Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber vossa opinião abalizada a respeito dos cinco volumes do Dicionário da Língua Portuguesa, de Laudelino Freire.

Resposta:

Como não conheço o dicionário em questão, limito-me a citar o artigo disponível no sítio brasileiro Conhecendo Dicionários (CDIC), desenvolvido no Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da UNESP — São José do Rio Preto:

«O Grande e Novíssimo Dicionário da Língua Portuguesa é o primeiro grande dicionário brasileiro de Língua Portuguesa. Organizado por Laudelino Freire, membro da Academia Brasileira de Letras, foi publicado em 1939-44 pela editora A Noite, no Rio de Janeiro. Teve duas reedições pela Livraria José Olympio Editora (1954, 1957), sem modificações no texto original.

«O projeto desse dicionário foi apresentado à Academia Brasileira de Letras e aparece na revista dessa instituição em 1924. Lá prevê-se que ele seria baseado no dicionário de Morais (Dicionário da Língua Portuguesa) e incluiria palavras já arroladas nos dicionários portugueses em circulação, além de brasileirismos e regionalismos. Ao final, depois de alguns anos de discussão na Academia, o dicionário de Freire teve publicação independente, ao passo que a Academia adotou em 1943 o plano do dicionário de Antenor Nascentes (Dicionário da Língua Portuguesa), publicado somen...

Pergunta:

As sequências complexas tipo consoante + <r, l=""> <i, e,="" u,="" o=""> vogal, em português lusitano são pronunciadas geralmente C + /r, l/ + /j, w/ + V, ou também, numa fala mais lenta, C + /r, l/ + /i, u/ + V, com hiato entre as duas vogais finais. Por exemplo, apadroar é geralmente /apadrw`ar/, mas pode ser pronunciado também /apadru`ar/.

O que é que acontece em brasileiro, tendo em conta que o, interno à palavra, corresponde geralmente a /o/?

Outros casos:

abalroamento, abalroar, açafroal, açafroeira, acobreado, acreano, acrianço, adriático, alandroeiro, alcatroado, alcatroamento, altruísmo, ambliope, ambliopia, ampliar, apadroou, aproar, aproou, apropriar, apropriou, arbítrio, atroar, atroou, autodestruí, autodestruição, autodestruir, autodestruiu.

Resposta:

Não há diferença entre o português europeu (PE) e o português brasileiro (PB). Essas vogais, mesmo que sejam representadas por o ou e seguidos de vogal, podem articular-se ora como [u] e [i], formando hiato com a vogal subsequente, ora como semivogais, formando ditongo com essa vogal (por exemplo, [wa] ou [ja]).

Antenor Nascentes, num estudo datado de 19581, afirma que «no hiato oa o o se apresenta reduzido: voar (vuar), Joaquim (Juaquim)»; quanto a <ea> e <eo>, «o e se apresenta reduzido»: passear (passiar), Teodora (tiodora). Os exemplos de Nascentes mostram que, mesmo postulando /o/ e /e/ fonológicos, não há diferença entre o português europeu (PE) e o português do Brasil (PB), porque esses segmentos são realizados, respectivamente, como [u], uma vogal alta, recuada e arredondada, e como [i], uma vogal alta, não recuada e não arredondada, [i]. Estas vogais, bem como as que se escrevem com as letras u e i, tendem a ser pronunciadas como glides (ou semivogais; símbolos fonéticos: [w] e [j]) se forem seguidas de vogal, tanto em PE como em PB2, como mostram os seguintes exemplos:

(1) coar: [kuaɾ] ~ [kwaɾ]

(2) suar: [suaɾ] ~ [swaɾ]

(3) gear: [Ʒiaɾ] ~ [Ʒjaɾ]

(4) piar: [piaɾ] ~ [pjaɾ]

Sendo assim, todas as palavras que na lista em ...

Pergunta:

Conheço bem as diferentes realizações do prefixo ex- em Portugal, que dependem do som posterior (vogal, consoante surda ou sonora) e também da região (centro-setentrional/resto do país). Quanto ao Brasil, encontrei algumas informações contraditórias. Parece que êx-/ex- seguido de vogal é pronunciado normalmente [éz]/[ez] (êxito/exótico) (sem ditongo à diferença de Portugal). Quando seguido de consoante surda, pronuncia-se [és]/[es] (êxtase/expor), embora em posição átona se admita também a pronúncia [is] (expor). Pelos vistos no Brasil não se produz a ditongação na pronúncia deste prefixo. É assim em todos os casos? Qual seria no Brasil a realização padrão de ex- seguido de consoante sonora em palavras como ex-ministro? Seria [ez]/[iz]? Se for assim, não existe no Brasil, como em Portugal — estou a pensar sobretudo no Rio de Janeiro —, a realização com palatal surda (como o "ch" de chama) ou sonora (como o "j") para ex-/êx- quando seguido de consoante surda ou sonora, respectivamente?

Obrigadíssimo pela vossa resposta e os meus parabéns pela web.

Resposta:

A pronúncia de /e/ em começo absoluto de palavra tem oscilações quer em português europeu (PE) quer em português do Brasil (PB). Tais oscilações não parecem ser as mesmas nas duas variedades. Irei primeiro referir-me à pronúncia desta vogal tal como vem descrita em dicionários de PE, para depois abordar este caso no contexto do PB.

I. Em PE

Na perspectiva normativa, diz-se que a letra e é geralmente pronunciada [i] (cf. Teyssier 1989: 28); exemplos:

(1) elefante = [i]lefante

(2) enorme = [i]norme

(3) herdar = [i]rdar

(4) ermida = [i]rmida

Não obstante, do ponto de vista descritivo, assinala-se certa variação da vogal «por se encontrar em início absoluto de palavra» (cf. Mateus et al. 2008: 1014); daí formas como [e]rmida.

Mas há casos particulares; são eles:

1.1. O e inicial seguido de l pronuncia-se aberto (símbolo fonético [ɛ]; cf. Mateus e Andrade, 200: 58): Elvira = [ɛ]lvira, Eldorado/...

Pergunta:

Em que grau estão os adjectivos da seguinte frase?

« – Que água é aquela, tão negra no centro e tão castanha nas margens?»

Resposta:

Os adjectivos da frase em causa estão no grau superlativo absoluto analítico, mas, ao contrário do que é habitual, essa intensificação está marcada pelo advérbio tão em lugar do advérbio muito, intensificador da construção de superlativo absoluto analítico.

O advérbio tão pode ser associado a adjectivos para formar o comparativo de igualdade (cf. «tão verde como»), para formar o superlativo absoluto analítico, normalmente inserido em expressões enfáticas (cf. «esta água é tão verde!» = «esta água é muito verde») e como correlativo na subordinante consecutiva (cf. «a água era tão cristalina, que nadei novamente»).

O advérbio tão, presente na frase que indica, modifica e intensifica os adjectivos de cor verde e castanho, indicando aumento de qualidade ou grau superior. Note-se que, por vezes, na construção do grau dos adjectivos, podem ocorrer intensificadores como tão e bem a substituir o advérbio muito. Segundo Evanildo Bechara, Gramática Escolar da Língua Portuguesa, «o superlativo indica que a qualidade do ser ultrapassa a noção comum que temos dessa mesma qualidade (...) e é absoluto ou intensivo». Ainda, de acordo com Celso Cunha e Luís F. Lindley Cunha, Nova Gramática do Português Contemporâneo, «o superlativo absoluto analítico constrói-se com a ajuda de outra palavra, geralmente, um advérbio indicador de excesso — muito, imensamente, extraordinariamente, excessivamente, grandemente, entre outros». Já que corresponde às características que acabam de ser apontadas, o advérbio tão pode, portanto, ocorrer na construção do grau superlativo.

Pergunta:

Como se deve ler (pronúncia) de forma correcta a palavra expletivo?

Resposta:

Em português europeu, há duas possibilidades (cf. Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, e Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa):

a) pronunciar a sequência ex- como "eis" (transcrição fonética [ɐjʃ]): [ɐjʃ]pletivo;
b) ou pronunciá-la como o es- de escola, isto é, como "is-" ou, como é mais frequente, simplesmente como um "s" chiado: [iʃ]pletivo ou [ʃ]pletivo.

Acrescente-se que o e da sílaba -ple- está descrito como e aberto no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa. Sendo assim, há duas pronúncias possíveis para a palavra em apreço: [ɐjʃplɛtivu], [(i)ʃplɛtivu]. Paul Teyssier (Manual de Língua Portuguesa, Coimbra, Coimbra Editora, 1989, págs. 28/29) considera que a pronúncia com [ɐjʃ] é mais enfática, enquanto a que envolve [(i)ʃ] é normal.