Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Eu aprendi que existem dois grupos de pontuação: sinais de pontuação que marcam pausa e sinais de pontuação que marcam melodia, entoação. No entanto, vi escrito que os sinais de pontuação se encontram em dois grupos: sinais que marcam ritmo e sinais que marcam melodia, entoação. Está correcta esta divisão em ritmo e melodia, entoação? Não é pausa e melodia, entoação? Afinal em que grupos se divide a pontuação? Muito obrigada pela atenção.

Resposta:

Não existe um sistema de classificação dos sinais de pontuação que tenha aceitação geral. No entanto, parece-me que as duas classificações em apreço se assemelham bastante, se pensarmos que os sinais de pontuação que marcam pausas são sinais que também definem o ritmo da frase.

Deste modo, o que parece estar em questão é afinal um mesmo sistema de classificação, que, por exemplo, se encontra exposto em Celso Cunha e Lindley Cintra, na sua Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições João Sá da costa, 1984, pág. 639):

«Os sinais de pontuação podem ser classificados em dois grupos:

O primeiro grupo compreende os sinais que, fundamentalmente, se destinam a marcar as PAUSAS:

a) a VíRGULA (,)

b) o PONTO (.)

c) o PONTO E VÍRGULA (;)

O segundo grupo abarca os sinais cuja função essencial é marcar a MELODIA, a ENTOAÇÃO:

a) os DOIS PONTOS (:)

b) o PONTO DE INTERROGAÇÃO (?)

c) o PONTO DE EXCLAMAÇÃO (!)

d) as RETICÊNCIAS (...)

e) as ASPAS («»)

f) os PARÊNTESES ( () )

g) os COLCHETES ( {} )

h) o TRAVESSÃO (—)»

Mas os mesmos autores logo depois observam:

«Esta distinção, didacticamente cómoda, não é, porém, rigorosa. Em geral, os sinais de pontuação, indicam, ao mesmo tempo, a pausa e a melodia.»

Na verdade, não encontramos esta classificação em sistematizações mais recentes da terminologia linguística. É o que acontece no Dicionário Terminológico, que não faz tal distinção:

«[Os sinais de pontuação constituem um] conjunto de sinais gráficos utilizados, na escrita, para representar alguns aspectos da entoação, para delimitar constituintes da frase, para veicular valores discursivos ou para representar tipos de frase. Os sinais gráficos utilizados na pontuação são ponto [.], ponto de interrogação [?], ponto de exclamação [!], dois pontos [:], ponto e ...

Pergunta:

Se se é um criador no domínio das artes visuais, é-se um «artista visual»?

Obrigada.

Resposta:

Sim. Tendo em conta que existe o termo artes visuais, diz-se também que existem artistas visuais. Deve contar-se também com o termo artes plásticas e artista plástico, cujas significações são menos amplas que as de artes visuais e artista visual.

Pergunta:

Uma simples pergunta, como se chamam os habitantes de Oldrões?

Sem mais de momento, muito obrigado.

Resposta:

Não parece haver um gentílico consagrado para designar o natural ou habitante de Oldrões. O mais que se pode propor é que se crie um com base no radical do topónimo que se pode identificar com oldron-; sendo assim, diremos oldronense, à semelhança de pilonense (de Pilões, Nrasil). No entanto, em matéria de gentílicos, deve-se respeitar a etimologia, e o que acontece neste caso é não se saber ao certo se o radical oldron- tem razão de ser histórica. Na verdade, por José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, ficamos a saber que a freguesia já se chamou Oldrãos e talvez Oldrães. Sendo assim, oldranense seria forma mais adequada. De qualquer maneira, parece-me que o mais certo é não se usar mesmo nenhuma designação e se recorra a expressões como «os naturais/habitantes de Oldrões» ou simplesmente «os de Oldrões».

Pergunta:

A disciplina de Ciências Físico-Químicas aparece designada por Físico-Química no Decreto-Lei n.º 6/2002, que estabeleceu as matrizes curriculares para o ensino básico. Julgo haver aqui um erro linguístico, em cujas causas não vou agora deter-me, pois dever-se-á chamar «Ciências Físico-Químicas» ou «Física e Química». Não terei razão? Aguardo esclarecimentos.

Obrigado!

Resposta:

O termo físico-química está correcto e encontra-se registado em dicionários gerais de língua:

Dicionário Houaiss

«ciência interdisciplinar, de limites indefinidos, que visa estudar as propriedades macroscópicas de um sistema, relacionando-as com a sua estrutura microscópica ou, por um processo inverso, partir da estrutura microscópica, obtendo as suas propriedades macroscópicas por métodos da física e da química; químico-física [A fronteira entre a físico-química e a física é tênue e, com o advento da física moderna, tende a desaparecer em grande parte das situações.]»

Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (Academia das Ciências de Lisboa)

«Ciência que engloba simultaneamente os domínios da física e da química, no estudo que faz dos corpos.»

O termo ciências físico-químicas aparece sem definição no verbete de físico-químico, adjectivo que significa «que se refere simultaneamente à física e à química».

De harmonia com o Acordo Ortográfico de 1945, escreve-se com maiúscula inicial «[...] os nomes de ciências, ramos de ciências e artes, quando em especial designam disciplinas escolares ou quadros de estudos pedagogicamente organizados [...]» (Base XLIII). Com o Acordo Ortográfico de 1990, é facultativa a maiúscula inicial (Base XIX, 1.º g).

Pergunta:

As palavras terminadas em -agem são femininas em português. As palavras correspondentes são masculinas em francês, espanhol e italiano. Gostava de saber se existe alguma explicação a esta particularidade linguística e se houve mudança de género numa certa altura.

Resposta:

Os substantivos comuns terminados em -agem são realmente quase todos do género feminino em português.1 Na diacronia deste sufixo convergem duas terminações diferentes:

a) a do francês -age, evolução do latim -atĭcu-, que ocorria em palavras do género masculino: passaticu- > passage (francês, masculino) > pasaje (espanhol, masculino), mas passagem (português, feminino);

b) -agĭne (imagine- > imagem), que eram do género feminino em várias línguas românicas (francês image, espanhol imagen).

Em francês e espanhol, manteve-se o género masculino nas palavras cujas terminações remontavam a -atĭcu-; em português, pelo contrário, a terminação -agem (<-age), de origem francesa, confundiu-se com -agem (< -agĭne), generalizando-se o género feminino. É um fenómeno bastante antigo porque, considerando que a separação entre português e galego se terá verificado no século XV, a generalização do feminino está documentada nesses ramos contemporâneos do antigo sistema galego-português.

1 São excepções o arabismo almargem, «prado», que pode ser usado nos dois géneros, e certos compostos como porta-bagagem. Também são usados nos dois géneros os adjectivos selvagem e abencerragem (variante de abencerrage, «relativo à linhagem moura dos abencerrages, que dominou Granada, em Espanha).