Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

É só para saber qual a forma verbal correspondente ao nome bondade. O adjectivo é bondoso, mas não consigo encontrar a forma verbal. Será que existe?

Resposta:

Não existe, de facto. Há verbos que parecem corresponder a bondade e bondoso, mas trata-se ou de uma relação etimológica indirecta (abondar, «bastar») ou mera semelhança fónica [bonderizar, «revestir (produtos ferrosos, aço) com uma camada de solução fosfatada antiferrugem, geralmente associada a uma tinta, esmalte ou afim», Dicionário Houaiss].

Pergunta:

Pretendia saber da legitimidade do uso de "êntase" no seguinte texto: «A intenção fundamental das principais correntes místicas orientais não é sair de si mesmo para se unir a um Outro por amor — êxtase —, mas antes descer às profundidades do seu ser para aí descobrir que a sua verdadeira identidade une-se à do Último — êntase.» Se me puderem dar esse esclarecimento, fico-lhes grato.

Adianto que, entretanto, vasculhei a Internet e encontrei este termo aplicado a determinado tipo de meditação mística (interiorização profunda!). Digam-me o que lhes parece sobre isto. Poderá ser considerado um neologismo ou um termo do glossário religioso!?

Resposta:

Existe o termo êntase (cf. Dicionário Houaiss e Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora) como termo da arquitectura, com o significado de «engrossamento da parte central do fuste de uma coluna grega, para que esta pareça reta, visando à correção da ilusão óptica de concavidade produzida por fuste perfeitamente cilíndrico» (Dicionário Houaiss). Esta palavra tem origem no grego éntasis, «grossura ou alargamento no meio de uma coluna»,  e surgiu em português por intermédio da forma latina entăsis, is.1

Contudo, o contexto e o significado apresentados levam-me a crer que estamos na presença de um homónimo, hipótese que é confirmada por Plinio Prioreschi, na obra A History of Human Responses to Death: mythologies, rituals and ethics (Edwin Mellen Press, pág. 162):

«In his classical study of Yoga, Mircea Eliade uses the suggestive term entasis to describe the state of samadhi. Entasis is to be contrasted with extasis, meaning literally to stand outside oneself. To be in a state of ecstasy is to be transported into another mode of existence; to be in entasis, or samadhi, is to abandon all transport and all alternative modes of existence, and merely stand with perfect stillness inside oneself.»

Tradução minha: «No seu estudo clássico sobre o ioga, Mircea Eliade usa o termo sugestivo entasis para descrever o estado de samadhi. Deve contrastar-se a entasis com o êxtase, o qual significa literalmente "ficar fora de si". Estar em êxtase é ser transportado para outro modo de existência; estar em entasis, ou samadhi, é abandonar todo ...

Pergunta:

Pergunto: segundo a norma de pronúncia-padrão, pronunciam-se as consoantes c-p-c (que estão seguidas de outra consoante) nas palavras em epígrafe? Em caso afirmativo, segundo o Novo Acordo, vão manter-se, não é verdade? E se houver pessoas que sempre pronunciaram "dição", "perentório", é erro escreverem como as pronunciam, ou podem considerar-se correctas as duas grafias?

Resposta:

Em português europeu, tudo depende do que se considera o padrão de pronúncia de cada uma das palavras apontadas. Isto significa que certas pronúncias ficarão excluídas da nova ortografia, mesmo que em Portugal elas possam ser significativas ao nível de certos grupos sociais ou de certos falares regionais que não constituem a base da norma europeia.

Consultando o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa (DLPC), e o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora (GDLP), verifica-se que há certa convergência na transcrição da pronúncia-padrão das palavras em referência1

olfacto: [ɔɫ`faktu] (DLPC), [ɔɫ`fatu] (GDLP

peremptório: [pɨɾẽ`tɔɾju] (DLPC), [pəɾẽ`tɔɾju] (GDLP

dicção: [di`ksãw] (DLPC), [di`ksãw] (GDLP

carácter: [kɐ`ɾaktɛɾ] (DLPC), [kɐ`ɾa(k)tɛɾ] (GDLP

caracteres: [kɐɾɐ`tɛɾɨʃ] (DLPC)

Note-se, contudo, que os dicionários em referência divergem quanto à pronúncia de olfacto. Além disso, mostram-se hesitantes relativamente a carácter: no

Pergunta:

Talvez sejam muito populares e coloquiais as interjeições foda-se!, porra! e caralho!. Mas, por serem vulgares, se calhar as pessoas preferem evitá-las. O uso de carago! não seria uma tentativa de expressar impaciência sem ser vulgar? Então, vejamos, para exprimir impaciência, eu poderia usar caramba!, hum! e ora! tranquilamente, sem medo de estar falando mal? Em relação a fónix!, uxte!, pardês!, caraças! e arre! não sei o que pensar. Não consigo orientar-me. E, mesmo que pudesse consultar a definição destas palavras em muitos dicionários, ficaria cheia de dúvidas relativamente ao uso das mesmas. São muito ou pouco usadas? Ouvem-se na rua, nas telenovelas, dentro de casa? Ouviam-se mais antes que actualmente? Às quais devo dar preferência? Um nativo usa todas estas palavras no seu dia-a-dia? Se calhar há outras mais apropriadas para traduzir tal sentimento.

Muitíssimo obrigada por vossa preciosa ajuda!

Resposta:

Limito-me às interjeições referidas na pergunta, sem ter a veleidade de ser rigoroso, porque não conheço estudos que permitam perceber melhor qual a distribuição de cada uma delas em diferentes registos linguísticos. Direi apenas que há várias distinções a fazer, primeiro, entre interjeições em uso e interjeições em desuso ou arcaicas (uxte! pardês!).1 Depois, no conjunto das interjeições em uso, encontram-se interjeições francamente grosseiras (caralho! foda-se! ); as que o são menos mas ainda assim pouco recomendáveis num discurso mais polido (caraças! fónix! porra!); as toleradas num contexto familiar ou de amigos sem soarem vulgares ou ordinárias (caramba!); as perfeitamente anódinas (hum! ora!); e finalmente as que têm um certo sabor regional ou rural (carago! arre!). É claro que estas apreciações são subjectivas, mas parecem-se suficientes para quem queira iniciar-se no seu uso adequado.

1 Segundo o Grande Dicionário da Língua Portuguesa de José Pedro Machado, uxte! é equivalente a arre!, apre!, fora!, t´arrenego!, e pardês, o mesmo que o arcaísmo pardeus!...

Pergunta:

Desculpem perguntar, uma vez que este site tira dúvidas em português: se num cartaz ou folheto tiver de escrever "Coffee-Break", qual é a forma mais correcta de o fazer?

Numa busca no Google e em inglês, vejo sem hífen. Por ser um estrangeirismo tem de ser sempre em itálico, correcto?

É legítimo nestes casos fazer a revisão de acordo com a forma que vejo mais escrita no Google (uma vez que suponho que não apareçam nos nossos dicionários)?

Muito obrigada.

Resposta:

O meu conselho é adoptar a forma que o estrangeirismo tem em dicionários prestigiados da língua donde ele é proveniente. Assim, consultando as versões em linha do Merriam Webster online, do Oxford Advanced Learner´s Dictionary e do Cambridge Advanced Learner´s Dictionary, verifico que se escreve coffee break, sem hífen. Como se trata de um estrangeirismo à espera de aportuguesamento gráfico, recomendo aspas ou itálico no seu uso: "coffee break" ou coffee break. Recordo que há termos equivalentes em português (as palavras entre parênteses são opcionais): pausa (para café), intervalo (para café), café.