Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Ouvido no História (15/4/2009) versão portuguesa (?) Santa Claus, Pim Pam Pum (Audiovisuais):

1. «Houve 30 fatalidades [ing. fatalities] num desastre ocorrido, anos atrás, no estádio do Liverpool.»

E ainda:

«... o salão serviu de sala de morte temporária» (formidável! afinal, ela não é definitiva…)

Quem ensina [a estas pessoas], de uma vez para sempre, que difere de: «sala temporária de morte» (de acolhimento dos cadáveres)?

2. /lazulí/ acentuada na última sílaba em vez do correcto lazúli, grave.

3. «armada… de navios»!

Eu explico aos neófitos: não há qualquer redundância, a especificação é indispensável, pois por aqui é vulgar encontrarmos army traduzido por armada.

4. "Plantaformas".

5. «"A luxuriosa" cabine do Capitão»: o [...] tradutor queria dizer apenas luxuosa. É o falar difícil: luxuriosa, que tem acepção muito diferente, é sempre escolhida, pois fica muito mais pirotécnica, para embasbacamento dos ignorantes.

6. /mediúcres/ por medíocres.

7. "Reino Médio", em vez do normal Império do Meio (China).

8. /Ormuze/ por Ormuz.

Agora, peço a Ciberdúvidas, um favor: insisti, junto dos teimosos exterminadores do verbo pôr, até a voz ficar rouca, que a mais das vezes não é substituível por colocar. Essa...

Resposta:

Agradecemos, como sempre, a atenção com que acompanha os deslizes de tradução dos canais temáticas da televisão por cabo em Portugal. Pouco temos a acrescentar ao que já disse, mas, ainda assim, vamos tentar dar uma ou outra achega. Assim:

1. Fatalidade e casa mortuária

Em «Houve 30 fatalidades num desastre ocorrido, anos atrás, no estádio do Liverpool», o uso de fatalidades é anglicismo que deve ser substituído por vítimas. Em «... o salão serviu de sala de morte temporária», em vez de «sala de morte», deveria ter-se usado «casa mortuária».

2. Lazúli

É palavra grave, ou seja, tem acento tónico na penúltima sílaba. Por convenção ortográfica, as palavras agudas terminadas em i e u não têm acento gráfico; daí que lazúli tenha acento gráfico para poder ser lido como palavra grave.

3. «armada… de navios»

Em português, é redundância, porque armada já significa «conjunto das forças navais». Como ironicamente explica o consulente, o tradutor parece estar habituado a traduzir erradamente army, «exército», como armada; depois, para assinalar que se trata de uma frota, cria o pleonasmo «armada de navios».

4. "Plantaformas"

Parece gralha, mas pode ser também resultado de etimologia popular, no sentido de motivar a palavra, fazendo derivá-la de planta.

5. Luxuriosa e ...

Pergunta:

«Língua não materna», ou «língua não-materna»?

«O não cumprimento da planificação», ou «o não-cumprimento da planificação»?

Resposta:

Já nos referimos várias vezes aos critérios para o uso de hífen com o advérbio não quando este antecede um adjectivo ou um substantivo. São muito simples:

a) a hifenização é de natureza estilística e, portanto, não é obrigatória;

b) tende-se a empregar o hífen mais com sequências de não + substantivo do que nas de não + adjectivo, o que se compreende porque muitos adjectivos são palavras que constroem a predicação como os verbos: assim como não usamos hífen entre não e um verbo, também não inserimos hífen entre o advérbio e o adjectivo.

Assim, pode escrever «não cumprimento da planificação» quando se refere a um caso pontual de inexistência de cumprimento, enquanto em «não-cumprimento da planificação» a forma «não-cumprimento» é mais compacta e acaba por se tornar a designação genérica de um tipo de situação. O mesmo se pode dizer de «língua não materna» e «língua não-materna»: a primeira expressão apenas refere uma realidade acerca da qual não se diz que seja materna, enquanto a segunda tem uma propriedade, a de ser não-materna, tal como poderia ser fácil, melodiosa ou oficial.

Pergunta:

O que é mais correcto: «o resultado das entrevista individuais», ou «os resultados das entrevistas individuais»?

Resposta:

A correcção de uma expressão em relação à outra não é um problema gramatical, antes depende da adequação das perspectivas em referência. Se falarmos de uma conclusão global, tirada da leitura e da análise de uma série de entrevistas individuais, ou de uma meta geral que se pretende atingir com tais entrevistas, diga-se «o resultado das entrevistas individuais». Se de cada entrevista se tira uma conclusão individual ou se faz uma avaliação também individual, então falar-se-á em «resultados das entrevistas».

Pergunta:

Qual é a melhor tradução possível para o galicismo faits-divers?

Obrigado.

Resposta:

O galicismo faits-divers não se traduz em português, quando designa um tipo de rubrica jornalística, como mostra o Dicionário Houaiss: «assuntos variados; variedades. Ex.: "coluna de f[aits-divers]" "programa de f[aits-divers]".» A expressão francesa significava e significa originalmente o mesmo: «fr[ancês] fait-divers "notícias de pouca importância num jornal"» (idem).

Pergunta:

Gostaria de saber vossa opinião abalizada a respeito dos cinco volumes do Dicionário da Língua Portuguesa, de Laudelino Freire.

Resposta:

Como não conheço o dicionário em questão, limito-me a citar o artigo disponível no sítio brasileiro Conhecendo Dicionários (CDIC), desenvolvido no Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da UNESP — São José do Rio Preto:

«O Grande e Novíssimo Dicionário da Língua Portuguesa é o primeiro grande dicionário brasileiro de Língua Portuguesa. Organizado por Laudelino Freire, membro da Academia Brasileira de Letras, foi publicado em 1939-44 pela editora A Noite, no Rio de Janeiro. Teve duas reedições pela Livraria José Olympio Editora (1954, 1957), sem modificações no texto original.

«O projeto desse dicionário foi apresentado à Academia Brasileira de Letras e aparece na revista dessa instituição em 1924. Lá prevê-se que ele seria baseado no dicionário de Morais (Dicionário da Língua Portuguesa) e incluiria palavras já arroladas nos dicionários portugueses em circulação, além de brasileirismos e regionalismos. Ao final, depois de alguns anos de discussão na Academia, o dicionário de Freire teve publicação independente, ao passo que a Academia adotou em 1943 o plano do dicionário de Antenor Nascentes (Dicionário da Língua Portuguesa), publicado somen...