Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

O nome oficial da capital do México é Ciudad de México, e nós, os lusoparlantes, por metonomásia, dizemos «Cidade do México». Informalmente ao que tudo indica, também se dizem «Cidade da Guatemala», «Cidade do Panamá», «Cidade de Cingapura», «Cidade do Kuwait». No Brasil de outrora, a capital do estado da Paraíba era oficialmente denominada Cidade da Paraíba, hoje se chama João Pessoa; já a segunda e atual capital do estado de Minas Gerais era, também oficialmente, a Cidade de Minas, posteriormente denominada Belo Horizonte, crisma que perdura até hoje. Há muito que acho curioso que o nome da capital de um país, ou de um estado, fosse formado com a palavra cidade + a preposição de (contraída ou não com artigo) + o nome desse país ou desse estado. E também há muito que especulo se seria porque, em outras épocas, as capitais desses países ou estados eram as únicas com status de cidade, enquanto os demais núcleos urbanos eram vilas, ou se seria porque a palavra cidade tinha também o sentido de capital, isto é, a cidade onde está sediado o governo de um país, estado, etc., porém nunca encontrei a explicação, razão pela qual agora a peço ao nosso sapientíssimo Ciberdúvidas.

Muito obrigado.

Resposta:

Não posso confirmar a hipótese do consulente. É certo que, quando se nomeava uma localidade, havia várias formas de a denominar em função da sua importância. Um centro administrativo teria o estatuto de cidade, mas há cidades na atualidade que eram originalmente chamadas vilas, até porque na Idade Média e mesmo em períodos mais tardios1 se usava frequentemente vila; esta denominação ficou frequentemente fixada na forma do topónimo: Vila Real (Trás-os-Montes); Vila Rica (a atual Ouro Preto, Minas Gerais). Em relação ao Brasil, pelo menos, até ao século XVIII, não é certo que cidade se aplicasse siatematicamente a uma capital. Refira-se o caso de Vila Boa, que recebeu o estatuto de vila e se tornou capital da capitania de Goiás em 1749 (cf. Laurent Vidal, "Sob a máscara do colonial. Nascimento e ´decadência` de uma vila no Brasil moderno: Vila Boa de Goiás no século XVIII, História - São Paulo, vol. 28, n.º 1, 2009, edição em linha).

1Leia-se o seguinte apontamento na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, s. v. cidade (manteve-se a ortografia do original): «Na Idade-Média reservou-se a categoria de cidade, quási exclusivamente, às sedes episcopais. A designação passou depois a aplicar-se às povoações muralhadas, com um número relativamente grande de habitantes. Por fim o uso da categoria de cidade, meramente honorífico, passou a atribuir-se a várias terras, sem que uma norma determinada regulasse a sua aplicação.»

Pergunta:

A conjunção como pode ser usada como conjunção concessiva? E na construção abaixo que valor semântico expressa o referido vocábulo, não seria concessão?

«Bem cuidado como é, o livro apresenta alguns defeitos.»

Resposta:

É difícil afirmar que, no contexto em questão, a palavra como seja uma conjunção subordinativa concessiva. O tipo de construção em apreço é muito semelhante a certas fórmulas concessivas descritas por Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, págs. 601), entre as quais ocorre uma que inclui a conjunção que com valor concessivo:

«/Padre que seja,/ se for vigário na roça, é preciso que monte a cavalo» (Machado de Assis).

Os mesmos autores advertem, no entanto, que «[f]ilólogos eminentes [...] consideram que, em tais construções, o que é um pronome relativo em função de predicativo».

Deste modo, parece que o valor concessivo da frase em questão não está associado especificamente à palavra como, antes deve ser encarado como um valor marcado globalmente pela sequência «bem cuidado como é». E, nesta oração, como pode ser classificado como um advérbio relativo.

Pergunta:

O segundo e do topónimo Sever deve ler-se aberto, ou fechado como no verbo ver?

Resposta:

As fontes consultadas sugerem variação e talvez mudança no padrão da pronúncia deste nome próprio. O Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, regista a forma Sever com a indicação de que o e da sílaba final é fechado. No entanto, António Emiliano, em Fonética do Português Europeu – Descrição e Transcrição (Lisboa, Guimarães Editores, 2009, pág. 350), transcreve os geónimos Sever (nome de rio) e Sever do Vouga com e aberto: [sɨˈvɛɾ].

Pergunta:

Gostaria de saber qual o processo de formação da palavra aventura.

Grata pela atenção.

Resposta:

Considera-se uma palavra simples, que tem origem no francês, segundo o Dicionário Houaiss (abreviaturas desenvolvidas):

«fr. aventure (sXI) "o que vai acontecer a alguém", do latim vulgar adventura, plural neutro substantivado do particípio futuro, reinterpretado como femino singular, do verbo latino advenīre, "chegar, sobrevir" [...].»

Só no latim é que poderá considerar que a palavra é complexa, porque tem prefixo.

Pergunta:

Gostaria de saber a opinião do Ciberdúvidas sobre a grafia correta a utilizar quando nos referimos à capital da Geórgia (país do Cáucaso). No alfabeto georgiano escreve-se თბილისი, o que transliterando dá T'bilisi, sendo que a pronúncia que encontrei é dada como [tʰb̥iˈlisi]. Em português, para além da forma histórica Tíflis (de proveniência russa, e que aparentemente deixou de ser usada em 1936) encontro Tbilisi, Tbilissi (recomendada pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora), Tbilísi, Tbilíssi, Tiblisi, Tiblissi, Tiblísi, Tiblíssi (recomendada pelo Código de Redação Interinstitucional da União Europeia), Tblisi, Tblísi, Tblissi e Tblíssi, todas elas encontradas em fontes de vários órgãos de comunicação social de renome como o Público, a RTP, a TSF, o Diário de Notícias, a SIC, a Globo, a Folha de São Paulo, o Jornal de Angola ou a agência Lusa. A confusão quanto à grafia é de tal forma generalizada, que jornais de referência como o Diário de Notícias acabam por usar seis grafias diferentes. Veja-se:

Tbilisi;

Tbilissi;

Tiblisi;

Tiblissi;

O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (1940) e o Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, não registam qualquer forma que corresponda ao nome da capital georgiana. É no Dicionário Lello que se encontra tal nome, sob as formas Tiflis, Tbilisse e Tbilisi, mas usadas com alguma contradição: a entrada Tiflis é remetida para a forma Tbilisi, que acaba por assumir a forma Tbilisse na entrada efetiva. Ou seja, parece que em português a necessidade de referir tal capital é relativamente recente, o que se reflete em certa instabilidade na forma do nome.

Refira-se que também em espanhol há variação com a forma proveniente da transliteração, mas a Real Academia Espanhola optou pela mais tradicional Tiflis, que não cria dificuldades aos padrões do castelhano. Quanto ao aportuguesamento da transliteração/transcrição Tbilisi, seria possível mantê-la mesmo assim, ou adaptá-la do modo que propõe o consulente. Atendendo ao espanhol, língua em que se usa Tiblisi, que a RAE não recomenda por ser forma híbrida, também em português Tíblissi, forma adotada pelo Código de Redação Interinstitucional para o português nas instituições europeias, parece não ser a mais consistente no processo que medeia a transcrição e o aportuguesamento.

Em suma, abre-se um leque de formas para o nome em questão, e Tebilíssi é mais uma. Aguarda-se que um vocabulário ortográfico que inclua topónimos consiga fixar a forma preferencial.