Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A frase abaixo encontra-se no site do ENEM.

No caso de cor, não deveria ser sempre no feminino?

«Os cadernos são apresentados em cinco cores diferentes: azul, amarelo, branco, rosa e cinza. Antes de iniciar a prova, o participante deve verificar se o caderno contém a quantidade de questões indicada no Cartão-Resposta.»

Obrigado.

Resposta:

Não é necessário, porque a referência às cores é feita por palavras que são substantivos, ou seja, subentende-se «... (o) amarelo, (o) branco...».

Pergunta:

Certo ou errado, sou dos que partilham a opinião de que saudade é palavra única da língua portuguesa, se não no sentido estrito, pelo menos no uso emocional. Insatisfeito com as definições que encontro, fiz a minha, que não vem ao caso aqui apresentar. Toda querela parece-me ter a ver com o fato de que tentam definir saudade apenas como sinônimo de nostalgia, melancolia, no que não estão muito errados, mas quase sempre esquecem uma crucial característica da saudade, que não é apenas a lembrança da coisa passada que se viveu, mas, principalmente, e maiormente em sua singularidade portuguesa, o desejo de voltar a ver ou viver aquela lembrança, coisa que muitas definições esquecem para compor o conceito adequadamente.

Sem complicar a questão, reescrevo, antes da minha pergunta, a definição de Moraes, 1789, concisa mas completa: «A mágoa que nos causa a ausência da coisa amada, com o desejo de a ter presente e tornar a ver» (atualizei a grafia). E ele, imigrante em Portugal e exilado na Inglaterra, devia entender bastante de saudade. E agora minha pergunta, da única dúvida que tenho para um sinônimo que assim, mesmo frouxamente, me parece ser: enyorança, em catalão – além de dor, em romeno, já anteriormente explanada em consulta anterior – é também sinônimo da completa saudade portuguesa?

Resposta:

Em nome do Ciberdúvidas, agradeço as suas reflexões sobre a palavra saudade.

Cabe-me, no entanto, observar que, quando se fala da sinonímia inerente a uma mesma língua, é habitual dizer-se que não há sinónimos perfeitos, porque raramente se encontram casos em que uma palavra pode substituir outra nos mesmos contextos de ocorrência. Esta situação é ainda mais evidente na procura de equivalentes exatos entre línguas diferentes, porque é de prever que, perante o mesmo referente, idiomas distintos tenham formulações divergentes que decorrem de regras gramaticais próprias e tradições textuais e discursivas exclusivas (mas não alheias à influência de outras culturas). Por outras palavras, não é de supor que o catalão enyorança seja tradução exata de saudade nem que a situação inversa se verifique; e o mesmo se pode dizer da relação entre saudade e a dor romena. É que todas estas palavras estão carregadas de significações que advêm de investimento cultural e literário específico das comunidades onde se falam as línguas respetivas. Ora, vejamos o que se passa quanto a enyorança e dor, de forma rápida, com base em dicionários gerais, disponíveis em linha:

– No Diccionari de la Llengua Catalana do Institut d´Estudis Catalans, define-se enyorança como «pena o dolor per l’absència, per la pèrdua d’alguna cosa o d’alguna persona» (tradução livre: «pena ou sofrimento pela ausência, pela perda de alguma oisa ou de alguma pessoa»). Apesar de sucinta, esta definição sugere que a enyorança é entendida na sua relação com o sofrimento causado pela ausência ou pela perda, não incluindo a dimensão paradoxal de, pela saudade, também se reviver com prazer o passad...

Pergunta:

Na resposta à pergunta n.º 31 352, explica-se ser uma oração coordenada assindética a apontada, iniciada por porém. Desde quando porém deixou de ser conjunção adversativa, que nem o ILTEC se deu conta? Quando é que vamos ter coordenação nas revoluções linguísticas, a bem, quanto mais não seja, da capacidade de apoio intergeracional ao estudo da língua?

Resposta:

O Dicionário Terminológico (B.3.1. Classe aberta de palavras/Advérbio/advérbio conetivo), destinado a apoiar o ensino da gramática em Portugal, inclui contudo e porém entre os advérbios conetivos. O que assim se propõe não chega a ser uma revolução linguística, porque esta classificação já era defendida por certos gramáticos tradicionais (cf. a análise de Evanildo Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, 2002, p. 322).

Dito isto, o problema focado no comentário é real, porque se reduz a eventualidade de os encarregados de educação – os que se interessaram pelo estudo da gramática ou retiveram os respetivos instrumentos de análise – ajudarem os seus educandos em exercícios de análise gramatical, porque veem alterada a classificação do conjunto das chamadas conjunções coordenativas (cf. Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, p. 576 e ss.).

Pergunta:

Os meus cumprimentos à equipa do Ciberduvidas, pelo papel insubstituível na defesa da língua, num contexto em que são raros os instrumentos linguísticos (gramáticas, dicionários, prontuários...) que sirvam de "bíblia" (ao contrário do francês, por ex.). De salientar também a honestidade e seriedade intelectual com que tratam as questões postas.

Encontro «Todos os Santos» e «Todos-os-Santos» (dia ou hospital) em documentos antigos e recentes, numa grafia alternada. Consultadas várias fontes, não encontro resposta. Podem responder com fundamento?

Muito obrigada.

Resposta:

Muito agradecemos as palavras de apreço que nos dirige. Note, no entanto, que não pretendemos criar doutrina sobre a norma do português, antes sendo nosso papel orientar os consulentes na escolha das opções mais adequadas dentro da tradição e das tendências do português contemporâneo.

Quanto à questão apresentada, informamos que, neste caso, a hifenização depende do tipo de uso que se dá à expressão em apreço quando é nome próprio.

Se se trata de um topónimo, deve escrever Todos-os-Santos, conforme preveem quer o anterior acordo ortográfico (o de 1945) quer o mais recente, de 1990:

Acordo Ortográfico de 1945 (AO 1945), Base XXVIII:

«[...] De acordo com as espécies de compostos que ficam indicadas, deveriam, em princípio, exigir o uso do hífen todas as espécies de compostos do vocabulário onomástico que estivessem em idênticas condições morfológicas e semânticas. Contudo, por simplificação ortográfica, esse uso limita-se apenas a alguns casos, tendo-se em consideração as práticas correntes. Exemplos:

a) nomes em que dois elementos se ligam por uma forma de artigo: Albergaria-a-Velha, Montemor-o-Novo, Trás-os-Montes [...].»

Acordo Ortográfico de 1990 (AO 1990), Base XV:

«2 Emprega-se o hífen nos topónimos/topônimos compostos iniciados pelos adjetivos grã, grão ou por forma verbal ou cujos elementos estejam ligados por artigo: Grã-Bretanha, Grão-Pará; Abre-Campo; Passa-Quatro, Quebra-Costas, Quebra-Dentes, Traga-Mouros, Trinca-Fortes; Albergaria-a-Ve...

Pergunta:

«É só irem à minha cidade, que vocês entenderão a situação.»

Como classificar as orações do período acima?

Obrigado.

Resposta:

Proponho a seguinte análise:

1.ª Oração coordenada: «É só irem à minha cidade».

2.ª Oração coordenada explicativa: «que vocês entenderão a situação».

Na primeira oração, há ainda a assinalar uma estrutura frásica complexa:

oração subordinante: «É só irem à minha cidade»

oração subordinada completiva: «irem à minha cidade»

Na análise da primeira oração coordenada, pode considerar-se «é só» como uma elipse de «é só preciso».

Uma análise alternativa consiste em considerar a sequência «é só irem» como um imperativo: «venham à minha casa». Esta análise encontra apoio num uso particular do verbo ser que vem descrito no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (s. v. ser):

«III. Como verbo modalizador, indica: 1. exortação, ordem, usado no presente do indicativo: Se tivermos de sair, é sair e acabou-se. Vêm aí as férias, é saber aproveitá-las. [...]»

Os exemplos incluídos na ctação são, portanto, equivalentes a estes outros:

1) «Se tivermos de sair, saiamos e acabou-se.»

2) «Vêm aí as férias, saibamos aproveitá-las.»