Pergunta:
Sabe-se que aqui no Brasil existe, penso que desde os finais da década de 50 e início dos anos 60, uma tendência de se pronunciar a letra L, em final de sílaba, como um /w/ ou U semivocálico. Fico sempre muito intrigado com esse fenômeno, pois vejo que é algo muito recente mas que já se espalhou por quase todas as regiões, e ocorre principalmente entre as pessoas mais jovens. Lembro que minha avó pronunciava os eles da maneira como se verifica na pronúncia do espanhol, pois não havia nenhum tipo de velarização. Ela dizia /bra'zil/ e não /bra'ziw/ ou /'alma/ e não /'awma/.
Qual a possível explicação para o surgimento deste fenômeno em tão pouco tempo?
Resposta:
A vocalização do /l/ a fechar sílaba deve ser fenómeno antigo nos dialectos do Brasil e, em muitas regiões, deve ser anterior aos anos 50 do século passado. Com efeito, ouvindo no YouTube a pronúncia cantada de arquivos antigos de filmes, nota-se que Francisco Alves (filho de portugueses) e Cármen Miranda (também filha de portugueses), interpretando Sonho de Papel, pronunciam l final, mas Mário Reis, interpretando Teatro da Vida numa sequência do filme Alô, Alô, Carnaval (1936), já parece vocalizar essa consoante.
Note-se que, em diferentes línguas, não é invulgar que o l que fecha sílaba, se a articulação for velar, passe à semivogal velar [w]. Além disso, em português europeu, o /l/ que trava sílaba já é velarizado, sendo representado pelo símbolo [ɫ]: alto, [ˈaɫtu]; mal, [maɫ]; a vocalização da consoante assim articulado é uma evolução previsível. Ivo Castro, na Introdução à História do Português (Lisboa, Edições Colibri, 2006, pág. 230), refere-se a esse facto:
[...] [N]as palavras acabadas em -al, -el, -il, ol1, a consoante final soa velarizada em Portugal [ɫ], mas no Brasil a sua abertura progrediu e está transformada numa semivogal, pelo que aquelas terminações soam [aw], [ɛw], [iw], [ɔw].
1 Também em -ul: azul, [aˈzuw].