Pergunta:
Segundo me recordo, pela altura da minha 4.ª classe no Outeiro de São Miguel, na Guarda, ensinava-nos a irmã Gaspar (a nossa professora de Português) que, se bem que existam situações em que as vírgulas devam ser obrigatoriamente utilizadas, elas são utilizadas para acentuar uma pausa, de forma (a) que (por forma que) o leitor ou orador que está a ler o texto tenha a possibilidade de respirar durante a leitura e destacar de forma adequada o sentido das palavras. Alguém me dizia também que as vírgulas podem ser livremente utilizadas, desde que isso faça sentido. Custa-me contudo acreditar que, se bem que certas situações sejam admitidas como certas, elas venham substituir definitivamente as situações que anteriormente estavam legitimamente certas. Acho que é a isso mesmo que se chama evolução (da língua), o que não quer automaticamente dizer que ela siga pelo melhor caminho.
A título de exemplo:
«, contudo,»
«Se desejar contudo proceder...» (a minha versão, a qual considero mais acertada) vs. «Se desejar, contudo, proceder...» (a outra versão)
Acho uma aberração a utilização de uma única palavra entre duas vírgulas.
Seguindo esta mesma lógica, pior ainda será utilizar duas vezes na referida situação:«, como, por exemplo,». Segundo o meu parecer, acertado será «, como por exemplo,».
Será que alguém me poderia elucidar mais alguma coisa acerca do assunto?
Resposta:
Segundo Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, pág. 643), se se colocar à cabeça da oração as conjunções adversativas porém, todavia, contudo, entretanto (com valor adversativo) e a locução conjuntiva no entanto, só se usa vírgula antes da ocorrência de tais palavras:
1) «Pode enviar nova versão, contudo a publicação ficará atrasada.»
Apesar disso, deve observar-se que, ao contrário de mas, o estatuto de conjunção atribuído pela gramática tradicional às outras palavras é discutível e, por isso, Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, 2003, pág. 322) prefere chamar-lhes advérbios textuais ou discursivos. Em Portugal, o Dicionário Terminológico inclui-os mesmo numa subclasse advérbios, a dos advérbios conectivos. Tendo em conta esse carácter adverbial, é aceitável que porém, todavia, contudo e no entanto surjam entre vírgulas, mesmo no começo de uma oração, situação impossível com mas (o asterisco marca pontuação inaceitável):
2) (a) «Pode enviar nova versão, contudo, a publicação ficará atrasada.»
(b) *«Pode enviar nova versão, mas, a publicação ficará atrasada.»
Se tais advérbios conectivos ocorrerem noutra posição na oração, usam-se sempre entre vírgulas:
3) «Pode enviar nova versão; a publicação, contudo, ficará atrasada.»1