Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber mais sobre neologismo semântico.

Resposta:

Trata-se da atribuição de novas acepções a uma palavra já existente: navegar usado em referência a consultar a Internet  é um caso (cf. Margarita Correia e Lúcia San Payo de Lemos, Inovação Lexical em Português, Lisboa, Edições Colibri, 2005, pág. 87). Essas acepções podem decorrer da influência de uma palavra estrangeira. Por exemplo, há quem considere que o uso de submeter no sentido de apresentar é um neologismo semântico surgido por influência do inglês.

Pergunta:

Está correto o uso «terminar por»? Não seria correto «terminar em ou com»? Exemplo: «O prefixo termina por vogal.»

Resposta:

Nas acepções de «ter na parte final» e «ter por parte final», o verbo terminar pode construir regência com a preposição por.

Segundo o Dicionário de Usos do Português do Brasil (São Paulo, Editora Ática, 2002), de Francisco S. Borba, o verbo terminar pode seleccionar:

a) na acepção de «ter na parte final», um complemento preposicional (também chamado oblíquo) constituído pela preposição em e um substantivo concreto não animado; exemplo (idem): «todo esse seguir-se de colorido e enfeites termina em dois hediondos chifres»; «o intestino das aves termina numa cloaca».

b) na acepção de «ter por parte final», um complemento preposicional (ou oblíquo) constituído pelas preposições com, em, por e um substantivo; exemplos (idem): «as terminações superiores terminam por longos e acerados espinhos»; «romances desse tio terminam com a decifração do crime»; «a tendência em declarar idades que terminem em zero ou em cinco».

Uma vez que não se acha diferença relevante entre a possibilidade a) e a b), pelo menos, quando descrevemos a estrutura fónica de um prefixo, considero correcta a frase «o prefixo termina por vogal».

Pergunta:

O que é a dupla grafia? É a possibilidade de, em Portugal, se escrever das duas formas? É a obrigatoriedade de, em Portugal, se adotar a versão portuguesa? É a possibilidade de se escolher uma das duas opções no período de transição do Acordo?

Resposta:

«É a possibilidade de, em Portugal, se escrever das duas formas.»

No quadro do Acordo Ortográfico de 1990, usa-se a expressão «dupla grafia» para designar casos de facultatividade, conforme se pode ler na secção 4 da Nota Explicativa ao referido acordo:

«Sendo a pronúncia um dos critérios em que assenta a ortografia da língua portuguesa, é inevitável que se aceitem grafias duplas naqueles casos em que existem divergências de articulação quanto às referidas consoantes c e p e ainda em outros casos de menor significado. Torna-se, porém, praticamente impossível enunciar uma regra clara e abrangente dos casos em que há oscilação entre o emudecimento e a prolação daquelas consoantes, já que todas as sequências consonânticas enunciadas, qualquer que seja a vogal precedente, admitem as duas alternativas: cacto e cato, caracteres e carateres, dicção e dição, facto e fato, sector e setor; ceptro e cetro; concepção e conceção, recepção e receção; assumpção e assunção, peremptório e perentório, sumptuoso e suntuoso; etc.»

Pergunta:

Estive a ler a resposta à pergunta feita sob o título Acordo Ortográfico e os vocabulários portugueses.

Teria muito a dizer sobre o conteúdo desta resposta, mas haverá certamente quem o faça por mim. Para não me alongar muito, vou referir apenas a eliminação do hífen, que o Acordo Ortográfico (AO) consagra. Como se diz naquela resposta, e bem, o hífen é um auxiliar de desambiguação. Concordo plenamente. Um dos exemplos ali referidos (braço-direito/«braço direito») mostra claramente como é importante deixar o hífen onde sempre esteve, consagrado pelo uso. Referirmo-nos ao braço direito como membro anatómico é bem diferente de nos referirmos ao braço-direito como membro principal de uma equipa de assessoria. O mesmo se passa com a saudação "bom-dia!" e a constatação de que "está um bom dia". Etc., etc.

Estes modestos exemplos expõem apenas um dos aspectos que conferem ao AO a propriedade de se opor ao intuito que animou os seus defensores: simplificar a língua.

Resposta:

Em nome do Ciberdúvidas, agradeço o seu comentário, mas gostaria de fazer três pequenas observações:

1. No texto em referência, o que se discute são os critérios adoptados num dos vocabulários ortográficos — o Vocabulário Ortográfico do Português do ILTEC —, que, no momento em que escrevo, é ainda passível de revisões e correcções.

2. O AO não consagra a eliminação do hífen. Indica só a sua supressão, «salvo algumas excepções já consagradas pelo uso», nas palavras complexas que incluam formas de ligação (como preposições, p. ex., «fim de semana») e não sejam designações zoológicas e botânicas (cf. n.º 6 da Base XV do AO). Sem hífen também se passará a escrever em Portugal o verbo haver quando usado como auxiliar (cf. Base XVII, n.º 2 do AO): «há-de chegar tarde» (antes do AO) > «há de chegar tarde» (com a adopção do AO).

3. A saudação «bom dia» não vai ser hifenizada, mas a verdade é que também não o era nem à luz do Acordo Ortográfico de 1945 nem de harmonia com o Formulário Ortográfico de 1943 (que vigorou no Brasil até final de 2008). A forma que era e continuará a ser hifenizada, tanto em Portugal como no Brasil, é a designação dessa saudação, ou seja, bom-dia, conforme se pode verificar quando se compara, por um lado, o Tratado de Ortografia da Líng...

Pergunta:

O que quer dizer «ridendo castigat mores» e qual é a intenção de Gil Vicente a utilizar isto no Auto da Barca do Inferno?

Resposta:

A expressão latina «ridendo castigat mores» — que também ocorre como «castigat ridendo mores» — não foi empregada por Gil Vicente, mas costuma ser citada em estudos sobre este autor, porque define a sua intenção de crítica moral de tipos e grupos sociais quando recorre ao cómico. Segundo o Dicionário de Português Michaelis, a frase significa «corrige os costumes sorrindo» e corresponde ao «[p]rincípio em que se fundamenta a comédia, criado por Jean de Santeul» (1630-1697), poeta francês que escreveu em latim (sobre este autor, ler artigo em francês da Wikipédia).