Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Relativamente à patologia diabetes mellitus:

1. Escreve-se com letra minúscula, ou maiúscula? Exemplos: «Diabetes mellitus» ou «diabetes mellitus»?

2. Deve escrever-se a expressão em itálico?

3. E quando se caracteriza melhor a patologia, como se escreve: «diabetes mellitus insulino-tratada», ou «diabetes mellitus insulinotratada»? E: «diabetes mellitus não-insulinotratada», ou «diabetes mellitus não insulinotratada»?

Resposta:

Não encontro normas específicas para o caso em apreço. O que verifico nos dicionários especializados (cf. Manuel Freitas e Costa, Dicionário de Termos Médicos, Lisboa Porto Editora, 2005; L. Mauila et al. Dicionário Médico, Lisboa, Climepsi Editores, 2004) é que o nome latino mellitus se usa como adjectivo modificador da palavra portuguesa diabetes, sendo ambas as palavras usadas com minúscula inicial («diabetes "mellitus"») e ocorrendo a palavra latina entre aspas (o itálico também possível: «diabetes mellitus»).1

Quanto à ortografia do termo referido no terceiro ponto da pergunta, é correcta a forma aglutinada, insulinotratada, sem hífen, por estar conforme com outras palavras não hifenizadas em que também surge insulino- como elemento de composição: insulinodependência, insulinorresistência, insulinoterapia, insulinoterápico (cf. Dicionário Houaiss). Finalmente, em relação ao uso de não antes de insulinotratada, pode usar hífen, mas não é obrigatório: não insulinotratada/não-insulinotratada.

1 É controverso o género a atribuir a diabetes, conforme se pode ler na resposta A diabetes ou o diabetes. O Dicionário Houaiss indica que é palavra dos dois géneros e dos dois números. O dicionário da Academia das Ciências Lisboa regista -...

Pergunta:

Gostaria de que me ajudassem a superar uma dúvida que me há assaltado ultimamente. Muitas vezes oiço usuários da língua portuguesa que, ao usar o verbo esperar na oração principal, empregam na oração subordinada o modo indicativo correspondente ao verbo escolhido, verbi gratia: «Espero que será...»

Isto não constitui uma incorrecção? Não devem usar o modo conjuntivo? Se eu estiver equivocado, qual a razão para optar pelo modo indicativo?

Infinitamente agradecido.

Resposta:

O verbo esperar selecciona orações completivas com verbo no conjuntivo. No entanto, coloquialmente, é também possível encontrar frases — de carácter marginal na perspectiva da norma — em que ocorre o futuro simples (também chamado futuro do presente), dado o seu carácter modal.

Pergunta:

Tenho uma dúvida na tradução de nerd para totó, que já vi traduzido em más traduções televisivas. Um totó pode não ser um nerd, por exemplo.

Porque não usar nerde (ou outra alternativa) como no caso de blog que deu lugar a blogue, ou mesmo como ocorreu com o caso de pulôver?

Tomei por base as seguintes definições que podem omitir na eventual resposta online:

Nerd:

inglesa

portuguesa

Tomando a versão inglesa como a que terá mais sentido seguir, pois o termo é inglês.

Totó:

Priberam.

Resposta:

É sempre possível aportuguesar fónica e ortograficamente um estrangeirismo, pelo que "nerde" se perfila como um aportuguesamento adequado. Sucede, contudo, que essa forma ainda não se popularizou — e, nos dicionários que acolhem a palavra, ainda se mantém a grafia inglesa, nerd (cf. Aulete Digital).

Quanto à escolha de vocábulos portugueses equivalentes, as opções não se resumem a totó (palavra usada em português europeu), sendo de resto difícil encontrar uma palavra que consiga abranger todas acepções em que nerd é usado. Existe, por exemplo, maníaco (cf. Linguee), mas o Dicionário de Inglês-Português apresenta um leque de palavras que, consoante o contexto, podem apresentar-se como boas candidatas à tradução de nerd:

1. coloquial, depreciativo totó, palerminha, lorpa, banana fig. 2. coloquial, depreciativo pobre coitado 3. coloquial, depreciativo parolo, pacóvio 4. coloquial, depreciativo parvo 5. coloquial, (tecnologia) obcecado; depreciativo computer nerd fanático dos computadores.

Pergunta:

A minha língua materna é o castelhano porque nasci na Venezuela.

Sempre tive uma curiosidade que é a seguinte:

Qual é a razão para que as letras, sejam femininas em conjunto («as letras») mas quando se designam de forma individual passam a mudar de género («um A», ou «um B»)?

Isto chama a minha atenção porque em castelhano diz-se «las letras» e logo cada uma continua a ser feminina apesar do número «una A» ou «una B».

Muito obrigado.

Resposta:

Tudo depende da tradição criada em cada língua a respeito da palavra subentendida pelas letras quando se usam sozinhas: «la (letra) A» (castelhano) vs. «o (som/sinal) A» (português). Com efeito, ao contrário do espanhol, que subentende sempre a palavra letra, o português segue o francês ao atribuir o género masculino aos nomes das letras, subentendendo a palavra som ou sinal, ou outra equivalente do género masculino: o a, o b, o c; cf. francês — «le a, le b».1 Assinale-se que na primeira gramática de português, a de Fernão de Oliveira, publicada em 1536, já se usa, por um lado, a expressão «letra d» e, por outro, «o g», quando se usa apenas o nome da letra.

1 Um pequeno grupo dos nomes das letras já foi do género feminino: f, h, l, m, n, r, s, x (ver Genre des Lettres). No italiano (ver sítio da Accademia della Crusca), há oscilações que dependem da palavra que se possa subentender (o feminino lettera, «letra», ou os masculinos suono e segno, respectivamente, «som» e «signo»).

Pergunta:

Enviei-vos algumas outras consultas que ainda se quedam sem resposta. São elas: sobre o gentílico de Ruão, sobre o da Dordonha, e também sobre o da Grenobla (francesas) e ainda a respeito do da Cólquida, antigo país situado no Cáucaso.

Elas merecerão ainda a vossa apreciação?

Muito obrigado.

Resposta:

Claro.

Os topónimos em apreço não têm gentílicos de uso generalizado ou fixados em dicionários gerais. Pode-se, no entanto, sugerir a criação de gentílicos seguindo o modelo mais frequente, que é o de empregar o sufixo -ense ou -ês; p. ex., ruanense/ruanês, dordonhense/dordonhês, grenoblense/grenoblês.1

Quanto a Cólquida, o Aulete Digital regista colco, «da Cólquida, antiga província da Ásia Menor; dai natural ou habitante»; como vocábulos sinónimos, o mesmo dicionário acolhe fasíaco ou fasiano, «que diz respeito ao rio Fásis, que banhava a Cólquida; relativo à Cólquida». Outra solução é criar colquidiano, a partir da forma francesa colchidien (ver M. A. Bailly, Dictionnaire Grec-Français, 11.ª edição, s.v. Κολχος).2

1 Apesar de Rebelo Gonçalves registar Grenobla como equivalente vernáculo do francês Grenoble, o certo é que, pelo menos, em português europeu, se usa a forma francesa.

2 Em grego antigo, Κολχος designava o habitante da Cólquida (ver M. A. Bailly,