Pergunta:
Repetidamente se tem afirmado aqui que «ter que ver com» está correcto e «ter a haver com» está errado. Nunca vi, na argumentação, qualquer referência ao latim para consubstanciar essa afirmação. Porquê? O latim não nos pode ajudar aí?
Por outro lado chamo a atenção de que o equivalente em inglês é «this has nothing to DO with that», e em holandês é «dit heeft daar niets mee te MAKEN». Em ambos os casos, os verbos (to do e maken) estão mais próximos do sentido de haver do que de ver, o que pode indiciar que a vossa interpretação pode não estar correcta. Quererão V. Exas. voltar a este assunto?
Resposta:
Sobre as origens latinas da expressão portuguesa (sinónima de «dizer respeito a») e das suas equivalentes noutras línguas de origem europeia, não encontro informação clara. Uma tradução latina acessível de «ter que ver com» ou «ter a ver com» parece ser feita com o verbo pertinēre («estender-se até, ir até, chegar a; tender a, ter por fim, visar a; referir-se, dizer respeito a», Dicionário Houaiss, s. v. ten-), o qual, como se vê, é uma unidade vocabular, mas não uma expressão fixa de dois ou mais termos. Tampouco acho elementos sobre uma hipotética origem no latim vulgar ou no latim usado como língua franca, administrativa e científica, em grande parte da Europa; supondo que estas variedades do latim tiveram influência sobre a genaralidade das línguas europeias (românicas ou não), seria de esperar que esta conjectura permitisse compreender um pouco melhor as semelhanças e dissemelhanças entre a expressão portuguesa e as suas equivalentes. Trata-se de uma investigação por fazer.
Já não me parece válido invocar o inglês e o neerlandês para apoiar a legitimidade de haver em lugar de ver na expressão em apreço, porque o que mostra a correspondência termo a termo entre as três expressões é o seguinte:
a) o verbo inglês have (has) e o neerlandês hebben (heeft) traduzem-se por ter;
b) o verbo inglês do e o neerlandês maken traduzem-se por fazer;
c) dizer que fazer está mais próximo de haver do que de ver é uma afirmação apressada, porque não se diz de que ponto de vista é avaliada essa proximidade semântica: por exemplo, a afinidade com haver pode igualmente relevar de certa...