Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Por gentileza, gostaria de saber a pronúncia correta do verbo medir quando na 1.ª pessoa do singular no presente do indicativo. Há uma dúvida se a palavra meço tem o e pronunciado como "é" ou "ê". Gostaria muitíssimo de saná-la.

Agradeço o auxílio e aproveito para parabenizá-los pela excelente ajuda de Ciberdúvidas!

Grato.

Resposta:

Com e aberto ("é"). Tanto no português europeu como no português brasileiro, este verbo da 3.ª conjugação tem vogal aberta na sílaba do radical verbal que receber o acento tónico (formas rizotónicas), exactamente como pedir (por exemplo, peço, pedes, pede, pedem no presente do indicativo). Por conseguinte, é com e aberto que dirá, no presente do indicativo, meço, medes, mede, medem1.

1 Diz Evanildo Bechara, na sua Moderna Gramática Portuguesa (Rio de Janeiro, Lucerna Editora, 2002, pág. 241):

«Os verbos medir, pedir, despedir, impedir e derivados têm e aberto nas formas rizotónicas, isto é, nas três pessoas do singular e 3.ª do plural do presente do indicativo e subjuntivo, e no imperativo afirmativo, exceto, neste, na 2.ª pessoa do plural:

medir — pres. ind.: meço, medes, mede, medimos, medis, medem

           pres. subj.: meça, meças, meça, etc.

          imper. afirm.: mede, meça, meçamos, medi, meçam.»

Pergunta:

Eu queria saber como ocorrem mudanças fônicas determinadas por pressões paradigmáticas.

Resposta:

A noção de pressão paradigmática pertence à teoria funcionalista do linguista francês André Martinet. A este respeito, no Dicionário de Linguística, de Jean Dubois et al. (São Paulo, Cultrix), lê-se o seguinte:

«Em fonologia geral, A. Martinet avalia o rendimento funcional (função linguística) das diferenças fônicas: partindo da distinção importante entre fatos fonéticos e fatos fonológicos, ele opõe as necessidades da comunicação (exigência de um número máximo de unidades que sejam as mais diferentes possív[el]) e a tendência ao menor esforço (exigência de um número de unidades [o] menos diferentes possív[el]). A tendência a harmonizar essas duas exigências leva à economia na língua ou à melhora do rendimento funcional. Cada unidade do enunciado é submetida a duas pressões contrárias: uma pressão (sintagmática) na cadeia falada, exercida pelas unidades vizinhas, e uma pressão (paradigmática) no sistema, exercida pelas unidades que poderiam figurar no mesmo lugar. A primeira pressão é assimiladora; a segunda, dissimiladora.»

Sendo assim, pode-se considerar que a emergência do sistema de sete vogais do latim vulgar falado nas antigas províncias romanas da Gália e da Hispânia configura uma mudança fónica devida a pressão paradigmática, embora sejam naturalmente de ter em conta pressões sintagmáticas sobre a ocorrência das unidades vocálicas em contexto, entre as quais a relação entre sílabas acentuadas e não acentuadas na palavra ou no sintagma. J. Mattoso Câmara Jr. descreve tal processo do seguinte modo (História e Estrutura da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro, Padrão, 1985, págs. 40/41):

«No latim clássico, a quantidade tinha função distintiva: na flexão nominal e verbal distinguiam-se, por exemplo, as desinências -

Pergunta:

Alguns atos regulamentares (e até mesmo leis) no Brasil contêm, entre a epígrafe e o primeiro artigo, os fundamentos que levaram à sua edição. Tais fundamentos são constituídos por parágrafos e cada um deles se inicia pelo gerúndio do verbo considerar. Alguns autores denominam essa fundamentação de “consideranda”, porém, não encontrei em dicionários este termo. Minhas dúvidas a respeito são:

a) a expressão está correta?

b) se estiver, ela se refere a cada um dos parágrafos, ou ao conjunto?

c) alguns autores a utilizam como substantivo masculino plural. Está correto? (exemplo: no documento , a Seção 1 da Emenda).

Parabéns e muito obrigado por esse trabalho que há tempos vem sendo realizado em prol de nossa língua e do qual sempre me valho.

Resposta:

A forma dicionarizada é considerando, cujo plural é considerandos, como se pode confirmar no Dicionário Houaiss (ver também Dicionário de Português Michaelis):

«1 cada uma das reflexões, observações, razões ou motivos que se enumeram em parágrafos, como introdução ou prólogo a um documento (leis, decretos, sentenças, conclusões, propostas etc.), cada um deles principiando com a palavra considerando ou atendendo Ex.: ainda estão nos c[considerandos].

2 (1881) razão, motivo; argumento (mais us[ado] no pl[ural]) Ex.: sua idade, seu peso e outros c. levaram-no a desistir de correr.»

Pergunta:

Com relação a morfemas e morfes. Em que circunstância uma forma presa é empregada como uma forma livre?

Resposta:

Segundo o Dicionário de Termos Linguísticos, forma livre é:

«Morfema que, por si só, pode constituir uma palavra. Exemplos: mar; com; um

Uma forma presa é:

«Morfema que, por si só, não pode constituir uma palavra, sendo portanto, necessariamente, um constituinte de palavra. Numa acepção mais restrita, forma presa pode identificar apenas os significantes que se associam a outras formas presas, constituindo uma palavra. Exemplos: -sist-, consistir, insistir, desistir, resistir; -clar- em claro, clara; -mento-, aparecimento,
reconhecimento

Julgo que, quando se diz que uma forma presa se pode usar como livre, se pretende referir um processo de inovação lexical conhecido por truncação1, assim definido por Margarita Correia e Lúcia San Payo de Lemos, em Inovação Lexical em Português (Lisboa, Edições Colibri, 2005, pág. 44):

«Trata-se do processo pelo qual a forma de uma palavra se reduz, tornando essa unidade mais facilmente memorizável e utilizável. Exs.:

metro por metropolitano;

otorrino por otorrinolaringologista

Contudo, não se pense que o resultado deste processo é sempre um morfema. Na verdade, uma truncação pode não corresponder a uma unidade morfológica, mas sim a duas ou mais sílabas da palavra abreviada: como exemplificam Correia e Lemos (idem, pág. 45), «heli (abreviação de helicóptero) não corresponde a um dos elementos constitutivos, que é...

Pergunta:

Em uma análise de semas inerentes e aferentes de uma lexia, o que devo entender por desvios eufóricos ou disfóricos?

Resposta:

Um artigo disponível na Internet pode ser bem a resposta a esta dúvida. Trata-se de Seleção e Uso de Lexemas na Perspectiva da Geolinguística, de Roseli Silveira [consultado em 25/05/09].

Recorrendo ao conceito de sema («cada unidade mínima de significação, que, combinada com outras, define o significado de morfemas e palavras; traço semântico, componente semântico», Dicionário Houaiss) e apoiada nos trabalhos de F. Rastier, a referida autora distingue «dois tipos de semas: (i) inerentes, que são os traços específicos, recorrentes, que resumem relações reflexivas no seio de classes semânticas, e (ii) aferentes, que resumem relações não reflexivas entre classes, e podem ser produzidos por uma inferência (que traduz uma expectativa socializada)». No processo que leva à manifestação do lexema em discurso, «pode ocorrer a atualização de semas subjacentes que venham agregar-se aos já existentes, ampliando, reduzindo ou provocando desvios eufóricos/disfóricos no inventário dos semas». Ou seja, numa palavra, há traços de significação que, contextualmente, podem contribuir para uma interpretação mais positiva (eufórica) ou mais negativa (disfórica) dessa palavra.