Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como se pronuncia microscópio? Eu sempre pronunciei "micròscópio", mas tenho ouvido "microscópio", sem acentuação no primeiro o.

Isso levanta-me a questão de outras palavras começadas por micro-: microfone, microssegundo, etc. Há alguma regra para as palavras começadas por micro-? E por macro-?

Desde já, muito obrigado.

Resposta:

Em português europeu, a palavra anda dicionarizada com as duas pronúncias. O dicionário da Academia das Ciências de Lisboa apresenta-a com o aberto, "micróscópio", enquanto o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, indica um [u], "micruscópio", seguindo a regra do vocalismo átono do português europeu, a qual prevê o fechamento de vogais em posição átona. Esta variação está de acordo com uma tendência que é descrita por Alina Villalva na Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pág. 975) em relação aos radicais que participam de compostos morfológicos: «[...] a vogal de ligação -o- é preservada dos efeitos do vocalismo átono [...], deixando de o ser quando os compostos são lexicalizados»; é por isso que se diz antrop[ɔ]mórfico, com o aberto, mas também se diz aut[u]móvel, com u.

De qualquer modo, em relação a microfone e microssegundo, o o de micro- é aberto. E quanto a macro-, o o final também é aberto (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa). Note-se que esta vogal aberta é átona. Este caso não é surpreendente e soma-se a muitos outros que contrariam a mencionada regra do vocalismo do português europeu; por exemplo: red[a]cção, acentuada na última sílaba; p[a]deiro, com acento na penúltima.

Pergunta:

O verbo falar rege várias preposições: sobre («falou sobre...»), de («falou de...»), a («falou a...»), com («falei com...»), em («falou em...»), para («falou para...»), e por («Ele falou por ti.»). A minha pergunta é: como se classificam os complementos do verbo falar introduzidos pelas diferentes preposições? Serão todos complementos preposicionais?

Obrigada.

Resposta:

No contexto do ensino em Portugal, são complementos oblíquos, segundo a terminologia mais recente proposta para os ensinos básico e secundário (ver Dicionário Terminológico). Se disser que são complementos preposicionais, também não erra, até porque era esse o termo usado há alguns anos na TLEBS. Se quiser usar uma terminologia mais tradicional, então diga que o verbo falar tem diferentes regências.

Pergunta:

A palavra carantonha é uma palavra simples, ou modificada por sufixação? Na 2.ª hipótese, qual é o sufixo?

Resposta:

Carantonha pode ser considerada uma palavra complexa, que modifica cara por sufixação1. Entre outras acepções2, é o mesmo que «cara grande», ou seja, um aumentativo de cara. Sucede, porém, que só uma análise morfológica diacrónica consegue dar conta da sua constituição, como indica o Dicionário Houaiss:

«orig[em] contr[o]v[ersa]; J[osé Pedro] M[achado] considera de orig. obsc.; A[ntônio] G[eraldo da] C[unha] liga a cara, mas de formação estranha, talvez relacionado a carântula; Corominas considera o esp[anhol] carantoña da mesma orig[em] que carántula, do lat[im] charactēr, que tardiamente tomou o sentido de 'símbolo mágico'; pode-se postular t[am]b[ém] um suf[ixo] -antonha, de aum[entativo] algo pejorativo [...].»

Por conseguinte, direi, na perspectiva do português contemporâneo, que -antonha é um sufixo, mas com a característica de ter baixa ou nula produtividade, já que ocorre num único item lexical, carantonha.

1 O termo modificação morfológica é aplicado por Alina Villalva na Gramática da Língua Portuguesa (Porto, Editorial Caminho, 2003, págs. 956-965), como um tipo de afixação. Assinale-se, contudo, que no

Pergunta:

Vejamos os seguintes exemplos:

Exemplo 1:

«As principais contas integrantes desta classe são:

a. Vendas:

São de considerar nesta conta as vendas representadas pela facturação emitida pela empresa sobre terceiros.»

Exemplo 2:

«Assim, as principais rubricas integrantes desta conta são:

a. Terrenos e recursos naturais – como terrenos em bruto, terrenos com arranjos, terrenos com edifícios e subsolo como:

– terrenos para construção;

– propriedades rústicas e pedreiras;»

A minha dúvida surge na colocação dos dois-pontos em frases seguidas. É possível?

Resposta:

É possível em situações como a que serve de exemplo, com mudança de linha. Mas também pode ocorrer no mesmo parágrafo, embora não seja de recomendar; p. ex.:

«As principais contas integrantes desta classe são: a. Vendas: São de considerar nesta conta as vendas representadas pela facturação emitida pela empresa sobre terceiros.»

Pergunta:

Qual destes termos é mais correcto: "Estrada-património", "estrada-património" ou "Estrada-Património", para designar estradas com determinadas características?

Resposta:

Sem contexto, direi que, em princípio, a forma mais adequada é estrada-património, com minúsculas iniciais, uma vez que não se trata de uma entidade de alcance superior. Poderá, porém, escrever-se "Estrada-Património", com maiúsculas iniciais, se o que está em causa é algum estatuto conferido oficialmente, tal como acontece com as categorias relativas aos espaços classificados como Património Mundial da UNESCO (p. ex., «Paisagem Cultural», «Itinerários Culturais», ver Comissão Nacional da UNESCO – Portugal).