Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

O que significa a palavra galdrumada? Qual a sua origem?

Resposta:

A palavra em apreço encontra-se registada no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Porto Editora), sob a forma galdrumada. Não acho outros registos em dicionários gerais de língua portuguesa, embora dicionários galegos atestem o termo:

a) no Dicionário Electrónico Estraviz: «(1) Comida abundante mal preparada, com muitas cousas e de mau aspecto. (2) Cousas nojentas misturadas com água suja»;

b) e no Diccionario da Real Academia Galega: «galdrumada s. f. Comida de mal sabor, por estar mal preparada ou ser de mala calidade. Non hai quen coma esta galdrumada. SIN. bazofia

Sobre a origem deste termo, não conheço referências directas, pelo menos, em fontes portuguesas. No entanto, no Dicionário Houaiss, o artigo dedicado ao radical gal- permite esclarecer em parte a etimologia de galdrumada:

«antepositivo, do v[erbo] port[uguês] galdir, "comer, tragar" (sXVI), tido como de um v[erbo] [do] cast[elhano] ant[igo] galdir, 'tragar' (segundo García de Diego, citado por J. P. Machado, viria do lat[im] gluttīre, "tragar"); o Diccionario de la Lengua Española (1984), da Real Academia Española, registra só "galdido, da. (En valenciano

Pergunta:

Santo Tirso! Ou "Santo Terço"? Quem era? O que fez? E porquê há uma cidade portuguesa chamada Santo Tirso?

Resposta:

Não há relação etimológica entre o nome próprio Tirso e o substantivo comum terço. Este vocábulo tem, entre as suas acepções, a de «terça parte do rosário, composta de cinco dezenas de contas, para a reza da ave-maria, intercaladas por cinco contas, correspondentes ao padre-nosso» (Dicionário Houaiss).

Quanto a Tirso, lê-se no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, que, sob a forma de Santo Tirso (Santo Tisso, forma arcaica), ocorre como topónimo do Norte de Portugal, na Galiza, em Leão e nas Astúrias. A origem de Santo Tirso é a seguinte:

«Tirso [...] inicialmente era antr[opónimo], mas sem uso actual em port[uguês] [...]: em 968 vivia um Tirsum [...]; mais tarde apenas tenho conhecimento de, nessa função, Tisso [...]: "Don Tisso Perez", Pêro da Ponte, no C[ancioneiro da] B[iblioteca] N[acional], n.º [1561]. Do gr[ego] thýrsos, pelo lat[im] thyrsus, "talo", tornado nome próprio em honra da vara enfeitada de hera e pâmpanos, usada por Baco e pelos seus seguidores, especialmente as Bacantes. Assim, deste acessório de culto pagão deriva  o nome de vários santos. O de maior veneração, no Ocidente europeu, era um atleta de Cesareia, na Bitínia, martirizado no séc. III (segundo Vald., festas a 24-I e a 24-IX) [*]. A vila [hoje cidade], antes da fundação do seu mosteiro beneditino dedicado a Santo Tirso, chamar-se-ia Moreira de Riba de Ave. Omosteiro teria sido fundado (ou reedificado) por D. Aboaçar Ramires, filho bastardo de Ramiro II, rei de Leão (931-950) [...]. Existiria ali um templo dedicado ao deus galaico-romano Turíaco [...], cujo nome, ...

Pergunta:

Gostava de saber se existe alguma diferença entre equiterapia e equoterapia, uma vez que ambas pertencem ao campo semântico da hipoterapia.

Obrigada.

Resposta:

Os termos em causa são neologismos que ainda não se encontram dicionarizados. A consulta de páginas de Portugal na Internet permite inferir que se trata de sinónimos. Assim, numa pesquisa Google, o termo que mais resultados obtém é hipoterapia (6910), com o seguinte significado, segundo o sítio do Centro Hípico da Costa do Estoril:

«Hipoterapia significa tratamento com a ajuda do cavalo e destina-se a indivíduos com deficiência.»

O termo é formado pelo radical hip-, do grego híppos, ou, «cavalo» (Dicionário Houaiss), a vogal de ligação -o-, que é característica de compostos morfológicos de origem grega, e -terapia, também do grego therapeía, «cuidado, atendimento», «der[ivado] do v[erbo] therapeúó "curar, tratar, cuidar"» (idem).

Menos resultados têm as formas equiterapia (128) e equoterapia (137). Ambas correspondem a compostos híbridos, nos quais o radical equ-, de origem latina (equus, equi, «cavalo»), ocorre em lugar de hipo-. Convém observar que, dos pontos de vista morfológico e etimológico, equoterapia é forma mais correcta do que equiterapia: geralmente, a vogal de ligação antes de radicais de origem não latina é -o-.1

1 «[...] [E]sta vogal de ligação é um resíduo de um marcador casual na estrutura dos compostos do altim e do grego antigo. É por esta razão que, no português, se encontram duas diferentes vogais de ligação: -o- e -i-. Os dados disponívei...

Pergunta:

Qual o nome que se dá a um habitante de Saint-Malo?

Onde posso encontrar esta informação para os habitantes de cidades estrangeiras?

Obrigada.

Resposta:

Em português não existe gentílico dicionarizado ou de uso generalizado que designe os naturais e os habitantes de Saint-Malo (Bretanha, França). Em francês, diz-se malouins.

Pergunta:

Há, aqui no Brasil, quem defenda que o prefixo anti- somente deve ser usado com adjetivos e o prefixo contra nos demais casos. Assim, anticomunista, antissemita, antissocial, anti-inflamatório, etc. Por outro lado: contrafurto, contraespionagem, contra-ataque, etc.

À luz do uso correto da língua portuguesa, isso procede?

Agradecido pela resposta.

Resposta:

Não se pode fazer essa generalização quando ocorrem exemplos como anti-semitismo1 e antimatéria, por um lado, e contracultural ou contraproducente, por outro (cf. Dicionário Houaiss). Há até formas prefixadas com anti- que podem ser usadas quer como substantivos quer como adjectivos: antigripal e anti-inflamatório (este também usado como substantivo no português europeu). Assinale-se, contudo, que muitas das palavras que incluem o prefixo anti- são de facto adjectivos, mesmo que a base seja um substantivo (ver Margarita Correia e Lúcia San Payo de Lemos, Inovação Lexical em Português, Lisboa, Edições Colibri, 2005, pág. 31).

1 Antissemitismo, de harmonia com o Acordo Ortográfico de 1990.