Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

"Zanão", "Zanon", "Zenão", "Zenon"? Qual seria a melhor grafia para este prenome de origem grega?

Gratíssimo.

Resposta:

Zenão é a forma consagrada em português europeu, sem variantes admitidas — pelo menos, é o que se conclui da consulta do Vocabulário de Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves. Não pude saber se no Brasil aceitam outras formas além da referida. Trata-se de um antropónimo de origem grega, que passou ao português por intermédio do latim Zenōne-, cuja forma de nominativo é Zēno ou Zēnōn (José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa).

Pergunta:

"Eudóxia", ou "Eudócia"? Qual a forma melhor?

Obrigadíssimo.

Resposta:

Para o português europeu, só Eudóxia (e Eudóxio, como nome masculino) tem sido a forma consagrada (cf. Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves). Nada posso dizer sobre a norma brasileira, uma vez que a única fonte consultada, a versão em linha do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras, não inclui nomes próprios.

Eudóxia tem origem no grego Eudoxía, «boa reputação, celebridade, glória, bom senso», pelo latim Eudoxĭa (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa).

Pergunta:

Encontro-me fazendo uma apostila sobre alguns calendários, entre os quais o calendário da Revolução Francesa,1 o qual tem um nome comum, naturalmente francês, de alguma ferramenta, utensílio, planta, animal, etc. para cada dia do ano. Estou fazendo tabelas de cada um desses meses com os nomes dos dias em francês e, ao seu lado, a tradução para o nosso idioma.

Pois bem, o dia 20 de Vendemiário era o dia de "pressoir". Pelo o que pesquisei, trata-se de uma prensa dentro de um barrilzão para esmagar uvas. Fiquei na dúvida se deveria traduzir a palavra francesa por "prensa", "prensa de lagar" ou se a tradução seria algum termo específico português que corresponde exatamente à palavra francesa em apreço, o qual, todavia, ignoro.

Podeis vós ajudar-me, por favor?

Muito obrigado sempre.

1 N. E.: Segundo o Dicionário Houaiss, entende-se por calendário republicano francês «o que foi instituído na França, em 1793, pela Revolução Francesa, e no qual o ano era dividido em 12 meses de 30 dias cada um, sendo que os cinco dias complementares eram dedicados às festas republicanas; foi substituído pelo gregoriano em 1806».
 

Resposta:

Prensa ou «prensa de lagar» são termos correctos em Portugal.

Pergunta:

Ao consultar artigos das Ciberdúvidas relativos a «e/ou» [O emprego do e/ou e Conjunções coordenativas e/ou], creio ser pertinente referir o seguinte, em apoio, aliás, da posição do consulente Ricardo Lopes e manifestando que discordo do consulente Ricardo Castro quando refere que «e/ou» tem alguma justificação com as "portas lógicas" usadas nos fluxogramas para programação de computador (esse argumento também serviria para justificar o que manifesto abaixo):

É de notar que a função ou, em termos lógicos, pode existir com dois significados: um inclusivo e outro exclusivo. Exemplos:

1. Inclusivo: «Hoje vou ao teatro ou ao futebol.»

2. Exclusivo: «Hoje, às 21h00, vou ao teatro ou ao futebol.»

Como anotação, note-se ainda a forma exclusiva com duplo ou, com o mesmo funcionamento do exemplo 2 acima patente: «Hoje, ou vou ao teatro, ou vou ao futebol.»

A proposição 1 terá valor lógico verdadeiro se o sujeito for apenas ao teatro, apenas ao futebol ou a ambos no mesmo dia, como se poderá, de resto, determinar perguntando ao sujeito: «Foste ao teatro? Foste ao futebol?» Quer o sujeito responda «Sim, fui ao teatro», «Sim, fui ao futebol», ou «Sim, fui ao teatro e ao futebol», resultará um estado de verdade.

A proposição 2, por outro lado, terá valor lógico verdadeiro se o sujeito for apenas ao teatro ou apenas ao futebol, nunca aos dois destinos.

Mesmo aceitando que nas ocorrências línguísticas a lógica não será de natureza completamente matemática, parece-me redundante, e como tal desnecessário (e para mais parece deselegante, descontínuo, complicado e ...

Resposta:

As atentas observações do consulente e as perguntas e as respostas em causa mostram que a conjunção ou é ambígua: tem dois valores, inclusivo e exclusivo. A sequência e/ou acaba por revelar-se inequívoca, porque evita a ambiguidade de ou, por exemplo, num contexto como o seguinte:

(i) As portas foram pintadas a verde ou a vermelho.

Em (i), são possíveis duas interpretações (cf. John Lyons, Semantics, Cambridge, Cambridge University Press, 1977, pág. 144):

a) inclusiva, quando a frase (i) é sempre verdadeira, tenham as portas sido pintadas só a verde, só a vermelho ou a verde e vermelho simultaneamente;

b) exclusiva, se for verdade que as portas foram pintadas a verde mas não a vermelho ou vice-versa.

Dada a ambiguidade de ou nos planos lógico e semântico, percebe-se que a expressão e/ou se torna mais clara, já que representa apenas o valor inclusivo de ou. Cabe, porém, referir que este ou outros pareceres serão sempre controversos, porque o próprio modelo de e/ou, que é and/or, tanto tem defensores como tem detractores no próprio mundo de língua inglesa. Sem querer e/ou poder ir mais longe, deixo a tradução de algumas linhas de uma página da Internet a propósito dessa controvérsia:

«No seu excelente livro The Language of Judges [= A Língua dos Juízes] (Chicago 1993), Larry Solan (que é linguista e professor de Direito) dedica catorze páginas à "regra do and/or" como é usada no contexto jurídico, assinalando que os comentadores de estatutos que se têm deparado com usos...

Pergunta:

Tento auxiliar um filho que está no 6.º ano e que está a estudar uma obra intitulada Ulisses. Contudo, as minhas memórias sobre recursos expressivos (ou estilísticos?) são vagas. Como classificar:

«O mar que era caminho parecia querer transformar-se em porta que se fechava à sua frente»?

Pretendo também construir-lhe exercícios para fazer em casa, mas gostaria de esclarecer se estes exemplos estão correctos ou não. Em alguns casos, hesito como classificar (ou se poderá mesmo ser classificado). Assim, «E o canto chorava, suavíssimo, violentíssimo» pode servir de exemplo para a metáfora, ou para a antítese?

«Dizem que não ficou pedra sobre pedra» (acerca da destruição de Tróia) — será uma metáfora, ou uma hipérbole (ainda não a estudou)?

«Ulisses uivava para os companheiros: – Parem!» será uma metáfora?

«HOMENS... HOMENS... HOMENS...» pode ser um exemplo de repetição, ou de suspensão da frase?

«Tudo aqui é ciclópico: os animais, as plantas, as pedras...» pode ser um exemplo de enumeração, ou de suspensão da frase?

«Beberam, comeram, ofereceram sacrifícios... Beberam, comeram, dançaram...» pode ser um exemplo de enumeração, ou de repetição expressiva?

Muito obrigada pelo vosso auxílio.

Resposta:

Já se disse várias vezes no Ciberdúvidas que a análise estilística de um texto é também uma questão de interpretação, podendo na mesma expressão ou frase ocorrer duas ou mais figuras de estilo. Farei breves comentários a cada exemplo, que se reportam ao episódio das Sereias:

1. «O mar que era caminho parecia querer transformar-se em porta que se fechava à sua frente»

A sequência «parecia transformar-se em porta...» é uma comparação, visto a identificação entre «mar» e «porta» ser feita explicitamente mediante palavras e expressões comparativas («semelhante a...», «como...», «parece...», etc.). Pode ainda considerar que «o mar que era caminho» é uma metáfora, porque a identificação entre os dois substantivos se faz sem a mediação das referidas construções comparativas.

2. «E o canto chorava, suavíssimo, violentíssimo»

Em «o canto chorava», está implícita a identificação entre o som do canto e o som do choro, pelo que se pode considerar que se trata de uma metáfora. Além disso, também é possível afirmar que a expressão encerra uma personificação, por atribuir características humanas ao canto (não é o canto que chora, são as pessoas que o ouvem). Quanto à sequência «suavíssimo, violentíssimo», mais do que uma antítese (simples contraste entre duas realidades), podemos falar de paradoxo, já que «violentíssimo» parece entrar em contradição com «suavíssimo», embora se compreenda que o canto tinha uma tal sedução que exacerbava o desejo.

3. «Dizem que não ficou pedra sobre pedra»

Pode-se interpretar como hipérbole a expressão «não ficar pedra sobre pedra», que é também corrente em textos não-literários. Dizendo que não se sobrepõe nenhuma pedra, sublinha-se o grau de destruição sugerido.