Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber a opinião do Ciberdúvidas sobre a grafia correta a utilizar quando nos referimos à capital da Geórgia (país do Cáucaso). No alfabeto georgiano escreve-se თბილისი, o que transliterando dá T'bilisi, sendo que a pronúncia que encontrei é dada como [tʰb̥iˈlisi]. Em português, para além da forma histórica Tíflis (de proveniência russa, e que aparentemente deixou de ser usada em 1936) encontro Tbilisi, Tbilissi (recomendada pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora), Tbilísi, Tbilíssi, Tiblisi, Tiblissi, Tiblísi, Tiblíssi (recomendada pelo Código de Redação Interinstitucional da União Europeia), Tblisi, Tblísi, Tblissi e Tblíssi, todas elas encontradas em fontes de vários órgãos de comunicação social de renome como o Público, a RTP, a TSF, o Diário de Notícias, a SIC, a Globo, a Folha de São Paulo, o Jornal de Angola ou a agência Lusa. A confusão quanto à grafia é de tal forma generalizada, que jornais de referência como o Diário de Notícias acabam por usar seis grafias diferentes. Veja-se:

Tbilisi;

Tbilissi;

Tiblisi;

Tiblissi;

O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (1940) e o Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, não registam qualquer forma que corresponda ao nome da capital georgiana. É no Dicionário Lello que se encontra tal nome, sob as formas Tiflis, Tbilisse e Tbilisi, mas usadas com alguma contradição: a entrada Tiflis é remetida para a forma Tbilisi, que acaba por assumir a forma Tbilisse na entrada efetiva. Ou seja, parece que em português a necessidade de referir tal capital é relativamente recente, o que se reflete em certa instabilidade na forma do nome.

Refira-se que também em espanhol há variação com a forma proveniente da transliteração, mas a Real Academia Espanhola optou pela mais tradicional Tiflis, que não cria dificuldades aos padrões do castelhano. Quanto ao aportuguesamento da transliteração/transcrição Tbilisi, seria possível mantê-la mesmo assim, ou adaptá-la do modo que propõe o consulente. Atendendo ao espanhol, língua em que se usa Tiblisi, que a RAE não recomenda por ser forma híbrida, também em português Tíblissi, forma adotada pelo Código de Redação Interinstitucional para o português nas instituições europeias, parece não ser a mais consistente no processo que medeia a transcrição e o aportuguesamento.

Em suma, abre-se um leque de formas para o nome em questão, e Tebilíssi é mais uma. Aguarda-se que um vocabulário ortográfico que inclua topónimos consiga fixar a forma preferencial.

Pergunta:

«Qual o principal conselho que poderá dar aos pais de crianças vegetarianas?»

Nesta frase não há predicado [com] é? Sem o predicado, esta frase está correcta?

Obrigado.

Resposta:

A frase está correta.

Trata-se de uma característica das frases interrogativas onde ocorre o pronome interrogativo qual. Paul Teyssier (Manual de Língua Portuguesa, Coimbra Editora, 1989, p. 161) refere que «pode mesmo empregar-se qual sozinho»: «Quais são as suas preferências?» = «Quais as suas preferências?»

Pergunta:

Quando nos referimos ao termo electronic health, devemos dizer «o e-Health», ou «a e-Health»?

Resposta:

Tendo em conta que a palavra inglesa health corresponde, em português, a uma palavra feminina – saúde –, atribui-se o género feminino: «a e-health» (e não «o eHealth», como se lê numa revista eletrónica).

Para o português, um sítio relacionado com a Comissão Europeia usa a expressão «serviços de saúde em linha», que se explica a si própria. No entanto, outras formas são possíveis, se se tiver em conta que, em espanhol, existe o termo eSalud ou e-Salud, decalcado de  eHealth e, como este, referente à prática de cuidados de saúde apoiada nas tecnologias de informação e comunicação (TIC). O neologismo espanhol faculta um modelo facilmente adaptável ao português como "e-Saúde" ou "eSaúde", não obstante tratar-se de formas discutíveis face aos padrões morfológicos do português. Acrescente-se que, em Portugal, e-Saúde surge como título de revista, mas que não parece ter suplantado o anglicismo eHealth como designação dessa prática.

Pergunta:

Pese embora os muitos esclarecimentos já prestados pelo Ciberdúvidas a propósitco do uso de maiúsculas, persisto com dúvidas no que respeita à aplicação delas para épocas históricas, movimentos culturais e estilos artísticos. Assim, a propósito do universo greco-romano antigo ou clássico, as palavras "antiguidade clássica", "cultura antiga" e "neoclassicismo" devem ou não ser iniciadas com maiúscula?

Muito agradeço a V. informação!

Resposta:

Em Portugal, quer a anterior norma ortográfica (a do Acordo Ortográfico de 1945) quer a que começa a ser aplicada (a do Acordo Ortográfico de 1990) são omissas quanto aos casos em referência. Em contrapartida, no Brasil, o Formulário Ortográfico de 1943 era bastante específico a respeito dos nomes de épocas históricas (Base XVI, parágrafo 49, 3.º):

«[Emprega-se letra inicial maiúscula] Nos nomes próprios de eras históricas e épocas notáveis: Hégira, Idade Média, Quinhentos (século XVI); Seiscentos (o século XVII), etc.»
Dicionários recentes (Houaiss e o da Academia das Ciências de Lisboa) também aplicam a maiúscula inicial neste caso. Contudo, quando se trata de movimentos culturais e estilos, usam a minúscula inicial, tal como acontece com doutrinas e movimentos políticos (o surrealismo, o liberalismo).

Sendo assim, recomenda-se a maiúscula inicial na palavra ou nas palavras que constituem as designações de épocas históricas. Em referência a movimentos artísticos e culturais, não é obrigatória a inicial maiúscula, muito embora se note certa variação, não havendo nos instrumentos normativos relevantes indicações precisas sobre o procedimento a adotar.

Pergunta:

Nos textos sobre o período da Implantação da República, particularmente os que tratam da questão religiosa, surge muitas vezes o termo Congreganismo (grafado com inicial maiúscula). Pode considerar-se correto o uso da maiúscula? Também para este caso, não seria mais correto dizer-se "Congregacionismo", uma vez que o primeiro termo não está dicionarizado (pelo menos em 4 dicionários que consultei)?

Grato.

Resposta:

O termo congreganismo, que não tem de ter maiúscula inicial (cf. socialismo e neoliberalismo), está correto e diz respeito a «formas organizacionais criadas nos moldes do catolicismo romano», conforme se explica num artigo (Marco Silva, "António Lino Neto: em nome de recristianização de Portugal", in Religião e Cidadania, coord. António Matos Ferreira e João Miguel Almeida, págs. 271-281), onde também se lê (idem, pág. 278, n. 24; as sequências entre aspas altas são citações de António Matos Ferreira, "Congreganismo", Dicionário de História Religiosa de Portugal, dir. Carlos Moreira Azevedo, vol. I, Lisboa, Círculo de Leitores, 2000):

«A utilização da expressão congreganismo, como conceito oitocentista, refere-se, portanto, à dinâmica católica, distinguindo-se do congregacionismo protestante. O congreganismo diz, portanto, respeito a formas organizacionais criadas nos moldes do catolicismo romano: "diversas formas organizadas de vida consagrada masculina ou feminina, canonicamente estatuída dentro do catolicismo romano e expressa através de votos, simples ou solenes, de pobreza, castidade e obediência, e que encerram teologicamente uma dimensão escatológica corporizada na própia vida comunitária, diferenciando-se da organização secular e diocesana." [...] A questão congreganista assumiu [...] um espaço importante no debate político-religioso em Portugal no final da Monarquia Constitucional e durante a I República, pois "esta contenda assumiu progressivamente uma dimensão ideológica que a converteu em instrumento de luta política por parte do radicialismo liberal e...