Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como posso apresentar o conceito de formas presas, livres e dependentes, utilizando como exemplos: a, de, que; azul, lei, luz; desfazer, predisposto, felizmente?

Grata pelo atenção.

Resposta:

Comecemos pela definição dos conceitos.  J. Mattoso Câmara Jr. (Princípios de Linguística Geral, Rio de Janeiro, Padrão-Livraria Editora, 1989, págs. 88) propõe três tipos de unidades significativas:

«[...] 1) forma presa, que só aparece ligada a outra e por ela condicionada; 2) forma dependente, que nunca aparece isolada, mas pode aparecer ligada a outra que não é aquela que a condiciona, quando entre ela e a sua condicionante se intercalam livremente outras formas; 3) forma livre, que aparece não raro isolada.»1

Mattoso considera que as formas livres e dependentes coincidem com os vocábulos. Digamos que a forma livre, que corresponde a um conceito difundido pelo linguista L. Blommfield (1887-1949), se identifica com o que se chama palavra lexical (principalmente substantivos; ver Dicionário Houaiss, s. v. palavra), enquanto uma forma dependente corresponde ao que outros linguistas designam como palavra funcional ou gramatical (sobretudo preposições e conjunções; ver ibid.). O conceito de forma presa, também popularizado por Bloomfield, opõe-se a forma livre e abrange afixos (ou seja, sobretudo prefixos e sufixos) e desinências (no caso do português, são verbais), isto é, trata-se de «qualquer unidade que não ocorre sozinha num enunciado, mas sempre presa a outra (p. ex.: o prefixo in- em infeliz; o sufixo -ndo em andando; o radical receb- de receber)» (ibid.).

Sendo assim, temos:

a, de<...

Pergunta:

Na terminologia especializada da odontologia, as próteses apoiadas sobre implantes são denominadas "implantossuportadas". Em boa parte dos artigos científicos, o termo encontra-se grafado com hífen: "implanto-suportadas". Qual é a forma correta?

Grata pela atenção.

Resposta:

Aconselho a forma implantossuportada, mas assinalo que se trata de um neologismo de aceitação discutível.

A palavra em análise baseia-se numa estrutura morfológica da língua inglesa: implant-supported. A respeito destes compostos, que pressupõem uma estrutura passiva («próteses que são apoiadas por implantes»), já nos referimos em outras ocasiões: não sendo uma estrutura frequente em português, parece ter visto um incremento por influência do inglês. Em todo o caso, a palavra apresenta o radical implant-, que ocorre também noutros termos como implantodontia, implantodôntico, implantodontista, implantologia, implantológico; a sua aceitabilidade é duvidosa justamente por se formar com um particípio passado (suportada, de suportar) ao qual se associa sem hífen o referido elemento, que corresponde a um agente da passiva ("implantossuportada" = suportada por implante). Tendo em conta os padrões tradicionais de formação de compostos, esta forma não é de recomendar; no entanto, reconheço que se trata de um novo padrão que do ponto de vista terminológico se torna bastante económico e, por isso, aceito o seu uso. Não obstante, para aqueles que vêem com reserva o novo termo, proponho o recurso a uma perífrase em que figura a estrutura passiva, menos sintética: «prótese suportada por implante».

Pergunta:

Gostaria de saber qual é a pronúncia correta de hanseníase. Sei que quando falamos o nome bacilo de Hansen, em Hansen temos de falar com som de R, "Ransen", por ser nome próprio e de outro idioma. Em português, vejo que todos, inclusive na televisão, falam "Ranseníase", mas na palavra em português, aprendi que não falamos o H, então seria "ânseníase"... Está correto?

Resposta:

A palavra deve ser pronunciada "anseníase", porque, em relação a nomes estrangeiros, não é obrigatório pronunciar sons inexistentes em português. Apesar de o termo derivar do nome próprio norueguês Hansen, que tem, tal como se verifica em palavras inglesas, uma consoante aspirada em início de palavra, entre nós o que se faz é não pronunciar essa aspiração, que não faz parte do inventário de sons da nossa língua.

Pode, no entanto, acontecer que muitos falantes, por causa da presença constante do inglês nas terminologias e mesmo no vocabulário corrente, sejam levados a considerar que o h de Hansen é pronunciável. Na variedade brasileira, parece que a tendência é interpretar essa letra como o r de rato ou ratazana, som que tem grande variedade de realizações, algumas percebidas como próximas da aspiração do inglês e de outras línguas germânicas, incluindo o norueguês; daí a forma "ranseníase". Em Portugal, apesar de hoje grande parte da população articular um som semelhante ao que apontei a respeito da variedade brasileira (trata-se de uma vibrante uvular, [R]; cf. M.ª Helena Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pág. 1000), não existe a prática de identificar a aspiração com qualquer som disponível, e, por isso, se pronuncia "anseníase".

Pergunta:

Devemos chamar de "cassubos" ou "cachubos" o povo não-polaco que habita Gdansk e regiões próximas, na Polônia?

Baseado na vossa resposta, poderei saber se as regiões onde moram será "Cassúbia" ou "Cachúbia"?

Creio que talvez a etimologia do etnônimo deverá dizer-nos a forma correta dele e da região. Na Vicipaedia latina, se diz que é “Cassubia” o nome da região, dando assim de entender que este é o nome da região na época romana. Não sei se o Império Romano chegou até lá, mas, de qualquer maneira, os romanos atribuíam nomes latinos às regiões próximas ao Império, mas que a ele não pertenciam.

Os vossos confiabilíssimos esclarecimentos, por favor.

Obrigadíssimo.

Resposta:

Os termos que designam a língua e o grupo étnico assim conhecidos não têm uma forma estável, certamente em virtude do seu escasso uso, que é confirmado pela ausência de entradas em dicionários gerais e até em enciclopédias (em Portugal, só a Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, da Editorial Verbo, o regista, na forma francesa, Kachoube). A informação que pude reunir é toda ela proveniente de artigos da Wikipédia em várias línguas, de modo a permitir a identificar a(s) forma(s) do etnónimo em português. Cheguei assim à conclusão de que há duas formas possíveis:

a) uma, cachuba, que procura reproduzir o som palatal que ocorre na palavra alemã Kaschube, adaptação ou da palavra kaszëbi, designativo da língua em causa, ou do polaco kaszubie;

b) outra, cassuba, que é o aportuguesamento do latim cassuba, que alterou a palatal das formas eslavas e alemã numa consoante sibilante geminada, uma vez que em latim não existem as consoantes (pré-palatais) representadas por sz (polaco), sch (alemão) ou ch/x (português).

Note-se que em publicações em português ocorre a forma cachuba, dos dois géneros; no entanto, sabendo que a palavra tem forma feminina nas línguas em que é mais corrente, e ainda considerando que noutras línguas românicas o termo é biforme (por exemplo, italiano casciubo/casciuba), parece-me que são também aceitáveis as formas cachubo ou cassubo, para o masculino, e cachuba ou cassuba, para o feminino. Existem ainda mais possibilidades: cachubiano e cassubiano

Pergunta:

A palavra sujeito é usada com dois significados contraditórios: por um lado, é usada como «senhor do seu destino, das suas próprias acções», «voluntarista»: por outro, como estando submetido a alguém ou à vontade de alguém. Parece ter ligação etimológica a jugo (canga) e a súbdito, nas monarquias (súbdito britânico), por oposição a cidadão, nas repúblicas (cidadão português)...

A palavra objecto tem, por um lado, o significado de «coisa ou pessoa sem vontade própria» («objecto sexual», «objecto de estudos» etc.) e, por outro, como em objectivo de: coisa ou ideia bem concreta e precisa. E com o seu oposto, subjectivo, passa-se um pouco a mesma coisa...

Eu só tenho o antigo 5.º ano do liceu (como se dizia), mas gosto muito da nossa língua e procuro usá-la com acuidade...

Antecipadamente grato.

Resposta:

Congratulo-me pelo interesse que demonstra pela semântica e pela etimologia do léxico português. Infelizmente, não posso confirmar nem a primeira acepção proposta («senhor do seu destino, das suas próprias acções»), nem a relação com jugo.

Penso, todavia, que quer de certa maneira referir-se ao conceito filosófico de sujeito, que não corresponde exactamente ao que sugere, dado ser definido «na metafísica clássica, esp[ecialmente] no aristotelismo, [como] ser real, substância, realidade permanente à qual se atribuem transformações, qualidades ou acidentes», donde, por extensão de sentido, se chegou ao conceito lógico de sujeito, que, «em uma proposição, [constitui o] termo de que se fala, de que se afirma ou se nega algo, e ao qual se predicam propriedades, qualidades ou determinações [símb.: S]» (Dicionário Hoauiss). Ainda no âmbito da tradição filosófica ocidental, sujeito é, «em epistemologia, esp[ecialmente]. a partir do cartesianismo e do pensamento moderno, o eu pensante, consciência, espírito ou mente enquanto faculdade cognoscente e princípio fundador do conhecimento» (idem). Quanto à noção de «submissão a algo ou alguém», ela encontra-se associada à palavra sujeito, enquanto substantivo, na acepção de «súbdito», e como adjectivo, em várias acepções, todas elas relacionadas com as noções de submissão, dependência.

A respeito da etimologia da palavra, ainda segundo o Dicionário Houaiss, ela tem origem no adjectivo subjectus,a,um, «posto debaixo, colocado em lugar baixo, posto diante de, exposto a; subordinado, submetido, sujeito, subjugado; dependente», derivado do verbo latino subjicĭo,is, «lançar ou pôr debaixo; ocultar, escon...