Pergunta:
Tenho muitas dúvidas sobre como transcrever do discurso oral certas expressões que aparentemente são perguntas sem o serem na realidade.
Por exemplo:
«Eu só escolhia aquilo que mais me agradava, não é, e deixava de lado o resto.»
Deve-se escrever como acabei de fazer, ou assim?:
«Eu só escolhia aquilo que mais me agradava, não é?, e deixava de lado o resto.»
Eu julgo que se pode colocar o ponto de interrogação antes da vírgula, mas fica estranho, do mesmo modo que me parece estranho colocar, como coloquei, o ponto de interrogação antes dos dois-pontos. Será que o posso fazer?
Continuação do vosso inestimável trabalho!
Resposta:
Tendo em conta que «não é» é redução de «não é verdade?» ou «não é assim?», deve usar-se o ponto de interrogação, mesmo que este apareça entre orações ou intercalado em frase ou oração, quando se quer sugerir ou transcrever o discurso oral, uma vez que a expressão remete para perguntas, ou seja, para enunciados que envolvem uma interpelação directa.
No entanto, dado que «não é(?)» se especializou como marcador discursivo1, atenuando ou perdendo em muitas ocorrências tal carácter de interpelação, não me parecem de rejeitar usos que suprimem o sinal interrogativo. É de salientar que, nesta área, não encontro critérios para marcadores discursivos, porque, geralmente, as obras que tratam de pontuação se situam num quadro tradicional, não considerando a a especificidade funcional de tais unidades linguísticas. Por exemplo, verifico que, em ocorrências no Corpus Oral do Português Fundamental (disponível no sítio do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa), a transcrição de «não é» tanto inclui como exclui o ponto de interrogação, o que pode refle{#c|}tir indefinição do valor interrogativo desse marcador; p. ex.:
(1) «... UMA VERBENA CONSIDERADA A MAIOR VERBENA DO PAÍS, NÃO É, QUE TEM SIDO FEITA NO PALÁCIO DOS BISCAINHOS...»
(Entrevista n.º 0067; «não é» sem ponto de interrogação e antes de oração relativa).
(2) «É, É UMA TRISTEZA, E A GENTE, A GENTE, NÃO É, NÃO, NÃO FAZ IDEIA DO QUE SE PASSA» (Entrevista n.º 0053; «não é» sem ponto de interrogação, entre sujeito e predicado).
(3) «ENTÃO, MAS AQUILO É UMA SERRA, NÃO É? UMA ESPÉCIE DUMA SERRA REDONDA, NÃO É? QUE SERRA UMA MULHER AO MEIO» (Entrevista n.º 0029; «não é» com ponto de interrogação, antes de rectificação de predicativo do sujeito e antes de ora...