Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual é a origem de Escudial, que é o nome de uma quinta na zona de Seia?

Obrigado.

Resposta:

Nas fontes de que dispomos1, não temos informação sibre o topónimo Escudial.

Poderá pensar-se num derivado de significado coletivo de escudo, mas é difícil compreender a motivação, a não ser que se pense num uso figurativo alusivo a um aspeto do terreno ou da mensagem, uso que, no entanto, também aqui não é prossível documentar.

Foneticamente, poderá também supor-se que é deturpação de escorial, no sentido de «campo de escórias de metais», que se atesta no dicionário de Cândido de Figueiredo.

 

1 Consultaram-se o Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa (2003), de José Pedro Machado, e o Dicionário Corográfico de Portugal Continental e Insular (1938), de Américo Costa.

Pergunta:

No mundo veterinário, incluindo em legislação veterinária e documentação técnica, é muitas vezes utilizada a designação «aves de capoeira» como referência a um conjunto muito específico de espécies de aves.

Deparei-me entretanto com a seguinte designação que pretende reportar-se ao universo de todas as outras aves que não aquelas: «aves não de capoeira».

Por me parecer, independentemente de outras questões de rigor técnico, que a designação não faz sentido na língua portuguesa e que, quando muito, a designação deveria ser «aves que não de capoeira», muito agradecia o vosso parecer e fundamento.

 

Resposta:

Não é possível apresentar aqui a resposta categórica talvez esperada, porque a definição do termo correto numa área profissional, técnica ou científica, não decorre meramente da gramática. De facto, decorre também das convenções linguísticas entre veterinários.

Mesmo assim, concordando com o que diz o consulente, cabe dizer que a expressão «aves não de capoeira», embora possível – teoricamente, do ponto de vista das regras –, se torna estranha, porque casos como os de «casa de pedra» não costumam ter por contraste construções como «casa não de pedra».

Na verdade, quando se trata de caracterizar um substantivo, é possível empregar não antes de adjetivo com função atributiva – «ave canora», «ave não canora» –, mas afigura-se menos corrente (ainda que não impossível) associá-lo a uma expressão introduzida por preposição – por exemplo, «ave de capoeira»/ ? «ave não de capoeira».

Talvez o que se pretenda dizer necessite de mais palavras: «aves criadas em liberdade».

 

Nota: Numa troca de mensagens com o Consultório, o próprio consulente pôde avançar com informação mais concreta e esclarecedora sobre o uso técnico-profissional da expressão em apreço. Assim, dá ele conta de que, no Regulamento (UE) 2016/429, se fixam e definem dois termos: «aves de capoeira», aves criadas ou detidas em cativeiro para a produção de carne, ovos de consumo e outros produtos, bem como para a reconstituição de efetivos cinegéticos de aves e para efeitos de reprodução de aves utilizadas para os tipos de produção antes referidos; e «aves em cativeiro», quaisquer aves, que não sejam as aves de capoeira, detidas em cat...

«A importância da liberdade perdurar»,  <br>ou «de a liberdade perdurar»?
A escrita de preposições com orações de infinitivo

« [E]m Portugal, a regra da separação da preposição antes de oração de infinitivo é antiga e até estava consignada nas Bases Analíticas da Convenção de 1945» – assinala o consultor Carlos Rocha, a propósito do uso de preposições, em especial de, seguidas de orações de infinitivo, como é o caso de «(a importância) de a liberdade perdurar».

Pergunta:

Agradeço mais uma vez o trabalho realizado no Ciberdúvidas, que por diversas vezes já me foi muito útil.

Gostaria de saber, por favor, se a forma "salvaguardador" é aceita pela norma culta em língua portuguesa? Embora já me tenha deparado com o vocábulo "salvaguardador" tanto em artigos, quanto em textos de jornais, não o encontrei nos dicionários que pesquisei.

Obrigada.

Resposta:

A palavra salvaguardador1 está bem formada, e a falta de registo no dicionário não é indicativa de incorreção.

Na verdade, várias são as palavras sufixadas (como é caso desta) que os dicionários se dispensam de registar, como observa Margarita Correia em Os Dicionários Portugueses (Lisboa, Editorial Caminho, 2009, pág. 89):

«[...] [T]endo [os dicionários] de deixar algumas palavras de fora, as primeiras a serem sacrificadas sejam aquelas que têm categoria, significado e usos altamente previsíveis a partir da sua estrutura interna. Exemplos de palavras deste tipo são os advérbios derivados com o sufixo -mente sobre a forma de feminino dos adjectivos, os adjectivos que provêm de formas de particípios passados verbais, muitos adjectivos construídos com os sufixos -vel e -nte sobre temas dos verbos, assim como muitas palavras derivadas por prefixação com os prefixos anti-, pró-, pré-, super-, entre outros.»

As palavras sufixadas com -dor são bastante correntes e, portanto, alinham com os exemplos mencionados na citação, ou seja, nem sempre encontram entrada nos dicionários.

1 Como derivado de salvaguardar, «defender, proteger», infere-se que salvaguardador significa «que salvaguarda» e «aquele/aquilo que salguarda», visto que o sufixo -dor denota um agente, tal como acontece com salvador («(o) que salva») ou separador («(o) que separa»).

Pergunta:

Às vezes no português europeu a letra e pode mudar a pronúncia e tornar-se num [i] quando está no final da palavra e a seguinte palavra também começa com uma vogal.

Por exemplo, «treze euros» ['trezi 'ewɾuʃ] ou na frase «vou à casa de alguém» [...di aɫˈɡɐ̃j̃].

Queria saber se a letra e sempre se pronuncia como [i] quando a seguinte palavra começa com uma vogal ou há vogais específicas que façam com que mude a pronúncia do e. Existem regras com respeito às propriedades da vogal da palavra seguinte em relação a esse fenómeno?

A vogal que segue deve ser sempre aberta, por exemplo? E quais são os casos onde a e não se torna [i] embora a palavra seguinte comece com uma vogal?

Resposta:

No caso de «treze euros», o e final de treze passa de facto a /i/ e, na realização fonética, a semivogal, por se encontrar antes de vogal em sílaba tónica:

(1) «treze euros» = "trezieuros" [tre'zjewɾuʃ]

Ou seja, a realização de /i/ como [j] tem lugar antes de vogal que é núcleo de sílaba tónica.

Contudo, quanto a «de alguém», a realização pode ser de duas maneiras1:

(2) «de alguém» = "dialguém" [djaɫˈɡɐ̃j̃]

(3) «de alguém» = "dalguém" [daɫˈɡɐ̃j̃]

Se /i/ preceder vogal em sílaba átona, pode haver3:

a) semivocalização – [j] em [djaɫˈɡɐ̃j̃];

b) elisão – [∅], isto é, a queda de /i/, tal como sucede em [daɫˈɡɐ̃j̃].

 

1 N. A. (atualização em 18/04/2023, 15h00) – Maria Helena Mateus e Ernesto d'Andrade (The Phonology of Portuguese, Oxford University Press, 2000, p. 147) observam que, nos numerais doze, treze, catorze e vinte, o e semivocaliza como [j] quando a palavra seguinte começa por vogal: «treze horas» = "trezioras", [tre'zjɔɾɐʃ]. Contudo, se treze é seguido da conjunção e, como em «treze e quinze», pode gerar-se ambiguidade e a sequência ser entendida como «três e quinze» (cf. ibidem, nota 18). Além disso, em variedades regionais, não é de excluir que o -e sofra elisão mesmo antes de outras vogais – «treze horas» –, mas não foi aqui possível documentar tal eventualidade na literatura.

2 Apresenta-se entre aspas altas uma pronúncia figurada e ...