Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Após a promulgação do Acordo Ortográfico (2008), no Brasil e nos países lusófonos, observei, quanto à palavra pé de moleque, agora, grafada sem hífen, o seguinte:

(1) A palavra pé de moleque, sem hífen, portanto, seguindo as prescrições da base XVI do Acordo Ortográfico (1990), lematizada como entrada (lema) na página 964 do Dicionário Escolar da Língua Portuguesa [Como a nova ortografia da língua portuguesa] (2.ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional 2008).

(2) A palavra pé de moleque, sem hífen, portanto, seguindo as bases do Acordo Ortográfico, lematizada como subentrada na página 1453 do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa [Com a nova ortografia da língua portuguesa] (Rio de Janeiro: Instituto Houaiss de Lexicografia/Objetiva, 2009). Vale lembrar que como subentrada é classificada como locução e não substantivo masculino ou palavra composta.

(3) Na página 631 do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) [da Academia Brasileira de Letras, ABL], pé de moleque aparece sem hífen, com status de entrada, seguindo, também, as bases do Acordo Ortográfico e classificada como substantivo masculino.

As duas ocorrências, no meu entendimento, tais implicações importantes para a lexicografia e análise linguística da unidade léxica pé de moleque: a) como entrada, deve ser, morfologicamente, classificada como substantivo composto e b) como sube...

Resposta:

Começo por fazer um reparo: a discussão sobre o uso do hífen em compostos e locuções, como é o caso de pé-de-moleque/«pé de moleque», relaciona-se não com a Base XVI mas, sim, com a Base XV do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90). Mas a questão do consulente é extremamente pertinente, porque, apesar de os dicionários referidos estarem de acordo quanto à perda do hífen em pé de moleque e de outras palavras que incluem elementos de ligação, o tratamento lexicográfico destas formas, como se vê, varia. Esta divergência tem três vertentes que passo a comentar:1

1. Ao perder o hífen, pé de moleque deixa de ser palavra composta para se tornarem uma sequência de palavras gráficas. Acontece que um dos critérios de identidade mais consensuais na tradição lexicográfica portuguesa e brasileira é o de a forma de citação dever corresponder a uma palavra gráfica (sequência de caracteres delimitada por espaços em branco ou sinais de pontuação). No entanto, a Base XV, 6.º, do AO90 parece estipular que uma série de formas de citação perdem o hífen, passando de palavras gráficas a sequências de palavras gráficas. Assim, em duas das obras mencionadas pelo consulente, como aliás noutras — o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) da Porto Editora e o Vocabulário Ortográfico do Português (VOP) —, não se retirararam da nomenclatura as palavras que caem sob acção...

Pergunta:

Surgiu-me uma dúvida relativamente à família de palavras de Natal...

Natal: natalício, natalino, natalidade...

Entram nomes próprios na família de palavras? Por exemplo, Natália?

Aguardo resposta.

Resposta:

A resposta é um tanto ambivalente, porque a noção de família de palavras pode revelar-se vaga.

Normalmente, não se incluem nas famílias de palavras os nomes próprios pessoais, porque o radical que possam ter em comum com um conjunto vocabular não se enquadra nos processos activos de formação de palavras. Essa relação releva antes da etimologia, fazendo parte da história do nome e, em última análise, da própria língua. Esta é a conclusão que se pode tirar da definição de família de palavras que é feita por Olívia Maria Figueiredo e Eunice Barbieri de Figueiredo, em Dicionário Prático para o Estudo do Português (Porto, Edições ASA, 2003):

«Pertencem à mesma família de palavras o conjunto de palavras que partilham o mesmo radical e evocam a mesma ideia.»

Nesta perspectiva, embora o radical nat- seja comum a Natal, natalício, natalidade, por um lado, e Natália1, por outro, este nome acaba por não fazer parte da mesma família, porque não designa a ideia de "nascimento" (de Jesus ou de outra pessoa qualquer).

Contudo, no Dicionário Terminológico entende-se família de palavras como «[c]onjunto das palavras formadas por derivação ou composição a partir de um radical comum», o que dá azo a alargar a definição deste conceito, de modo a incluir nomes próprios pessoais nas famílias de palavras. Nesse caso, poder-se-á dizer que Natália emparceira com Natal, natalício e natalidade.

1 «Do lat[im] Natalia, der[ivado] de nata...

Pergunta:

Estou a fazer um trabalho sobre factores de mudança linguística e gostaria que me ajudassem a definir melhor factores de mudança externa.

Obrigado.

Resposta:

A pergunta pede a abordagem a um tema cuja complexidade não cabe no âmbito do Ciberdúvidas, pelo que me limitarei a traduzir um pequeníssimo artigo do Glossary of Historical Linguistics (Edimburgo, Edinburgh University Press, 2007), de Lyle Campbell e Mauricio J. Mixco:

«[fatores externos de mudança são] fatores que ajudam a explicar as mudanças linguísticas que se encontram fora da própria estrutura linguística e do organismo humano. Compreendem os usos expressivos da língua, as avaliações sociais positivas e negativas (prestígio, estigma), os efeitos de literacia, a gramática prescritiva, as políticas de educação, os decretos políticos, o planeamento linguístico, o contacto entre línguas, entre outros aspectos.»1

Também de Lyle Campbell, pode consultar Historical Linguistics An Introduction (Cambridge, Massachussets, MIT Press, 1998). Outra obra que posso recomendar é a de Brian D. Joseph e Richard D. Janda (eds.), The Handbook of Historical Linguistics, Malden, Oxford e Carlton, Blackwell Publishing, 2003).

1 Tradução livre de: «external causal factors, external factors. Factors taht help to explain language changes that lei outside the structure of language itself and outside the human organism. They include such things as expressives uses of language, positive and negative social evaluations (prestige, stigma), the effects of litteracy, precriptive grammar, educational policies, political decree, language planning, langauge contact and so on [...].»

Pergunta:

Gostaria de saber a origem dos sobrenomes Nunes e Santos.

Resposta:

O apelido Nunes tem origem no patronímico de Nuno, de origem obscura, segundo José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa.

Sobre Santos, diz Machado (op. cit.):

«[apelido] de origem religiosa, pois foi abrev[iatura] de Todos-os-Santos. Dava-se primitivamente às crianças nascidas no dia 1-XI [...]. Creio, no entanto, que na grande maioria dos casos a vulgarização deste apel[ido]se ficou a dever aos que, ao entrarem pelo baptismo na religião cristã, tinham como padrinhos religiosos em cujo nome eclesiástico havia dos Santos. [...]»

Pergunta:

Estou com dificuldade em explicar estes dois conceitos: radical e forma de base. Poderiam ajudar-me?

Resposta:

Apresento as definições constantes do Dicionário Terminológico:

Radical

«Constituinte morfológico que contém o significado lexical e exclui os afixos flexionais. O radical pode conter afixos derivacionais. Os radicais pertencem a categorias sintácticas, sendo identificados por etiquetas como: radical adjectival, radical adverbial, radical nominal, radical verbal.

«Notas: O radical da palavra [casa] é o constituinte [cas].»

Base

«Constituinte morfológico, que inclui obrigatoriamente um radical, a partir do qual se formam novas palavras.

«Exemplos: "doc-" é a base para "adoçar"; "adoça-" é a base para "adoçante".»