Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual é a origem do topónimo Mealhada, pertencente ao distrito de Aveiro visto que o primeiro registo remonta ao séc. XIII com a designação de "Mealhada Má".

De ressalvar a mesma existência de topónimo no concelho de Loures, e de uma fonte em Castelo de Vide.

Resposta:

Não foi possível reunir dados concretos nem decisivos sobre a etimologia de "Mealhada" para esta resposta.

Trata-se, como bem diz o consulente, de um topónimo que ocorre, pelo menos, três vezes no território Portugal1. A atestação mais antiga deste topónimo, referente à cidade da região da Bairrada, remonta a 1288, de acordo com o estudo de J. Branquinho de Carvalho, "A antiguidade da Mealhada" (Arquivo do Distrito de Aveiro, vol. XVI, 1950, pp. 213-226). Como também se assinala na pergunta, a forma realmente documentada é um composto: Mealhada Má.

Quanto à análise etimológica do topónimo, diga-se que a mais comum é a de se tratar de um derivado de mealha, que seria a denominação de uma medalha de cobre. Mas falta informação que permita esclarecer:

a) se as três Mealhadas identificadas têm realmente a mesma origem;

b) a congruência do significado de mealhada com o espaço e a paisagem onde se encontra a Mealhada bairradina.

Há uma proposta alternativa, a de Almeida Fernandes (Toponímia Portuguesa, 1999), que relaciona Mealhada com malhada, que, entre várias aceções, se usa ou usava no sentido de «redil, local onde se reúne o gado», hipótese que se conjuga com o topónimo Vacariça, nome alusivo à criação de gado bovino e que designa a povoação que foi sede de concelho, à qual se subordinou a Mealhada até à década de 30 do século XIX.

O problema da hipótese de Almeida Fernandes é o de não esclarecer a relação entre Mealhada e...

Pergunta:

Gostava de saber se o verbo docere (latim) pode assumir o significado de «conduzir» e se o termo docente pode ser considerado «aquele que conduz».

Resposta:

A palavra docente vem do particípio presente docens, docentis, «que ensina», do verbo latino docēre, «ensinar», mas este não tem etimologicamente relação com conduzir.

Com efeito, conduzir vem do latim conducĕre, que encerra a raiz duc-, que parece remontar à raiz indo-europeia *deuk-, «puxar, arrastar, conduzir»1. A raiz de docēre provém de outra raiz, também indo-europeia, *dek-, «tomar, aceitar»2. Apesar da semelhança formal das raízes indo-europeias mencionadas, não parece haver relação direta entre elas, pois a verdade é que não se consegue recuar mais no tempo para achar entre elas eventual relação.

Note-se, porém, que em educar e, portanto, educação, educativo e educador, existe a raiz latina duc-, com a qual se relaciona diretamente conduzir e palavras conexas como condução e condutor.

Em suma, no campo lexical do ensino-aprendizagem, há palavras que se relacionam com a noção de «conduzir, liderar», mas não através da palavra docente, que remonta a uma raiz com outro significado.

1 Consultou-se o Online Etymology Dictionary, que inclui a raiz *deuk.

2 Ver *dek- no Online Etymology Dictionary.

Pergunta:

Ouve-se e lê-se muitas vezes «o que gosto».

Segundo percebo por respostas anteriores, o verbo gostar pede o de.

No entanto, hesito numa frase como «O que gosto é de jogar futebol». Numa frase como esta, não devemos duplicar o de e escrever «Aquilo de que gosto é de jogar futebol»? Ou «O que gosto» basta?

Obrigado.

Resposta:

O par pronominal o que1 funciona globalmente como um pronome relativo. Deste modo, tal como se diz e escreve:

(1) «De quem gosto é de ti.» = «A pessoa de quem gosto és tu.»

também diz e escreve:

(2) «Do que gosto é de futebol.» = «Aquilo de que gosto é de futebol.»

Por outras palavras, junta-se a preposição diretamente aos pronomes relativos quem e o que, que podem introduzir orações relativas sem antecedente.

Nada disto contraria o facto de «Aquilo de que gosto é de jogar futebol» constituir uma frase correta.

 

1 O que é classificado mais recentemente como locução pronominal relativa – cf. Gramática do Português, Fundação Calouste Gulbenkian, 2013-2020, pp. 2085-2089.

Pergunta:

De que origem é a palavra clítico?

Resposta:

O aparecimento e uso do termo clítico foi motivado pelo inglês clitic, forma truncada de enclitic e proclitic. Estes termos começaram por se usar em estudos de linguística em inglês e francês, a partir do grego klísis, eós, «ação de inclinar, pôr do sol, flexão, declinação, aumento (no início, no meio, no fim)», nome derivado do verbo também grego klínó, «inclinar».

O termo clítico tem, portanto, a sua origem mais recuada num verbo grego que significa «inclinar», o que vai ao encontro da descrição das palavras clíticas, que não têm acento próprio e se apoiam (daí a metáfora de se "inclinarem") sobre outras palavras com maior autonomia.

Pergunta:

Qual é a forma correta de escrever: "artrite psoriásica", "artrite psoríaca" ou "artrite psoriática"?

As três formas são encontradas em diferentes textos, mas em nenhum lugar se fala sobre a origem do termo ou qual a forma adequada de escrevê-lo.

No site dos medicamentos de Alto Custo, utiliza-se o termo "psoríaca".

Em sites de sociedades médicas, os termos psoriásica e psoriática são preferidos.

Todas as formas estão corretas?

Resposta:

Atendendo aos dicionários gerais, todas as formas mencionadas têm registo e são legítimas, a par de psórico, a qual seria a mais correta do ponto de vista linguístico e filológico, embora pareça ter pouco uso.

Psoríaco tem também entrada em vários dicionários1, e, portanto, seria também recomendável. Contudo, psoriásico e psoriático são as formas que se destacam. Como não avultam argumentos linguísticos claros para as rejeitar, pode considerar-se que são termos bem formados e, portanto, aceitáveis2.

Observe-se que psoriásico ocorre frequentemente em publicações especializadas e tem registo dicionarístico, embora escasso, pois, entre as fontes consultadas, apenas o Dicionário Priberam o acolhe. Psoriático parece estar mais presentes nos dicionários, pelo menos, nos de Portugal.

Todos estes adjetivos são relativos a psoríase, termo que designa «doença cutânea caracterizada por descamação epidérmica provocada pela inflamação crónica da derme, localizada sobretudo nos cotovelos, nos joelhos e no couro cabeludo» (dicionário da Infopédia). É termo que vem do grego psóríasis, eós 'erupção sarnenta', pela via do latim científico psoriasis (Dicionário Houaiss).

 

1 Ver