Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual a origem da expressão «roubo de igreja», quando, num jogo de futebol, uma das equipas é claramente favorecida?

Resposta:

Não foi possível encontrar a origem factual da expressão em apreço. De qualquer modo, trata-se simultaneamente de uma metáfora e uma hipérbole, na medida em que se encaram decisões discutíveis ou injustas da arbitragem de um jogo de futebol (por exemplo, golo anulado ou o contrário – golo validado – grande penalidade não ou mal assinalada) como um sacrilégio, isto é, como um acto de desrespeito por objectos e lugares de valor religioso.

É uma expressão do chamado futebolês, em Portugal, não propriamente da gíria dos profissionais, mas característica dos treinadores e dos dirigentes menos tolerantes com a arbitragem.

Pergunta:

Gostaria de saber o significado do seguinte provérbio: «O que se poupa no farelo gasta-se na farinha.»

Resposta:

O provérbio «O que se poupa no farelo gasta-se na farinha» está registado em O Livro dos Provérbios Portugueses, de José Ricardo Marques da Costa (Lisboa, Editorial Presença, 2004), sem explicitação do seu significado. A sua interpretação parece, no entanto, clara: «às vezes, as opções mais económicas acabam por não ser compensadoras e levam depois a soluções dispendiosas» ou «não vale a pena ser avarento, porque há despesas que são necessárias».

Pergunta:

Há muito que eu gostaria de saber o significado do provérbio «Estão matando cachorro a grito».

Resposta:

Segundo o Dicionário Houaiss, a expressão idiomática «matar cachorro a grito» é um regionalismo brasileiro usado informalmente, com o significado de «encontrar-se em condição, estado ou situação aflitiva ou desesperadora».

Pergunta:

O plural de ancião é: anciãos, anciães e anciões. Qual é a forma mais usada em Portugal? Eu pessoalmente costumo usar anciãos, um amigo diz que esta forma é abrasileirada, por isso ele prefere usar anciões. Se me pudessem esclarecer este assunto, agradecia.

Muito obrigada pela atenção.

Resposta:

A respeito de ancião, não se pode dizer que cada uma das formas de plural disponíveis (anciãos, anciões e anciães) tenha uma distribuição geográfica típica. Ou seja, não é certo que anciões se use mais em Portugal, e anciãos, mais no Brasil, até porque porque os dicionários portugueses e os brasileiros são omissos quanto a essa questão.

De resto, dados recolhidos em corpora em linha indicam justamente o contrário1:  usa-se anciãos mais em textos portugueses, e anciões, mais em textos brasileiros.

1 Uma consulta a dois corpora da Linguateca, a saber, o CetemPúblico (189,6 milhões de palavras provenientes do jornal português Público) e o Projecto AC/DC: corpo NILC/São Carlos (32,5 milhões de palavras provenientes de textos jornalísticos brasileiros) faculta os seguintes resultados:

CetemPúblico: anciãos: 106 ocorrências; anciões: 17 ocorrências; anciães: 1 ocorrência

Projecto AC/DC: corpo NILC/São Carlos: anciãos: 13 ocorrências; anciões: 36 ocorrências; anciães: 0 ocorrências.

Pergunta:

António Serôdio, presidente da Associação Portuguesa dos Gestores do Desporto (Apogesd), em entrevista ao jornal [português] A Bola, de 21 de Abril, afirma o seguinte: «Há ligas mais expostas... Mas o sobreendividamento e a excessiva dependência à banca e a outras instituições financeiras...»

1. «Dependência à banca e a outras instituições financeiras...» ou «Dependência da banca e de outras instituições financeiras...»?

2. Entendendo-se o que o entrevistado queria dizer, não deveria o entrevistador (jornalista de um jornal de referência, com milhares de leitores) ter modificado a redacção do texto?

Obrigado.

Resposta:

Não se recomenda «dependência a». O Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos, de Francisco Fernandes, indica que a regência do substantivo dependência se constrói com as seguintes preposições (os exemplos são da referida fonte):

a) com: «Limitava-se, pois, o meu papel ao do advgado na sua banca sem... a mais indireta dependência com a minha situação política de senador.»

b) de: «No português, igualmente, o atributo não está sob a dependência de preposições»

c) entre: «A relação de dependência, porém, entre os dois nomes não está expressa.»

d) para: «Se a dependência do cognoscível para o incognoscível não nos embaraça em um caso, não se pode atinar motivo para que nos enleie no outro.»

e) para com: «As verdades científicas imediatas, vizinhas contíguas dessoutras, não se ressentirão da sua íntima dependência para com elas?»

2. Sim, deveria tê-lo feito.