Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber qual o plural da palavra escâner, bem como a maneira mais usual de escrevê-la (scanner ou escâner).

Grata.

Resposta:

Se usar o aportuguesamento escâner, faz o plural escâneres. Se preferir usar a forma inglesa scanner (entre aspas ou em itálico), acrescenta apenas um -s: scanners.

Quanto a saber qual é mais usual — se a forma inglesa, se o seu aportuguesamento —, diga-se que é muito frequente a ocorrência do anglicismo, apesar de, normativamente, se dever dar preferência ao aportuguesamento.

Pergunta:

Sabe-se que aqui no Brasil existe, penso que desde os finais da década de 50 e início dos anos 60, uma tendência de se pronunciar a letra L, em final de sílaba, como um /w/ ou U semivocálico. Fico sempre muito intrigado com esse fenômeno, pois vejo que é algo muito recente mas que já se espalhou por quase todas as regiões, e ocorre principalmente entre as pessoas mais jovens. Lembro que minha avó pronunciava os eles da maneira como se verifica na pronúncia do espanhol, pois não havia nenhum tipo de velarização. Ela dizia /bra'zil/ e não /bra'ziw/ ou /'alma/ e não /'awma/.

Qual a possível explicação para o surgimento deste fenômeno em tão pouco tempo?

Resposta:

A vocalização do /l/ a fechar sílaba deve ser fenómeno antigo nos dialectos do Brasil e, em muitas regiões, deve ser anterior aos anos 50 do século passado. Com efeito, ouvindo no YouTube a pronúncia cantada de arquivos antigos de filmes, nota-se que Francisco Alves (filho de portugueses) e Cármen Miranda (também filha de portugueses), interpretando Sonho de Papel, pronunciam l final, mas Mário Reis, interpretando Teatro da Vida numa sequência do filme Alô, Alô, Carnaval (1936), já parece vocalizar essa consoante.

Note-se que, em diferentes línguas, não é invulgar que o l que fecha sílaba, se a articulação for velar, passe à semivogal velar [w]. Além disso, em português europeu, o /l/ que trava sílaba já é velarizado, sendo representado pelo símbolo [ɫ]: alto, [ˈaɫtu]; mal, [maɫ]; a vocalização da consoante assim articulado é uma evolução previsível. Ivo Castro, na Introdução à História do Português (Lisboa, Edições Colibri, 2006, pág. 230), refere-se a esse facto:

[...] [N]as palavras acabadas em -al, -el, -il, ol1, a consoante final soa velarizada em Portugal [ɫ], mas no Brasil a sua abertura progrediu e está transformada numa semivogal, pelo que aquelas terminações soam [aw], [ɛw], [iw], [ɔw].

1 Também em -ul: azul, [aˈzuw].

Pergunta:

Em Santa Cruz do Bispo, freguesia da cidade de Matosinhos, existe a Rua da Codiceira.

Por pesquisas efectuadas, este nome derivou do nome duma bouça, pertença de lavradores, que se chamava precisamente «a bouça da Codiceira"». Como a rua cortou esse terreno ao meio, a junta da freguesia propôs que se chamasse Rua da Codiceira.

Pergunta: Qual a origem deste nome?

Resposta:

De acordo com o Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, escreve-se Codisseira, variante de Codesseira, topónimo frequente em Portugal e na Galiza (aqui escrito Codeseira).1 Tem origem no substantivo comum codesseira, o mesmo que codessal, «terra onde crescem codessos» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa). O codesso é «design[ação] comum a várias árvores e arbustos dos gên. Cytisus e Adenocarpus eesp. a um arbusto do gên[ero] Laburnum, todos de uma mesma tribo da fam[ília] das leguminosas, subfam[ília] papilionoídea» e, mais especificamente, «arbusto de até 6 m (Laburnum anagyroides), nativo da Europa, melífero, com folhas trifolioladas, flores amareladas e vagens achatadas e sinuosas; codesso-bastardo, codesso-dos-alpes, falso-ébano, giesta-das-sebes [Encerra citisina, substância venenosa, us(ada) como purgativa e emética, e a madeira foi muito us. em mobiliário e instrumentos musicais, como sucedânea do ébano.] (Dicionário Houaiss).

1 O Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves, também regist{#|r}a Codesseira, substantivo próprio, e codesseira, substantivo comum, ambas as formas com ss

Pergunta:

Tendo em conta a frase «Deficiente foi impedido de viajar pela Air Portugal», qual a função sintáctica desempenhada pelo grupo preposicional «de viajar»?

E se colocarmos a frase na forma activa, qual a função desempenhada pelo mesmo grupo preposicional?

Resposta:

De acordo com o Dicionário Terminológico, trata-se de um complemento oblíquo seleccionado pelo verbo permitir e realizado por uma oração de infinitivo («de viajar»). Na voz activa, mantém-se a mesma análise, não havendo alteração na forma desse complemento: «A Air Portugal impediu deficiente de viajar

Pergunta:

Gostaria de saber a transcrição fonética da palavra espelho.

Obrigada.

Resposta:

Em português europeu normativo, de acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, e com a obra Fonética do Português: Descrição e Transcrição (Lisboa, Guimarães Editores, 2009, pág. 157), de António Emiliano, a palavra espelho tem a seguinte transcrição: [ˈʃpɐʎu]. No português do Brasil, tendo em conta o registo sonoro disponível no Aulete Digital, pronuncia-se [esˈpeʎu], embora, em certos falares (por exemplo, no do Rio de Janeiro), seja possível [eʃˈpeʎu]. São também variantes brasileiras as formas [isˈpeʎu] e [iʃˈpeʎu] (informação de Luciano Eduardo de Oliveira).