Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

«Qual o principal conselho que poderá dar aos pais de crianças vegetarianas?»

Nesta frase não há predicado [com] é? Sem o predicado, esta frase está correcta?

Obrigado.

Resposta:

A frase está correta.

Trata-se de uma característica das frases interrogativas onde ocorre o pronome interrogativo qual. Paul Teyssier (Manual de Língua Portuguesa, Coimbra Editora, 1989, p. 161) refere que «pode mesmo empregar-se qual sozinho»: «Quais são as suas preferências?» = «Quais as suas preferências?»

Pergunta:

Quando nos referimos ao termo electronic health, devemos dizer «o e-Health», ou «a e-Health»?

Resposta:

Tendo em conta que a palavra inglesa health corresponde, em português, a uma palavra feminina – saúde –, atribui-se o género feminino: «a e-health» (e não «o eHealth», como se lê numa revista eletrónica).

Para o português, um sítio relacionado com a Comissão Europeia usa a expressão «serviços de saúde em linha», que se explica a si própria. No entanto, outras formas são possíveis, se se tiver em conta que, em espanhol, existe o termo eSalud ou e-Salud, decalcado de  eHealth e, como este, referente à prática de cuidados de saúde apoiada nas tecnologias de informação e comunicação (TIC). O neologismo espanhol faculta um modelo facilmente adaptável ao português como "e-Saúde" ou "eSaúde", não obstante tratar-se de formas discutíveis face aos padrões morfológicos do português. Acrescente-se que, em Portugal, e-Saúde surge como título de revista, mas que não parece ter suplantado o anglicismo eHealth como designação dessa prática.

Pergunta:

Pese embora os muitos esclarecimentos já prestados pelo Ciberdúvidas a propósitco do uso de maiúsculas, persisto com dúvidas no que respeita à aplicação delas para épocas históricas, movimentos culturais e estilos artísticos. Assim, a propósito do universo greco-romano antigo ou clássico, as palavras "antiguidade clássica", "cultura antiga" e "neoclassicismo" devem ou não ser iniciadas com maiúscula?

Muito agradeço a V. informação!

Resposta:

Em Portugal, quer a anterior norma ortográfica (a do Acordo Ortográfico de 1945) quer a que começa a ser aplicada (a do Acordo Ortográfico de 1990) são omissas quanto aos casos em referência. Em contrapartida, no Brasil, o Formulário Ortográfico de 1943 era bastante específico a respeito dos nomes de épocas históricas (Base XVI, parágrafo 49, 3.º):

«[Emprega-se letra inicial maiúscula] Nos nomes próprios de eras históricas e épocas notáveis: Hégira, Idade Média, Quinhentos (século XVI); Seiscentos (o século XVII), etc.»
Dicionários recentes (Houaiss e o da Academia das Ciências de Lisboa) também aplicam a maiúscula inicial neste caso. Contudo, quando se trata de movimentos culturais e estilos, usam a minúscula inicial, tal como acontece com doutrinas e movimentos políticos (o surrealismo, o liberalismo).

Sendo assim, recomenda-se a maiúscula inicial na palavra ou nas palavras que constituem as designações de épocas históricas. Em referência a movimentos artísticos e culturais, não é obrigatória a inicial maiúscula, muito embora se note certa variação, não havendo nos instrumentos normativos relevantes indicações precisas sobre o procedimento a adotar.

Pergunta:

Nos textos sobre o período da Implantação da República, particularmente os que tratam da questão religiosa, surge muitas vezes o termo Congreganismo (grafado com inicial maiúscula). Pode considerar-se correto o uso da maiúscula? Também para este caso, não seria mais correto dizer-se "Congregacionismo", uma vez que o primeiro termo não está dicionarizado (pelo menos em 4 dicionários que consultei)?

Grato.

Resposta:

O termo congreganismo, que não tem de ter maiúscula inicial (cf. socialismo e neoliberalismo), está correto e diz respeito a «formas organizacionais criadas nos moldes do catolicismo romano», conforme se explica num artigo (Marco Silva, "António Lino Neto: em nome de recristianização de Portugal", in Religião e Cidadania, coord. António Matos Ferreira e João Miguel Almeida, págs. 271-281), onde também se lê (idem, pág. 278, n. 24; as sequências entre aspas altas são citações de António Matos Ferreira, "Congreganismo", Dicionário de História Religiosa de Portugal, dir. Carlos Moreira Azevedo, vol. I, Lisboa, Círculo de Leitores, 2000):

«A utilização da expressão congreganismo, como conceito oitocentista, refere-se, portanto, à dinâmica católica, distinguindo-se do congregacionismo protestante. O congreganismo diz, portanto, respeito a formas organizacionais criadas nos moldes do catolicismo romano: "diversas formas organizadas de vida consagrada masculina ou feminina, canonicamente estatuída dentro do catolicismo romano e expressa através de votos, simples ou solenes, de pobreza, castidade e obediência, e que encerram teologicamente uma dimensão escatológica corporizada na própia vida comunitária, diferenciando-se da organização secular e diocesana." [...] A questão congreganista assumiu [...] um espaço importante no debate político-religioso em Portugal no final da Monarquia Constitucional e durante a I República, pois "esta contenda assumiu progressivamente uma dimensão ideológica que a converteu em instrumento de luta política por parte do radicialismo liberal e...

Pergunta:

Gostaria de saber a origem de meu sobrenome Coura e se existe brasão deste sobrenome.

Obrigado.

Resposta:

Em Portugal, Coura é um topónimo (nome de rio* e de lugar; cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa), que pode ter passado a apelido, apesar de não não ter sido possível achar atestações desse uso (cf. idem). No entanto, observe-se que na Galiza existe o apelido Coira, especialmente concentrado na Corunha e em Lugo, bem como em Catoira, na província de Pontevedra (cf. Cartografia dos Apelidos da Galiza, do Instituto da Língua Galega), o qual pode estar relacionado com Coura, tendo em conta que algumas formas galegas, por razões históricas, apresentam ditongo -oi- (por exemplo, Boiro, coiro) quando existem formas portuguesas provavelmente paralelas cujo ditongo correspondente evoluiu para -ou- (Bouro, couro). Refira-se ainda que Manuel Sousa, em As Origens dos Apelidos das Famílias Portuguesas (Mem Martins, Sorpress, 2001), regista o apelido Couros, sem que se possa precisar uma relação direta com Coura.

Não foi possível e...