Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Preciso de ajuda para fazer a análise sintática completa da seguinte frase, de acordo com as gramáticas tradicionais:

(1) «A nacionalidade viveu da mescla de três raças: as três raças tristes, branca, negra e indígena.»

Obs.: O verbo viver é, nesse caso, transitivo indireto, ou intransitivo? Por quê?

Agradeço-lhes imensamente pela análise sintática completa e pelos esclarecimentos. Parabéns pelo excelente trabalho!

Resposta:

 

1. Análise sintáctica

«A nacionalidade»: sujeito;

«viveu da mescla de três raças: as três raças tristes, branca, negra e indígena»: predicado;

«as três raças tristes»: aposto de «três raças»;

«branca, negra e indígena»: aposto enumerativo de «três raças tristes».

Obs.: A análise dos constituintes «três raças tristes» e «branca, negra e indígena» baseia-se em E. Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2002, pág. 457.

2. Subcategoria sintáctica do verbo viver

Na tradição gramatical brasileira (e agora também em Portugal), um verbo transitivo indirecto é o que se liga ao seu complemento por intermédio de uma preposição (ver Dicionário Houaiss; E. Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa, pág. 419, chama-lhe complemento relativo). No exemplo em causa, o verbo tem um complemento regido pela preposição de e é interpretado como sinónimo de manter-se (de), subsistir (com).

Pergunta:

No contexto de estudos clínicos e de análises estatísticas, em particular no âmbito da oncologia, encontramos as expressões sobrevida e sobrevivência (do inglês survival). Qual das palavras é a mais correcta?

Resposta:

Os termos sobrevida e sobrevivência realmente não significam a mesma coisa em linguagem médica. Mas Manuel Freitas e Costa, Dicionário de Termos Médicos (Porto, Porto Editora, 2005), define-os assim:

sobrevida: «acto de sobreviver»

sobrevivência: «viver para além do esperado»

Pude, no entanto, saber que em português europeu, na área da oncologia, o uso de sobrevida corresponde a «vida com continuação da doença», enquanto sobrevivência significa a «situação de sobreviver livre de doença».1

1 Agradeço a informação ao dr. António Guimarães, médico no Instituto Português de Oncologia em Lisboa.

Pergunta:

Gostaria de saber se os advérbios erroneamente e erradamente são sinônimos ou se há casos em que um é mais adequado que o outro.

Ex.:

1) «O árbitro apitou o pênalti erroneamente/erradamente.»

2) «Às vezes, erroneamente/erradamente, acentuamos as paroxítonas terminadas em "ens".»

Resposta:

Considero que erradamente e erroneamente são possíveis nos contextos em apreço, embora com significados ligeiramente diferentes. Embora os adjectivos errado e erróneo, bases de derivação dos advérbios em causa, sejam sinónimos, visto ambos significarem «que contém erro»,  errado tem mais significados que errôneo e pode permutar com impróprio, inadequado (ver exemplo 1) e enganado (ver exemplos 2 e 3; o sinal ? indica aceitabilidade controversa):

(1) «apanhar o comboio errado»/?«apanhar o comboio erróneo»
(2) «o árbitro estava errado»/?«o árbitro estava errôneo»
(3) «estamos errados quando acentuamos certas paroxítonas»/?«estamos errôneos quando acentuamos certas paroxítonas»

Nos exemplos 1 a 3, erróneo tem dificuldades em associar-se a substantivos concretos. Assim, para ser usado adequadamente, erróneo deve ocorrer como adjectivo modificador ou como predicativo de substantivos que refiram abstracções de carácter intelectual ou moral (por exemplo, informação, ideia, dados, acção, gesto). Mas é de sublinhar que errado pode substituir erróneo, como exemplificado em 4 a 6:

(4) «Apanhei o comboio errado, porque me deram informação errónea/errada.»
(5) «Apitar o pênalti foi um gesto erróneo/errado do árbitro.»
(6) «É errónea/errada a acentuação de todas as oxítonas.»

As orações reduzidas de infinitivo são igualmente compatíveis quer com erróneo quer com errado:

(...

Pergunta:

Qual o plural de Sebastião e, se puder ser, qual a sua origem?

Obrigado pela atenção.

Resposta:

Vou começar por abordar a origem de Sebastião, porque assim poderei tratar da questão do plural do nome com mais clareza.

Segundo José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa), Sebastião aparece em português mediante o latim Sebastiānu-, latinização do grego Sebastianós, derivado de sebastós, «augusto, digno de veneração». Este nome teve as variantes Sauaschãão e Sebachão na Idade Média. Também foi e é usado como apelido, e dele também derivou um patronímico medieval: Sauaschãaez, Sauhaschaes e Sauaschaiz.

Se o étimo latino de Sebastião é Sebastianu-, então, a haver plural, obteríamos a seguinte correspondência: lat. Sebastianos > port. Sebastiãos. Mas se João permite o plural Joões, apesar da etimologia, que faria supor Joães (João < Johanne, Joães < Johannes), eu diria que que Sebastiões é não só forma possível, mas até preferencial. Por outras palavras, parece que os nomes próprios acabados em -ão têm tendência a formar um plural não etimológico em -ões.

Pergunta:

A palavra instituição acentua-se em que sílaba?

Resposta:

A palavra instituição tem acento tónico na última sílaba. Na escrita, um substantivo ou um adjectivo terminados em -ão terão sempre acento tónico na última sílaba (são palavras agudas) se não houver outro acento (agudo ou circunflexo) na palavra: redacção; constituição; capitão; bretão. Se houver acento agudo ou circunflexo numa palavra terminada em -ão, é porque a sílaba que tem por núcleo esse ditongo nasal é átona: órgão e zângão.