Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Não entendo a razão por que tanto se insiste aqui (cf. grande número de respostas) em dizer que no Brasil se prefere a forma quatorze à catorze. Não me estranha nenhuma das duas, mas confesso que me parece mais comum no trato com brasileiros ouvir catorze.

O dicionário Houaiss não me deixa pensar assim sozinho, quando dirige a quem procura por quatorze para o verbete escrito com cê, dando a entender que esta última será a forma preferida.

Resposta:

As respostas em questão coincidem com a descrição de Paul Teyssier, no seu Manual de Língua Portuguesa (Coimbra, Coimbra Editora, 1989), que atribui catorze à variedade portuguesa e quatorze à variedade brasileira, acrescentando que «[e]m relação a 14 [...] existe uma diferença entre a forma portuguesa e a forma brasileira» (pág.  180).

Mas a verdade é que Evanildo Bechara, na sua Moderna Gramática da Língua Portuguesa (Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2002, pág. 298), regista catorze ao lado de quatorze como formas do numeral cardinal em apreço, sem referir uma distribuição geográfica definida. E Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições Sá da Costa, 1984, pág. 372), afirmam que «no Brasil quatorze alterna com catorze, que é a forma normal portuguesa».

Em suma, a situação é esta: em Portugal só catorze se aceita; no Brasil há variação entre quatorze e catorze, embora esta pareça ter algum favor, como sugere o consulente.

Pergunta:

Podemos dizer que o gerúndio está no singular ou plural? Para indicarmos o tempo, modo, pessoa, número do gerúndio ladrando, podemos dizer que está no singular na 3.ª pessoa (na frase «... ele ladrando furioso...»)?

Resposta:

Não. O gerúndio não tem flexão, é uma forma nominal do verbo que é invariável.1 Outra coisa é saber se pode ser usado como núcleo de uma oração e ter sujeito. A resposta é afirmativa, uma vez que existem as chamadas orações reduzidas de gerúndio, como é o caso de «ele ladrando furioso». Note, porém, que esta oração não constitui por si só uma frase: é necessário que ocorra como modificador de outra oração para formar uma frase; por exemplo, como oração adjectiva ou adverbial: «ele, ladrando furioso, assustou os ladrões» = «ele, que ladrava furioso...» (oração adjectiva) ou «ele, porque ladrava...» (oração adverbial causal).2

1 Dialectalmente, existe gerúndio flexionado.

2 Convém introduzir alterações, como tornar o pronome ele sujeito da oração subordinante; daí a vírgula depois de ele para marcar domínios oracionais diferentes. 

Pergunta:

"Zózimo", ou "Zósimo": qual a grafia melhor? Por quê?

Muito obrigado.

Resposta:

O Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, fixa a forma Zósimo, com s; o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (2009), da Porto Editora, acolhe a mesma grafia. Do ponto de vista etimológico, esta grafia é mais adequada do que "Zózimo", uma vez que o s geralmente translitera o sigma que ocorre na forma grega original (ver artigo da Wikipedia em inglês sobre historiador bizantino Zósimo): Ζώσιμος = Zōsimos. Este nome significa «fresco, vigoroso, que pode viver», e foi transmitido ao português por via do latim Zōsĭmu- (José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa).

Pergunta:

Existe uma figura de retórica denominada em inglês bomphiologia, transliteração do grego, de fonética semelhante, em que a letra mu foi transliterada para m (corretamente, em se tratando do inglês). Não encontrei essa palavra aportuguesada em dicionários ou livros sobre retórica, razão por quê gostaria de saber qual deve ser a correta transliteração para o português, se usando m ou n. Em latim é conhecida como verborum bombus (barulho de palavras).

Resposta:

A palavra bomphilogia é adequadamente adaptada ao português como bonfiologia, porque é n o grafema representativo de consoante nasal que pode ocorrer antes de f. Note-se que na ortografia do português contemporâneo é impossível empregar o dígrafo ph, pelo que a sequência "mph" é impossível.

Assinale-se também que o termo ocorre em inglês, com o significado de «discurso pomposo» (ver, por exemplo, artigo em inglês na Wikipedia e respectivas ligações).

Pergunta:

Gostaria de saber em que subclasse se insere a palavra século.

Grata pela atenção.

Resposta:

A palavra século pertence à classe dos nomes contáveis, uma vez que não tem restrições à sua pluralização. É o que se pode dizer quanto à subclasse de século, se nos ativermos ao Dicionário Terminológico.

Se a consulente se refere à distinção entre substantivo concreto e substantivo abstracto, que não faz parte dessa terminologia, direi que século é uma substantivo abstracto, uma vez que designa uma convenção aplicada à contagem do tempo. O termo em questão corresponde a uma operação abstracta, que consiste na divisão do tempo cronológico.