Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como grafar em português correctamente a capital da Lituânia? Já vi "Vilnius" e também já vi "Vilna", esta última usada em castelhano.

Estará o termo "Vilna" mais correctamente de acordo com as regras lexicais do português? Tenho um amigo lituano que me colocou esta questão.

Resposta:

A forma Vilna tinha o favor dos filólogos, pelo menos, na década de 40 do século passado. Quem consulte o Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves, publicado em 1947, encontrará Vilna (pág. 361) como equivalente português ao que nessa época se considerava «topónimo alienígena», Wilnius. Dizia Rebelo Gonçalves (op. cit., pág. 361, n. 2):

«[Vilna é] [r]egisto do Vocabulário de Bluteau e do da A. C. L. [Academia das Ciências de Lisboa]. Com tal forma se reproduz o nome que em lituano é propriamente Wilnius, embora por influência russa os Lituanos usem Vìlna, e a que correspondem em russo Vil´na, em polaco Wilno, etc. (informação do St. V. Cocco, assistente da Faculdade de Letras de Coimbra).

Damião de Góis, na Crónica de D. Manuel, II, cap. I, usa a variante Vilno. Não obstante, é preferível a forma em -a, que, sendo também abonada por textos (Bluteau cita um exemplo do Martirológio em Português), tem ainda a recomendá-la o neolatinismo Vilna

Actualmente, escreve-se Vilnius em lituano, e tem sido esta a forma mais corrente em português, ao mesmo tempo que Vilna anda esquecida, talvez porque a Lituânia e a sua capital não têm sido presenças constantes nas culturas de língua portuguesa. De qualquer modo, se atentarmos nas palavras de R. Gonçalves, há boas razões para recuperar a forma mais vernácula. Fica feito o repto.

 

N. E. (11/07/2023) – Sem prejuízo da correção da forma Vilna...

Pergunta:

No lista oficial de nomes do Estado Português, o nome Isis aparece sem acento. No entanto, já encontrei, em diversos dicionários e enciclopédias, este nome escrito com acento no primeiro i: Ísis. Qual das duas formas está correcta?

Resposta:

Recomendo a forma Ísis, de modo a marcar a sílaba tónica, que é "Í-". Apesar de se tratar de palavra grave, o acento gráfico é necessário, tal como em oásis, porque quer este quer aquele vocábulos apresentam um i na última sílaba. Se não houvesse acento em Ísis e oásis, a leitura induzida pelas palavras corresponderia às formas agudas não aceitáveis "isís" e "oasís" (a rimarem com anis).

O nome Ísis aparece assim acentuado no Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves (1966). No Dicionário Houaiss, no verbete de isíaco, ocorre a forma Ísis, também com acento agudo na penúltima sílaba.

No entanto, é verdade que não há acento no nome constante da lista de Vocábulos Admitidos e não Admitidos como Nomes Próprios do sítio do Instituto de Registos e Notariado do Ministério da Justiça de Portugal. Esta forma parece encontrar apoio no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, que acolhe Isis sem acento; no entanto, tendo em conta Ítalo, palavra esdrúxula, observa-se que a forma "Italo" também aí se revela inacentuada, o que faz suspeitar de uma gralha, que abrangeu todos os "I" maiúsculos nessa obra. Assinalo ainda a ocorrência da forma sem acento no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora. Considero tratar-se de um erro, a corrigir numa nova edição.

Pergunta:

Gostaria de saber a pronúncia correcta da palavra laxante. Diz-se "lacsante", ou "lachante"? Tal como na palavra intoxicação, deve dizer-se "intocsicação", e não "intochicação", com "chi", ou estarei errado?

Muito obrigado.

Resposta:

No português europeu, pronuncia-se laxante, com x pronunciado como em baixo (símbolo fonético [ʃ]; dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora).1 Quanto a intoxicação, o x tem o valor de [ks] (ver dicionário da Academia das Ciências de Lisboa), muito embora em estudos descritivos mais recentes se assinale e até se favoreça a pronúncia com o x de laxante (ver António Emiliano, Fonética do Português Europeu: Descrição e Transcrição, Lisboa, Guimarães Editores, 2009, pág. 109).

1 Laxante também se pronuncia com o mesmo "x", segundo comunicação do consulente Luciano Eduardo de Oliveira: «Não só em Portugal, mas também no Brasil se diz laxantecom x = ch, [segundo o Dicionário Aulete Digital] (este dicionário só indica a pronúncia do x quando é pronunciado "s", "z" ou "ks", no caso de "x" não há indicação nenhuma).»

Pergunta:

Pergunto a mim próprio se serão capazes de me responder a uma curiosidade que me assaltou há dias: qual a origem da expressão idiomática «meter a viola no saco»? E, já agora, se conhecem alguma fonte boa e razoavelmente acessível para este tipo de questão.

Resposta:

Sem encontrar fontes que expliquem a origem desta expressão, resta-me registar o significado que lhe atribui Orlando Neves, no Dicionário de Expressões Correntes (Lisboa, Editorial Notícias, 2000): «calar-se; recuar».

Pergunta:

Vi o termo sortal em inglês, referindo-se a um conceito de John Locke. Existe algo semelhante em português?

Resposta:

O termo filosófico inglês sortal, usado pelo filósofo inglês John Locke (1632-1704), é traduzido de muitas maneiras em português. Por exemplo, como categorial em Fernando Martinho, Sintaxe e Semântica dos Adjectivos Graduáveis em Português (Universidade de Aveiro, 2007, pág. 33):

«Lynne Tirrell (1991: 346-347), por sua vez, apresenta seis categorias em que os dois termos da metáfora, A e B, podem ou não estar presentes: [...] 3) predicações categoriais ("sortal predications") do tipo "A é um K", que parecem combinar as duas primeiras categorias [...].»

Sendo assim, é muito difícil estar a dar conselhos à consulente sem conhecer precisamente o contexto de ocorrência do termo sortal. Além disso, será necessário recorrer à ajuda de um especialista, ao que parece, em filosofia, que tenha também bons conhecimentos sobre as terminologias que na referida área são usadas, pelo menos, em português brasileiro.