Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Os meus cumprimentos à equipa do Ciberduvidas, pelo papel insubstituível na defesa da língua, num contexto em que são raros os instrumentos linguísticos (gramáticas, dicionários, prontuários...) que sirvam de "bíblia" (ao contrário do francês, por ex.). De salientar também a honestidade e seriedade intelectual com que tratam as questões postas.

Encontro «Todos os Santos» e «Todos-os-Santos» (dia ou hospital) em documentos antigos e recentes, numa grafia alternada. Consultadas várias fontes, não encontro resposta. Podem responder com fundamento?

Muito obrigada.

Resposta:

Muito agradecemos as palavras de apreço que nos dirige. Note, no entanto, que não pretendemos criar doutrina sobre a norma do português, antes sendo nosso papel orientar os consulentes na escolha das opções mais adequadas dentro da tradição e das tendências do português contemporâneo.

Quanto à questão apresentada, informamos que, neste caso, a hifenização depende do tipo de uso que se dá à expressão em apreço quando é nome próprio.

Se se trata de um topónimo, deve escrever Todos-os-Santos, conforme preveem quer o anterior acordo ortográfico (o de 1945) quer o mais recente, de 1990:

Acordo Ortográfico de 1945 (AO 1945), Base XXVIII:

«[...] De acordo com as espécies de compostos que ficam indicadas, deveriam, em princípio, exigir o uso do hífen todas as espécies de compostos do vocabulário onomástico que estivessem em idênticas condições morfológicas e semânticas. Contudo, por simplificação ortográfica, esse uso limita-se apenas a alguns casos, tendo-se em consideração as práticas correntes. Exemplos:

a) nomes em que dois elementos se ligam por uma forma de artigo: Albergaria-a-Velha, Montemor-o-Novo, Trás-os-Montes [...].»

Acordo Ortográfico de 1990 (AO 1990), Base XV:

«2 Emprega-se o hífen nos topónimos/topônimos compostos iniciados pelos adjetivos grã, grão ou por forma verbal ou cujos elementos estejam ligados por artigo: Grã-Bretanha, Grão-Pará; Abre-Campo; Passa-Quatro, Quebra-Costas, Quebra-Dentes, Traga-Mouros, Trinca-Fortes; Albergaria-a-Ve...

Pergunta:

«É só irem à minha cidade, que vocês entenderão a situação.»

Como classificar as orações do período acima?

Obrigado.

Resposta:

Proponho a seguinte análise:

1.ª Oração coordenada: «É só irem à minha cidade».

2.ª Oração coordenada explicativa: «que vocês entenderão a situação».

Na primeira oração, há ainda a assinalar uma estrutura frásica complexa:

oração subordinante: «É só irem à minha cidade»

oração subordinada completiva: «irem à minha cidade»

Na análise da primeira oração coordenada, pode considerar-se «é só» como uma elipse de «é só preciso».

Uma análise alternativa consiste em considerar a sequência «é só irem» como um imperativo: «venham à minha casa». Esta análise encontra apoio num uso particular do verbo ser que vem descrito no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (s. v. ser):

«III. Como verbo modalizador, indica: 1. exortação, ordem, usado no presente do indicativo: Se tivermos de sair, é sair e acabou-se. Vêm aí as férias, é saber aproveitá-las. [...]»

Os exemplos incluídos na ctação são, portanto, equivalentes a estes outros:

1) «Se tivermos de sair, saiamos e acabou-se.»

2) «Vêm aí as férias, saibamos aproveitá-las.»

Pergunta:

Gostaria de saber qual é a etimologia do topónimo Mindelo.

Resposta:

Este topónimo é originário do Norte de Portugal e parece derivar de uma forma latina não atestada, amenetellum, diminutivo de amenitum ou amenetum, vocábulos latinos relativos a amoena (depreende-se amoena arbos), hipotética denominação do amieiro – cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa.

Pergunta:

Porquê o uso tão difundido da forma Ibero-América com duas iniciais maiúsculas? Por se tratar de uma palavra formada por composição, não deveria ser "Ibero-américa", somente com a letra inicial maiúscula, como qualquer outro nome próprio?

Resposta:

Na grafia dos nomes compostos, próprios ou usados como próprios, os seus constituintes nominais ou adjetivais têm maiúscula inicial, conforme se pode confirmar no Acordo Ortográfico de 1990, Bases XV, 2.º (ex.: Grã-Bretanha) e XIX, 2.º, no Acordo Ortográfico de 1945, Base XLVI (ex.: Trás-os-Montes) e no Formulário Ortográfico de 1943, XLIX, 7.º (ex.: Vigário-Geral).

Recorde-se ainda que ibero tem sempre acentuação grave ("ibéro"), quer como palavra autónoma («alguns iberos»), quer como elemento de composição (ibero-americano, neste caso, também com o final aberto, embora átono).

Pergunta:

Gostaria que me dissessem qual o aumentativo da palavra luz.

Obrigada.

Resposta:

Pode formar o aumentativo regularmente, mas a palavra parece não ter uso, talvez por razões de musicalidade: "luzão", "luzona". Contudo, os dicionários registam luzeiro, na aceção de «claridade intensa», «clarão» (cf. Dicionário Houaiss). Pode também optar por formas analíticas como «grande luz», «luz muito intensa». E, finalmente, pode recorrer a formas sinónimas, não relacionadas nem derivadas de luz, mas que veiculam o significado de «luz intensa», como é o caso de clarão (um aumentativo derivado de claro) ou resplendor (que não é aumentativo).