Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber qual o nome dos seguidores do reformador religioso John Wycliffe. Será «wycliffeanos», «wycliffistas», ou será outro nome ainda? Estive a procurar na Net, mas não encontrei.

Resposta:

O Dicionário Houaiss regista as formas wycliffismo e wiclefismo no sentido de «doutrina do teólogo inglês John Wycliff (1320-1384), que se opunha ao papado, às indulgências, ao sacramento eucarístico e ao culto de imagens, antecipando diversos temas posteriomente consagrados pela Reforma protestante».1 Como o verbete de wycliffismo remete para wiclefismo, infere-se que é wiclefismo a grafia recomendada. A estes substantivos correspondem os substantivos e adjetivos wycliffista e wiclefista, «que ou aquele que segue ou conhece em profundidade a doutrina do teólogo inglês Wycliff». Refira-se ainda que os vocabulários ortográficos atualmente disponíveis (VOLP da Academia Brasileira de Letras, VOLP da Porto Editora, e Vocabulário Ortográfico do Português do ILTEC) convergem ao registarem os três as formas wiclefismo e wiclefista.

Dito isto, não me parece de descartar a forma wycliffiano ou wiclefiano2, como adjetivo relacional, usado na acepção de «relativo a John Wycliff», sem referência especial à sua doutrina. Esta possibilidade permitiria fazer a destrinça entre, por exemplo, a oratória de Wycliffe – «oratória wiclefiana» – da doutrina desen...

Pergunta:

Nos dicionários de português que tenho mais próximos não encontro o adjectivo sartorial. Sei que existe em espanhol e em inglês, derivado do latim sartorius. Será correcto utilizá-lo como neologismo em português, tendo em conta a sua raiz latina?

Resposta:

É correto o uso de sartorial.

Trata-se de adjetivo registado no Dicionário Houaiss, derivado sufixal de sartório (cf. laboratório, laboratorial), termo da área de anatomia usado como substantivo masculino, na acepção de «músculo longo e estreito situado na região anterior e  interna da coxa; músculo costureiro», ou como adjetivo, significando «designativo do músculo localizado na parte anterior da coxa» (edição em linha do Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora). Não se pode dizer que sartório seja um neologismo, uma vez que a sua datação recua, pelo menos, a finais do século XIX (cf. Dicionário Houaiss, que refere atestação de 1899). Quanto a sartorial, o registo a que faço referência é de facto muito mais recente, pelo que se pode ainda considerar um neologismo. No entanto, a sua formação enquadra-se nos casos de formas vocabulares que ocorrem esporadicamente porque resultam da produtividade de certas regras e esquemas  linguísticos.

Em relação à etimologia destes termos, considera-se que sartório procede do latim científico sartorius, com o mesmo significado, por sua vez formado a partir do latim clássico sartor, ōris, «emendador, remendão», «do radical de sartum, sup[i]n[o] de sarcīre, "coser, remenda...

Pergunta:

Consultando as respostas que deram anteriormente, não fiquei esclarecido.

Em relação a iceberg, a primeira e a segunda respostas parecem-me contraditórias.

Quanto a baseball, nesta resposta fico sem saber como se pronuncia de acordo com a lexicografia portuguesa.

Afinal, como se escrevem e como se pronunciam em língua portuguesa, em Portugal, as palavras correspondentes a iceberg e baseball?

Resposta:

1. Aportuguesamento de iceberg

As respostas podem parecer contraditórias, mas refletem a insatisfação com a grafia do aportuguesamento de iceberg, já que, para o português, os lexicógrafos parecem esquecer-se de adaptar a correspondência entre a grafia i e a fonia [ai] deste empréstimo inglês quando registam icebergue. Deste modo, a resposta de Helena Pecante é uma crítica a essa prática, enquanto a de Fernando V. Peixoto da Fonseca se limita a dar conta do aportuguesamento oficial sem mais comentários. Por outras palavras, mantém-se o impasse, porque geralmente se pronuncia como "aicebergue" a palavra grafada icebergue (cf. Vocabulário Ortográfico do Português), muito embora no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa figure, a par da forma com ditongo [aj], outra não ditongada, "icebergue" (transcrição fonética [isɨˈbɛɾgɨ]).

2. Aportuguesamento de baseball

A resposta apresenta duas grafias que correspondem a pronunciações que se enquadram no conjunto de correspondências regulares entre grafia e fonia da ortografia do português. Assim, a forma basebol será articulada no português europeu como [bazɨˈbɔɫ], e beisebol, como [bɐjzɨˈbɔɫ]. 

 

N.E. – 

Pergunta:

Gostaria de saber o plural de «cartão jovem». Será «cartões jovens», ou «cartões jovem»?

Resposta:

Tendo em conta que, em Portugal, por «cartão jovem» se entende não um cartão que é jovem, mas, sim, um cartão que se destina a jovens, parece-me de recomendar o plural «cartões jovem». Considero, portanto, que jovem é aqui usado nas mesmas condições que certos nomes próprios como Visa em «cartão Visa», cujo plural é «cartões Visa». Noto, porém, que, dada a difusão deste documento, a expressão «cartão jovem» se tem consolidado como substantivo com referência autónoma, facto que me leva a sugerir a grafia não atestada "cartão-jovem".

Pergunta:

Qual é a função sintática dos elementos posteriores ao verbo reagir?

a) «Os alunos reagiram calmamente.»

b) «Os alunos reagiram calmamente ao que foi dito.»

O verbo reagir exige sempre complemento oblíquo?

Resposta:

O verbo reagir pode não exigir sempre complemento oblíquo. Por exemplo, usa-se intransitivamente, em certos contextos: «os manifestantes invadiram o recinto, e os guardas reagiram» (= os guardas intervieram).

Sendo assim, calmamente é um modificador tanto na frase a) como na b). Quanto a «ao que foi dito» em b), trata-se de um complemento oblíquo, como, aliás, a consulente aponta.