que terá havido na origem de todos os crioulos um único crioulo, que seria uma modalidade muito simplificada de uma língua dominante. Os diferentes crioulos teriam surgido por relexificação, isto é, por substituição do léxico desse crioulo ancestral (cf. R. L. Trask, Dicionário de Linguagem e Lingüística, São Paulo, Editora Contexto, 2004).

Pergunta:

Gostaria de saber o que significa a palavra "paraboinha", presente no título do conto popular A Paraboinha de Ouro. Já procurei em vários dicionários e não consigo encontrar qualquer definição. Obrigada.

Resposta:

Paraboinha parece ser o mesmo que dobadoura, artefacto em que se dispõem as meadas de lã, algodão etc. para estas serem dobadas (enroladas) (cf. Dicionário Houaiss). Não encontro registada a palavra paraboinha nos dicionários consultados (mais antigos, como o de Cândido de Figueiredo e o de Domingos Vieira, ou mais recentes, como o da Academia das Ciências de Lisboa e o Grande Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora). Contudo, o conto em que a palavra ocorre faculta três contextos que permitem atribuir o significado atrás enunciado (Teófilo Braga, Contos Tradicionais do Povo Português, Lisboa Edições D. Quixote, 2002):

«A mãe da Lua deu à menina uma paraboinha de ouro [...].»

«Puxou da sua paraboinha e pôs-se a dobar.»

«As criadas do palácio viram aquilo e foram-no dizer à rainha, que lhe mandou dizer que queria comprar aquela paraboinha

«E pôs para a banda a paraboinha [...].»

Mas parece-me também que paraboinha é diminutivo que pressupõe "paráboa", que pode ser relacionado com parábola. Em princípio, os significados mais correntes de parábola desmentiriam tal relação (Dicionário Houaiss):

1. «narrativa alegórica que transmite uma mensagem indireta, por meio de comparação ou analogia»

2. «lugar geométrico dos pontos em um plano cujas distâncias a um ponto fixo e a uma reta fixa são iguais»

Mas o dicionário de Cândido Figueiredo també...

Pergunta:

Tenho uma dúvida quanto ao uso do artigo definido que devo utilizar antes da palavra ou abreviatura TV. Essa abreviatura é muitas vezes usada, pelo menos no Brasil, tanto em relação à tecnologia (televisão), quanto ao aparelho que recebe as suas imagens (televisor).

Nas conversas do dia-a-dia, as pessoas costumam se referir aos seus aparelhos como «minha TV», enquanto o editor de uma revista (Home Theater) para a qual eu escrevia considera errado esse uso do artigo definido, e trata o aparelho como «o TV», e não «a TV».

Afinal de contas, qual é o certo? Ou tanto faz?

Resposta:

O Dicionário Houaiss regista TV como abreviatura de televisão e classifica-o como substantivo feminino. Note-se que televisão é também sinónimo de televisor, pelo que não há incompatibilidade de género na expressão «a TV» mesmo quando esta se refere ao aparelho que recebe imagens («o televisor» = «a televisão»).

Pergunta:

Deve escrever-se "auto-avaliação" e "hetero-avaliação", ou "autoavaliação" e "heteroavaliação"? O novo acordo ortográfico foi aprovado e deve pôr-se em prática, ou está em fase de análise?

Resposta:

O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (DLPC), da Academia das Ciências de Lisboa, consigna o hífen nos dois casos: auto-avaliação e hetero-avaliação. No entanto, a Mordebe, que também regista hetero-avaliação, avisa que este termo «embora atestado no DLPC, viola a regra do uso do hífen com o prefixo hetero-». Esta advertência sugere, portanto, que heteroavaliação é a forma correcta à luz das regras de ortografia ainda vigentes em Portugal.

Quanto a alterações na grafia das palavras em apreço em conformidade com o Acordo Ortográfico de 1990, as páginas do Vocabulário em Mudança (recurso do Portal da Língua Portuguesa; também disponível em livro publicado pela Editorial Caminho, Lisboa) indicam que auto-avaliação passará a escrever-se autoavaliação, mas são omissas relativamente a hetero-avaliação/heteroavaliação. Mesmo assim, espera-se que a forma a fixar seja heteroavaliação, como deveria ter sido no passado, quando se lê a alínea b) do n.º 2 da Base XVI do novo acordo:

«[Não se emprega hífen] Nas formações em que o prefixo ou pseudoprefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por vogal difere...

Pergunta:

Eu sei distinguir o campo semântico do lexical, mas não sei aplicar o semântico em diversas situações. Nomeadamente queria saber qual o campo semântico de poder (não a forma verbal, o nome em si) e não consigo!

Resposta:

Já algumas vezes se disse no Ciberdúvidas que as definições de campo lexical e campo semântico variam: para alguns autores, tais termos designam praticamente o mesmo conceito; para outros, correspondem a conceitos bem diferenciados. Calculando que a consulente é estudante do 3.º ciclo ou do ensino secundário em Portugal, socorro-me da distinção proposta  pela versão revista da Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário (TLEBS):

A. Campo lexical: «Conjunto de palavras associadas, pelo seu significado, a um determinado domínio conceptual.»

Exemplo:

«O conjunto de palavras "jogador", "árbitro", "bola", "baliza", "equipa", "estádio" faz parte do campo lexical de "futebol".»

B. Campo semântico: «Conjunto dos significados que uma palavra pode ter nos diferentes contextos em que se encontra.»

Exemplo:

«Campo semântico de "peça": "peça de automóvel", "peça de teatro", "peça de bronze", "és uma boa peça", "uma peça de carne", etc.»

Baseando-me na definição feita em B e no Dicionário Houaiss, defino o campo semântico de poder (substantivo) da seguinte maneira:

1.  «Não tem poder»: autoridade.

2. «Poder monárquico»: governo de um país, de um Estado, etc.

3. «Poder executivo, poder judiciário, poder legislativo»: (relacionado

com 2) poder consider...