Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Tenho lido «continente africano» com as iniciais tanto em maiúsculas quanto em minúsculas. O mesmo se refere à expressão «celebração eucarística».

Quando se poderá escrevê-las com as iniciais em maiúsculas e minúsculas?

Resposta:

Não encontro normas que se apliquem diretamente sobre as expressões em apreço. Podem, no entanto, usar-se maiúsculas iniciais, se, entre os responsáveis de uma publicação, se considerar que tais expressões devem ter maiúsculas iniciais para assinalar a importância das realidades designadas em dado contexto.

 

N.E. [24/04/2014] – São estas as regras do uso das minúsculas e das maiúsculas, estipuladas no Acordo Ortográfico de 1990 (Base XIX): 

 

DAS MINÚSCULAS E MAIÚSCULAS

1 A letra minúscula inicial é usada:

a) Ordinariamente, em todos os vocábulos da língua nos usos correntes.

b) Nos nomes dos dias, meses, estações do ano: segunda-feira; outubro; primavera.

c) Nos bibliónimos (após o primeiro elemento, que é com maiúscula, os demais vocábulos podem ser escritos com minúscula, salvo nos nomes próprios nele contidos, tudo em grifo): O Senhor do Paço de Ninães, O Senhor do paço de Ninães, Menino de Engenho, Menino de engenho, Árvore e Tambor ou Árvore e tambor.

d) Nos usos de fulano, sicrano, beltrano.

e) Nos pontos cardeais (mas não nas suas abreviaturas): norte, sul (mas: SW sudoeste).

Pergunta:

Quando se escrevem numerais ordinais ou abreviaturas, a forma correta obriga à introdução de dois carateres: o ponto (.) e um dos símbolos º ou ª (por exemplo, «art.º 1.º» ou «ref.ª»).

 

No entanto, a fonte Calibri (disponível em ferramentas Microsoft Office) disponibiliza um caráter que apresenta ambos os símbolos em simultâneo. É correta a "duplicação" que ocorre quando se introduz o ponto e o tal "caráter combinado"?

A presente caixa de texto não me permite ilustrar esta situação (está formatada como texto simples), mas chamo a atenção para a vossa pergunta número 16 331, em que tal situação é evidente.

Resposta:

Se houver duplicação — p. ex., 1..º — é claro que a forma não está correta, porque o que se espera é 1.º, com apenas um ponto de abreviatura e vogal em expoente. Mas parece-me que a consulente quer antes referir-se ao traço por baixo do º sobrescrito. Se assim for, note que este uso é tradicional em português e está correto, mas, pelo facto de certas fontes informáticas não o assinalarem, tem caído em desuso.

Pergunta:

Gostaria de saber se se deve utilizar a preposição de com o verbo ser.

Devo dizer: «A variação homóloga do sector foi de 3%», ou «a variação homóloga do sector foi 3%»?

Resposta:

Pode dizer das duas maneiras, que não são exatamente iguais:

a) «A variação homóloga do sector foi de 3%» = «a variação... foi [uma variação] de 3%»;

b) «A variação homóloga do sector foi 3%» = «a variação... foi igual a 3%».

Pergunta:

O Dicionário Aulete regista, também, as formas circuncisado e circuncisador. Há algum motivo para que não possa existir a forma verbal circuncisar? Circum/n- (elemento de formação: em volta de) + cisar (cortar, separar, aparar). Se temos, por exemplo, circum-navegar ou circunvoar, porque não circuncisar?

Resposta:

A razão é etimológica. O verbo correspondente a circuncisão vai buscar a sua forma ao latim, conforme se anota no Dicionário Houaiss:

«lat. circumcīdo, is, di, sum, dĕre, "cortar ao redor, cercear, decotar, amputar, aparar, podar, circuncidar"; a mudança de conj[ugação] do lat[im] para o port[uguês] talvez tenha sido por infl[uência] do v[erbo]. dar

Note-se, contudo, que o verbo cisar se encontra dicionarizado nas acepções de «aparar, cortar, tasquinhar» ou, como arcaísmo, com o significado de «furtar nas compras ou pequenos negócios», o que poderia legitimar a forma "circuncisar". Mesmo assim, há que atender à história do verbo circuncidar cujo sentido se especializou, para querer dizer «praticar a circuncisão em (por motivos religiosos ou não)», a par dos sentido figurados «reprimir, conter, corrigir» e «purificar».1

De referir que circuncidar se relaciona etimologicamente com o o verbo cindir, «dividir(-se) em duas ou mais partes; afastar(-se), separar(-se)», do latim scindo, is, scicĭdi, scīssum, scindĕre, "fender, rachar", ao qual diz respeito o substantivo cisão, também do latim

Pergunta:

Tendo em conta o que os senhores disseram na vossa resposta, gostaria de saber como se pronuncia a primeira sílaba do termo emigração, isto é, se com i ou se com e e de que tipo: se com e de bidé, com e de porquê, ou com e de cebola.

Peço desculpa por não saber o nome técnico (sons abertos, sons…), mas tenho pouca formação.

Muito agradecido.

Resposta:

Pronuncia-se com o e fechado de porquê, ou seja, usando certa terminologia linguística, com uma vogal palatal média alta (cf. António Emiliano, Fonética do Português Europeu: Descrição e Transcrição, Lisboa, Guimarães Editores, pág. 170).

Esclareça-se também que, por se encontrar em sílaba inicial átona, a vogal tenderia a pronunciar-se como [i] (cf. elefante = "ilefante"). No entanto, pronuncia-se com e fechado de modo a distinguir a palavra do seu antónimo, imigração, que começa com [i] em posição átona. O que aqui se diz sobre estes substantivos também se aplica aos pares emigrante/imigrante e emigrar/imigrar.