Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de traduzir para português o provérbio ou expressão «to draw the shortest straw». Tenho sem sucesso procurado uma expressão portuguesa que transmita esta ideia de azar ou de ficar com uma tarefa, normalmente indesejada, para fazer depois de os intervenientes se submeterem a este processo de selecção.

Não fazemos isto em Portugal? Como é que lhe chamamos? Haverá algum provérbio semelhante?

Resposta:

Sugiro a expressão «calhar na rifa», que, em Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas — Português, de António Nogueira Santos (Edições João Sá da Costa, 2006), aparece assim registada:

«caber/cair/calhar/sair alguma coisa a alguém na rifa: ser contemplado com alguma coisa em resultado de sorteio por meio de rifa; fig) ver-se, involuntariamente, em situação desagradável.»

Note que estamos a falar de uma expressão idiomática e não de um provérbio. Segundo o Dicionário Houaiss, uma expressão idiomática é uma «locução ou frase cristalizada numa determinada língua, cujo significado não é deduzível dos significados das palavras que a compõem e que ger[almente] não pode ser entendida ao pé da letra (p. ex., bater perna, falar para as paredes, bilhete azul, etc.)»; a expressão idiomática pode sofrer alterações na flexão das palavras que a constituem: «ele bateu perna»; «estás a falar para as paredes». O provérbio corresponde a uma «frase curta, ger[almente] de origem popular, freq[uentemente] com ritmo e rima, rica em imagens, que sintetiza um conceito a respeito da realidade ou uma regra social ou moral (p. ex.: Deus ajuda a quem madruga)» (idem); geralmente, usa-se sem alterações vocabulares, morfológicas ou sintácticas: «O João conseguiu adiantar muito trabalho; é caso para dizer: Deus ajuda a quem madruga

Pergunta:

Ao falarmos do poder dos Habsburgo, podemos utilizar o nome como adjectivo?

Ex.: «o poder habsburgo»

Em caso afirmativo, o adjectivo habsburgo deve ser escrito com minúscula, ou maiúscula?

Obrigado.

Resposta:

Habsburgo1 é substantivo próprio e não deve ser usado como adjectivo. As formas habsburguês, habsburguense e habsburguiano são mais adequadas como adjectivos correspondentes.

 

1 Os Habsburgos constituíram uma importante família que ocupou o trono de várias monarquias europeias, nomeadamente, o Sacro-Império Romano-Germânico (do século XV ao século XVIII), o Império Austro-Húngaro (de 1867-1918) e o reino de Espanha (1506-1700). Os reis espanhóis que governaram Portugal entre 1580 e 1640 (Filipe II, Filipe III e Filipe IV) pertenciam ao ramo espanhol dos Habsburgos (os chamados Austrias em espanhol).

Pergunta:

Qual é a origem do nome Licínia?

Resposta:

É a forma feminina do nome Licínio, cuja etimologia José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, explica assim:

«Do lat[im] Licĭnĭu-, nome de família romana, na qual se distinguiram o orador C. Licinius Crassus e o triúnviro M. Licinus Crasus.»

Pergunta:

Em 2006, o Ciberdúvidas informou o seguinte:

«Pré-estabelecido e preestabelecido

[Pergunta] Tenho visto pelo menos três versões: pre-estabelecido (menos comum); pré-estabelecido; e um moderníssimo preestabelecido em documentos oficiais. Como devo escrever?

Aproveito para vos agradecer pelo vosso fantástico site. Tem sido preciosa a vossa ajuda!

Vanda Meneses Santos :: Professora :: Portugal

[Resposta] O prefixo tem duas formas: pré- (com hífen) e pre- (sem hífen). Poderia escrever-se pré-estabelecer, mas dicionários recentes (dois portugueses e um brasileiro, a saber, o Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, o Grande Dicionário da Porto Editora, e o Dicionário Houaiss) registam só preestabelecer. Deste modo, porque já há uma forma dicionarizada e porque a pergunta é relativa ao particípio passado deste verbo, recomendo preestabelecido.

Carlos Rocha :: 06/04/200»

Minhas considerações:

Eu já usava preestabelecido antes mesmo de encontrar a resposta acima, e é a forma que considero mais adequada, prática, moderna, sem mencionar que ainda iria mais longe: escreveria "prestabelecido" ...

Resposta:

Em primeiro lugar, deve saber que o prefixo tem duas formas: uma tónica, pré-, e outra átona, pre-. A forma átona ocorre em cultismos que há muito pertencem à língua, podendo o Dicionário Houaiss afirmar que «[...] é de presumir que, desses [cultismos], não poucos terão tido entrada como pré- (raro assim grafado), acentuação e abertura que logo desapareceriam com a frequência de uso da pal[avra] em causa; há, por conseguinte, uma forte relação de continuidade entre pré- e pre- [...].»   

Relativamente a preestabelecer, o novo acordo ortográfico não traz alteração: como disse na resposta em referência, a palavra inclui a forma átona do prefixo, a qual continuará a ligar-se à base da prefixação (estabelecer), sem hífen (ver 5.ª edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras). Note que "prestabelecer", com contracção da vogal do prefixo com a da base, não se encontra atestado; o mesmo acontece com palavras que apresentam o sufixo átono, p. ex., preexistir e não "prexistir".

Quanto à forma tónica do prefixo, pré-, à semelhança de pró- e pós-, ela mantém o hífen no quadro do novo acordo, conforme se pode ler na Base XVI, 1.º, alínea f):

«f) Nas formações com os prefixos tónicos/tônicos acentuado...

Pergunta:

Apenas para vos recomendar um novo termo a adicionar à língua portuguesa:

Hexacóptero.

Vede por favor:

http://vimeo.com/6194911

Atenciosamente.

Resposta:

Trata-se do aportuguesamento de um empréstimo proveniente do inglês, hexaKopter. Esta palavra é, além de uma designação comercial, uma amálgama, porque associa ao radical hexa- («seis») a forma -copter (grafada -kopter, talvez para reforçar o apelo comercial), obtida por uma análise incorrecta da palavra helicopter, uma vez que etimologicamente -copter não tem significação própria. Na verdade, helicopter tem origem no francês hélicoptère, que é formado por helic-, do grego helix, helikos («espiral»), uma vogal de ligação -o-, típica dos compostos de origem grega, e ainda o elemento ptère, também do grego pteron, «asa» (ver Online Etymology Dictionary e Dicionário Houaiss). O termo foi usado por Júlio Verne e pelos irmãos Wright, e foi popularizadoo pela invenção dos helicópteros nos anos 20 do século passado (Online Etymology Dictionary).