Pergunta:
Ao consultar artigos das Ciberdúvidas relativos a «e/ou» [O emprego do e/ou e Conjunções coordenativas e/ou], creio ser pertinente referir o seguinte, em apoio, aliás, da posição do consulente Ricardo Lopes e manifestando que discordo do consulente Ricardo Castro quando refere que «e/ou» tem alguma justificação com as "portas lógicas" usadas nos fluxogramas para programação de computador (esse argumento também serviria para justificar o que manifesto abaixo):
É de notar que a função ou, em termos lógicos, pode existir com dois significados: um inclusivo e outro exclusivo. Exemplos:
1. Inclusivo: «Hoje vou ao teatro ou ao futebol.»
2. Exclusivo: «Hoje, às 21h00, vou ao teatro ou ao futebol.»
Como anotação, note-se ainda a forma exclusiva com duplo ou, com o mesmo funcionamento do exemplo 2 acima patente: «Hoje, ou vou ao teatro, ou vou ao futebol.»
A proposição 1 terá valor lógico verdadeiro se o sujeito for apenas ao teatro, apenas ao futebol ou a ambos no mesmo dia, como se poderá, de resto, determinar perguntando ao sujeito: «Foste ao teatro? Foste ao futebol?» Quer o sujeito responda «Sim, fui ao teatro», «Sim, fui ao futebol», ou «Sim, fui ao teatro e ao futebol», resultará um estado de verdade.
A proposição 2, por outro lado, terá valor lógico verdadeiro se o sujeito for apenas ao teatro ou apenas ao futebol, nunca aos dois destinos.
Mesmo aceitando que nas ocorrências línguísticas a lógica não será de natureza completamente matemática, parece-me redundante, e como tal desnecessário (e para mais parece deselegante, descontínuo, complicado e ...
Resposta:
As atentas observações do consulente e as perguntas e as respostas em causa mostram que a conjunção ou é ambígua: tem dois valores, inclusivo e exclusivo. A sequência e/ou acaba por revelar-se inequívoca, porque evita a ambiguidade de ou, por exemplo, num contexto como o seguinte:
(i) As portas foram pintadas a verde ou a vermelho.
Em (i), são possíveis duas interpretações (cf. John Lyons, Semantics, Cambridge, Cambridge University Press, 1977, pág. 144):
a) inclusiva, quando a frase (i) é sempre verdadeira, tenham as portas sido pintadas só a verde, só a vermelho ou a verde e vermelho simultaneamente;
b) exclusiva, se for verdade que as portas foram pintadas a verde mas não a vermelho ou vice-versa.
Dada a ambiguidade de ou nos planos lógico e semântico, percebe-se que a expressão e/ou se torna mais clara, já que representa apenas o valor inclusivo de ou. Cabe, porém, referir que este ou outros pareceres serão sempre controversos, porque o próprio modelo de e/ou, que é and/or, tanto tem defensores como tem detractores no próprio mundo de língua inglesa. Sem querer e/ou poder ir mais longe, deixo a tradução de algumas linhas de uma página da Internet a propósito dessa controvérsia:
«No seu excelente livro The Language of Judges [= A Língua dos Juízes] (Chicago 1993), Larry Solan (que é linguista e professor de Direito) dedica catorze páginas à "regra do and/or" como é usada no contexto jurídico, assinalando que os comentadores de estatutos que se têm deparado com usos...