Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Há uma palavra portuguesa que denota a profissão da pessoa que faz a máscara dos actores no teatro? Em alemão chama-se Maskenbildner.

Resposta:

O consulente não explica exatamente o que entende por máscara no contexto do teatro. Pode tratar-se de «artefacto de cartão, pano, cera e/ou outros materiais, que representa uma cara ou parte dela, e destinado a cobrir o rosto para disfarçar a pessoa que o põe» (Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora), tal como se usava no teatro da Antiguidade ou na commedia dell´arte italiana e ainda se usa quando se põem em cena peças desses períodos. Neste caso, chama-se aderecista ao profissional que faz a máscara.

Mas a palavra pode também referir-se à caracterização do ator, a qual tem por responsável um profissional que é designado por caracterizador ou uma caracterizadora.

Caso máscara se defina apenas como maquilhagem (maquilagem ou maquiagem, no Brasil; cf. Dicionário Houaiss), é possível ainda falar-se em maquilhador ou maquilhadora (maquilador/maquiladora e maquiador/maquiadora, também no Brasil; cf. idem).

Note-se ainda que a palavra alemã Maskenbildner abrange a atividade de cabeleireiro, como aponta o verbete correspondente à palavra em apreço na versão em linha do dicionário de alemão Duden:

«Maskenbildner jemand, der bei Theater, Film, Fernsehen die Schauspieler schminkt und frisiert (Berufsbezeichnung)» («alguém que maquilha e corta o cabelo aos atores no teatro, cinema e televisão — designação de ...

Pergunta:

É correto falar a frase: «isto é um erro clássico»?

Ou só podemos falar: «isto é um erro crasso»?

Resposta:

São expressões com significados diferentes, porque clássico e crasso não são sinónimos. Assim, de acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, o adjetivo clássico tem as aceções de «modelar», «relativo à Antiguidade greco-latina e à sua literatura», «que corresponde aos padrões de perfeição de uma determinada época», «conforme aos usos, sóbrio», «habitual». Por crasso, entende-se «grosso; espesso», «cerrado; denso», «opaco» e, em sentido figurado, «grosseiro». Em conclusão:

– «erro clássico»: «erro habitual»;

– «erro crasso»: «erro grosseiro, enorme».

 

Cf.  A Crasso o que é erro de Crasso 15 Expressões Populares da Língua Portuguesa

Pergunta:

Em relação às palas, nas fachadas dos edifícios, destinadas a fazer sombra, ouvia em tempos que eram «palas de sombreamento», mas actualmente ouço quase sempre «palas de ensombramento» (que me parece um termo feio).

Estão ambos correctos?

Resposta:

Trata-se de expressões sinónimas.

Tanto sombreamento como ensombramento são palavras derivadas de verbos sinónimos, sombrear e ensombrar, os quais podem significar tanto «dar sombra» como «causar tristeza» (cf. Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e Dicionário Houaiss). Uma vez que sombreamento e ensombramento se referem aos atos ou os efeitos correspondentes aos significados dos verbos donde derivam (cf. Machado, op. cit.), não se afigura razão para considerar a expressão «pala de sombreamento» mais correta ou adequada do que «pala de ensombramento».

Pergunta:

1. Em português, haveria um gentílico para Latgália, ou Latgale, antiga região da Letônia?

Quanto à forma do topônimo, qual das duas acima elencadas seria a melhor?

2. Qual seria o gentílico da Selônia, antiga região da Letônia?

3. Qual seria o gentílico da Semigália, ou Semigola, antiga região da Letônia?

Quanto à forma do topônimo: qual das duas acima elencadas seria a melhor?

4. Qual seria o gentílico de Vidzeme, antiga região da Letônia?

Resposta:

Os corónimos em apreço não parecem ter tradição nem apresentar forma estável em português. O mesmo se pode dizer dos respetivos gentílicos. Mesmo assim, apresento breves comentários sobre cada um deles:

1. Latgália

Esta forma apresenta uma sequência que é muito pouco frequente em português (ocorre só em derivados de nomes estrangeiros). Deste modo, seria de esperar que o t fosse seguido de uma vogal de apoio, e, o que significa que a grafia deveria ser "Lategália". Trata-se, no entanto, de uma forma não atestada, que aqui se apresenta a título de sugestão.

2. Selónia e Semigália

São formas aceitáveis à luz dos critérios ortográficos do português.

3. Vidzeme

A sequência "dz" é pouco frequente na ortografia portuguesa. Mesmo assim, registam-se formas como adzáneni, dzeta ou dzimba, pelo menos, na lexicografia brasileira, as quais permitem legitimar a forma Vidzeme.

Como é de esperar, se estes nomes não têm forma conhecida ou estável em português, o mesmo se pode dizer dos respetivos gentílicos. Várias opções se oferecem: ou se obtém o gentílico por sufixação — "lategaliano", "seloniano", "semigaliano", "vidzemiano", seguido o modelo de ucraniano (de Ucrânia) —, ou se convertem os corónimos em gentílicos: "latgálio", "selónio", "semigálio", "vidzeme" (cf. livónio, estóni...

Pergunta:

Gostaria de saber qual o nome dos seguidores do reformador religioso John Wycliffe. Será «wycliffeanos», «wycliffistas», ou será outro nome ainda? Estive a procurar na Net, mas não encontrei.

Resposta:

O Dicionário Houaiss regista as formas wycliffismo e wiclefismo no sentido de «doutrina do teólogo inglês John Wycliff (1320-1384), que se opunha ao papado, às indulgências, ao sacramento eucarístico e ao culto de imagens, antecipando diversos temas posteriomente consagrados pela Reforma protestante».1 Como o verbete de wycliffismo remete para wiclefismo, infere-se que é wiclefismo a grafia recomendada. A estes substantivos correspondem os substantivos e adjetivos wycliffista e wiclefista, «que ou aquele que segue ou conhece em profundidade a doutrina do teólogo inglês Wycliff». Refira-se ainda que os vocabulários ortográficos atualmente disponíveis (VOLP da Academia Brasileira de Letras, VOLP da Porto Editora, e Vocabulário Ortográfico do Português do ILTEC) convergem ao registarem os três as formas wiclefismo e wiclefista.

Dito isto, não me parece de descartar a forma wycliffiano ou wiclefiano2, como adjetivo relacional, usado na acepção de «relativo a John Wycliff», sem referência especial à sua doutrina. Esta possibilidade permitiria fazer a destrinça entre, por exemplo, a oratória de Wycliffe – «oratória wiclefiana» – da doutrina desen...