Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

«Lá vai o russo e as canastras.»

«Seja russo o cavalo e seja qualquer.»

«Paga o holandês pelo mal que não fez.»

«Ou forca ou índia ou marco de estrada.»

«Pode enganar-se os mandarins, nunca insultá-los.»

Escrevo sobre as nacionalidades nos provérbios e não sei o que querem dizer estes provérbios.

Alguém pode ajudar-me?

Resposta:

Lamento, mas o que vou expor a seguir pouco adianta sobre o significado da maior parte dos provérbios apresentados por duas razões: parecem-me ser pouco usados; as fontes consultadas não esclarecem o seu sentido.

1. «Lá vai o russo e as canastras»

Provérbio registado por José Pedro Machado, em O Grande Livro dos Provérbios (Lisboa, Editorial Notícias, 2005), sem comentários. Como não me é familiar, suponho que se aplique, pelo menos, a duas situações: a) quando alguém vê goradas as suas expectativas; b) como comentário jocoso ou depreciativo sobre uma pessoa ou um grupo de pessoas.

2. «Seja ruço o cavalo e seja qualquer» (e não «seja russo o cavalo e seja qualquer»)

A forma do provérbio que encontro registada também em Machado (op. cit.) é «seja ruço o cavalo e seja qualquer», não tendo que ver, portanto, com o gentílico russo. Penso que não é um provérbio muito frequente, que parece interpretável como «vale tudo».

3. «Paga o holandês pelo mal que não fez»

Deve ser variante de «Como o holandês, pagou o mal que não fez», recolhido por José Ricardo Marques da Costa, em O Livro dos Provérbios Portugueses (Lisboa, Editorial Presença, 2004). Parece equivalente a «paga o justo pelo pecador».

4. «Ou forca ou índia ou marco de estrada»

Não o conheço, nem o encontro registado em dicionários de provérbios.

5. «Pode enganar-se os mandarins, nunca insultá-los...

Pergunta:

Há erro de concordância na frase «Porque de complicado já basta a mudança»?

Resposta:

Penso que a sequência — que não é frase completa — pressupõe esta outra:

1. «... porque para alguma coisa de complicado já basta a mudança.»

Ou seja, a expressão «de complicado» costuma aparecer associada a algo, alguma coisa, quê:

2. «A mudança tem algo de complicado/alguma coisa/um quê/o seu quê de complicado.»

Nesta construção, complicado é um adjectivo usado substantivamente, não tendo, portanto, de concordar com mudança.

Por outro lado, convém observar que estamos perante uma construção que, de certo modo, se cristalizou segundo o esquema: «para [substantivo ou adjectivo] já basta [substantivo]».  Sendo assim, a sequência ficaria melhor com outra formulação — sugiro três:

«... porque para complicada já basta a mudança.»

«... porque para complicação já basta a mudança.»

«... porque para complicações já basta a mudança.»

Pergunta:

Numa frase como «São coisas a respeito das quais não se pode dizer nada», considero que o pronome relativo desempenha a função de complemento nominal. No entanto, minha dúvida se relaciona a locuções prepositivas que contêm palavras como respeito («a respeito de»), relação («em relação a»), etc. Quero saber se, de fato, essas locuções por si mesmas introduzem termos que, ao desempenhar funções adverbiais, também introduziriam um complemento nominal após a última preposição da locução. Transcrevendo frase acima para «Eu não tenho nada a dizer a respeito dessas coisas», posso considerar, aqui, «dessas coisas» como complemento nominal?

Resposta:

Não. Apesar de respeito ser um substantivo, o facto de fazer parte de uma locução prepositiva, «a respeito de», equivalente a sobre, impede a classificação do seu complemento como nominal: «São coisas a respeito das quais não se pode dizer nada.» = «São coisas sobre as quais não se pode dizer nada.» O pronome relativo «as quais» integra assim um constituinte, «a respeito das quais», que tem a função de adjunto adverbial de «não se pode dizer nada».

Pergunta:

Aparece em algumas respostas do Ciberdúvidas a rejeição da palavra controlo, preferindo-se, por exemplo, verificar. Tenho, no entanto, de discordar em parte. A palavra controlo, nas áreas de engenharia e tecnologia, tem um significado complexo e "representa" um processo de várias etapas: verificação, processamento, decisão e acção. E assim sucessivamente e ciclicamente. Ou seja, não fará sentido dizer «estou à janela a controlar o trânsito», uma vez que não tenho a capacidade de parar ou mover os automóveis. Mas fará sentido dizer que o polícia de trânsito está a "controlar", uma vez que verifica o fluxo de automóveis das várias vias, pensa, decide e ordena que uns parem e outros avancem.

Gostaria de saber a vossa opinião quanto à utilização de "controlo" no sentido que eu referi.

Obrigado.

Resposta:

Agradecemos o seu reparo, mas convém assinalar que o que se condena é o uso não especializado de controlar. Claro que, no seu sentido rigoroso, só se fala de controlo a propósito da pessoa a quem foi dada ou se reconhece capacidade para efectuar esse controlo.

Pergunta:

«Cuidados de saúde primários», ou «cuidados primários de saúde», qual é a forma gramaticalmente correcta e porquê? E no caso de «cuidados de saúde secundários ou terciários», não deveria ser «cuidados secundários ou terciários de saúde»?

Grato por qualquer esclarecimento que me possam prestar.

Resposta:

Digamos que a pergunta se refere mais à adequação lógico-semântica do que à correcção gramatical. Considerando que «cuidados de saúde» se comporta geralmente como uma unidade, é, pois, mais correcto usar o adjectivo primário depois de toda a expressão, uma vez que esta a qualifica globalmente.