Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Nas frases «Eu tenho o cabelo molhado» e «O carro tem o pneu furado», qual a função sintática desempenhada por molhado e furado?

Eu entendo que será o nome predicativo do complemento direto, apesar de o verbo ter não pertencer à lista dos verbos que exigem PCD. No entanto, as frases tornam-se agramaticais sem este constituinte.

Resposta:

Trata-se efetivamente de um predicativo do complemento direto.

Note-se, contudo, que a agramaticalidade decorrente da supressão deste predicativo advém do facto de o verbo ter ocorrer numa construção resultativa (ter alguém, alguma coisa + particípio passado). Por outras palavras, a presença de um verbo numa lista de itens com determinado comportamento sintático não impede que esse mesmo verbo apareça noutras estruturas, associado a outros valores semânticos, podendo, por isso, pertencer a outros elencos.

Assinale-se que Inês Duarte e Fátima Oliveira se referem a essa construção com particípio passado ("Particípios resultativos", XXV Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística, pp. 397-408):

[...] o português dispõe igualmente de uma construção resultativa encabeçada pelo verbo leve ter, em que o argumento interno directo entra num estado resultante de um evento prévio.

Num estudo sobre o particípio passado em português (Marcin Wlodek, "O particípio português — formas e usos", in Romansk Forum, n.º 17, 2003, pp. 43-53), descreve-se esta estrutura, também selecionada por outros verbos:

[...] o particípio é muito usado como elemento predicativo ligado ao complemento directo dos verbos ter, trazer, levar e deixar. Nestes casos focaliza-se o estado atribuído ao complemento mediante um particípio que concorda com este em género e número:

Pergunta:

Minhas saudações à mui dileta equipe de Ciberdúvidas. Confesso-lhes que senti falta, e até saudades, de suas atualizações – nesse período de recesso –, dada a assiduidade com que lhes consulto e tamanho contributo que vem prestando, louvavelmente, ao estudo de nossa língua.

Desta vez, gostaria que me auxiliassem nesse exercício de colocação pronominal. Tive algumas dúvidas sobre esse tema.

I. Assinale a alternativa cuja colocação pronominal está incorreta.

(A) Preciso que venhas ver-me.

(B) Procure não desapontá-lo.

(C) O certo é fazê-los sair.

(D) Sempre negaram-se tudo.

(E) As espécies se atraem.

Obs. 1: Tive dúvida na alternativa (B) e (C). Os advérbios não e sempre não são termos atrativos? Isso não levaria a uma próclise?

II. A frase em que a colocação do pronome átono está em desacordo com as normas vigentes no português padrão do Brasil é:

(A) A ferrovia integrar-se-á nos demais sistemas viários.

(B) A ferrovia deveria-se integrar nos demais sistemas viários.

(C) A ferrovia não tem se integrado nos demais sistemas viários.

(D) A ferrovia estaria integrando-se nos demais sistemas viários.

(E) A ferrovia não consegue integrar-se nos demais sistemas viários.

Obs. 2: Suponho que em (B) deveria ser uma mesóclise. Por que o advérbio de negação não não atraiu o pronome

Resposta:

No Ciberdúvidas, há muitas respostas sobre colocação de clíticos, tanto numa perspectiva global como na ótica do contraste entre o português do Brasil e o de Portugal (ver Textos Relacionados). Mesmo assim, vou procurar responder, seguindo a ordem de perguntas do consulente:

I. Onde o consulente diz «opção B», deve muito provavelmente ler-se «opção D», porque é esta que apresenta o advérbio sempre. Sendo assim, a resposta é afirmativa: não e sempre são atratores da próclise.

II. Em B, a forma "deveria-se" está incorreta, devendo ser substituída por uma forma em que o pronome se encontra ligado ao auxiliar, em mesóclise, se não for antecedido de um atrator da próclise: «dever-se-ia». Isto não exclui que o pronome esteja ligado ao verbo principal: «deveria integrar-se». A respeito da opção C, são possíveis duas formas: «A ferrovia não se tem integrado nos demais sistemas viários» (português do Brasil e português de Portugal); «A ferrovia não tem se integrado nos demais sistemas viários» (aceitável só no Brasil, segundo Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, pág. 317). Quanto a E, são possíveis três formas: «A ferrovia não consegue integrar-se nos demais sistemas viários» (comum às duas variedades); «A ferrovia não consegue se integrar nos demais sistemas viários» (apenas no Brasil, cf. ibidem); «A ferrovia não se consegue integrar nos demais sistemas viários» (colocação mais discutível, por causa do estatuto menos claro de conseguir como auxiliar; cf. Anabela Gonçalves e Teresa da Costa, (Auxiliar a) Compreender os Verbos Auxiliares, Lisboa; Edições Colibri/Associação de Professores de Português, 2002, págs. 83-89).

Pergunta:

Gostaria de saber o que entende por «não frase».

Obrigada!

Resposta:

«Não frase» um termo usado em Portugal, no contexto do ensino da língua portuguesa, sobretudo no 1.º ciclo, para designar uma sequência de palavras que não formam uma frase, confundindo-se com as expressões «frase agramatical» ou «frase não aceitável». Assinale-se que o Dicionário Terminológico não acolhe este termo.

Pergunta:

Na expressão «trepar às árvores», pode considerar-se «às árvores» complemento direto, ou é complemento oblíquo?

Resposta:

A expressão «à árvore» não é complemento direto de «trepar», porque aparece introduzida por preposição, não podendo ser substituída pelo pronome pessoal o (o asterisco indica agramaticalidade):

1. «Trepou à arvore.»

2. *«Trepou-a.»

Trata-se, sim, de um complemento oblíquo, visto ser realizado por um grupo preposicional. Note-se que este grupo não é substituível pelo pronome dativo lhe, não se confundindo, portanto, com um complemento indireto (cf. Dicionário Terminológico):

1. «Trepou à árvore.»

2. *«Trepou-lhe.»

Se 2 pressupuser 1, a ocorrência de lhe não é aceitável, dado que este pronome não pode substituir «à árvore», um complemento oblíquo.

Pergunta:

Há alguma incorrecção na frase «Pode-se dizer desta forma»? Ou não há diferença relativamente a «Pode dizer-se desta forma»?

Resposta:

Não há grande diferença entre as duas sequências, dependendo a opção por uma delas de factores ligados à chamada musicalidade da frase. Cabe referir que já Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, pág. 314/316) consideravam que o pronome átono se pode ligar tanto ao verbo principal (por exemplo, «pode dizer-se») como ao verbo auxiliar («pode-se dizer»).

Uma vez que existem várias respostas publicadas sobre este tema, aconselhamos a leitura de: «Quero pronunciar-me»/«quero-me pronunciar»; A colocação dos pronomes átonos.