Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber qual é a etimologia do topónimo Mindelo.

Resposta:

Este topónimo é originário do Norte de Portugal e parece derivar de uma forma latina não atestada, amenetellum, diminutivo de amenitum ou amenetum, vocábulos latinos relativos a amoena (depreende-se amoena arbos), hipotética denominação do amieiro – cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa.

Pergunta:

Porquê o uso tão difundido da forma Ibero-América com duas iniciais maiúsculas? Por se tratar de uma palavra formada por composição, não deveria ser "Ibero-américa", somente com a letra inicial maiúscula, como qualquer outro nome próprio?

Resposta:

Na grafia dos nomes compostos, próprios ou usados como próprios, os seus constituintes nominais ou adjetivais têm maiúscula inicial, conforme se pode confirmar no Acordo Ortográfico de 1990, Bases XV, 2.º (ex.: Grã-Bretanha) e XIX, 2.º, no Acordo Ortográfico de 1945, Base XLVI (ex.: Trás-os-Montes) e no Formulário Ortográfico de 1943, XLIX, 7.º (ex.: Vigário-Geral).

Recorde-se ainda que ibero tem sempre acentuação grave ("ibéro"), quer como palavra autónoma («alguns iberos»), quer como elemento de composição (ibero-americano, neste caso, também com o final aberto, embora átono).

Pergunta:

Gostaria que me dissessem qual o aumentativo da palavra luz.

Obrigada.

Resposta:

Pode formar o aumentativo regularmente, mas a palavra parece não ter uso, talvez por razões de musicalidade: "luzão", "luzona". Contudo, os dicionários registam luzeiro, na aceção de «claridade intensa», «clarão» (cf. Dicionário Houaiss). Pode também optar por formas analíticas como «grande luz», «luz muito intensa». E, finalmente, pode recorrer a formas sinónimas, não relacionadas nem derivadas de luz, mas que veiculam o significado de «luz intensa», como é o caso de clarão (um aumentativo derivado de claro) ou resplendor (que não é aumentativo).

Pergunta:

Há alguma explicação na história da língua portuguesa para que verbos como aspirar, assistir e obedecer não admitam o pronome oblíquo lhe ou sofram restrições quanto a esse pronome?

Obrigado!

Resposta:

O verbo obedecer admite o pronome lhe:

«Ela queria ver se tu lhe obedecias» (José de Alencar, O Guarani, cit. por Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, p. 526).

Já os verbos aspirar, quando significa «pretender», e assistir, na aceção de «presenciar», têm realmente um complemento introduzido pela preposição a que não pode ser substituído pelo pronome lhe. Não encontramos explicação histórica precisa para esta característica, mas ela pode ser explicada pela natureza semântica desses complementos: normalmente, referem-se a situações ou acontecimentos («aspirar ao êxito», «assistir ao jogo), e não a beneficiários de uma ação (cf. «dei uma flor a todas as pessoas» > «dei-lhes uma flor»; «a todas as pessoas» pode ser substituído por lhe, porque exprime o beneficiário ou o destinatário de uma ação).

Pergunta:

Gostaria que o Ciberdúvidas me elucidasse sobre a forma correta de escrever em português seis topónimos europeus referentes a cidades capitais, cujo tratamento nos media é divergente ou dos quais duvido se existe uma forma portuguesa em uso ou usável. São eles:

– Karlsruhe, capital judicial da Alemanha: Existe aportuguesamento?

– Цетиње (Cetinje), capital histórica e presidencial do Montenegro: Devemos escrever Tsetinie ou Tsetínie?

– ცხინვალი (Tskhinvali, em georgiano) ou Цхинвал (Tskhinval, em osseta e russo), capital da Ossétia do Sul: Como formar um aportuguesamento desta palavra? Tesrinval, Tesrinvali, Tserrinval, Tserrinvali?

– სოხუმი (Sokhumi, em georgiano), Сухум (Sukhum, em russo) ou Sukhumi (forma inglesa), capital da Abecásia: Devemos apenas verter para Sucúmi ou Sucum, ou devemos aportuguesar o kh para rr?

– Ստեփանակերտ (Stepanakert, em arménio) ou Xankəndi (Khankendi, em azerbaijanês), capital do Alto Carabaque: Será Estepanaquerte legítimo? E como aportuguesar Xankəndi?

– Tórshavn ou Thorshavn, capital das Ilhas Féroe: Como aportuguesar? Que sílaba tonificar?

Muito obrigado pelo sempre prestável esclarecimento do Ciberdúvidas.

Resposta:

Em nome do Ciberdúvidas, começo por agradecer o apreço pela nossa opinião sobre este assunto. Gostaria, no entanto, de expressar o seguinte juízo sobre um dos eventuais pressupostos da pergunta – o de que existe, em abstrato, uma forma portuguesa correta para cada um destes topónimos.

Como vou explicar, a maior parte de tais topónimos não tem forma portuguesa correspondente fixada pela tradição, pelo que se torna muito difícil apresentar aqui como correto um nome português, sobretudo tendo em conta que as línguas de alguns dos topónimos apontados usam alfabetos não latinos que não têm ainda estabilizada a devida transliteração em língua portuguesa. Dito de outra maneira, há um problema prévio a resolver: perante certas línguas, a necessidade de dotar o português de critérios de transliteração que tenham reconhecimento, se não a nível oficial, pelo menos entre a generalidade das entidades que têm poder de decisão em matéria de norma linguística.

Posto isto, passo a comentar cada nome proposto, sobretudo com base nos vocabulários ortográficos que incluem a grafia de topónimos estrangeiros, a saber: o Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, e o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (2009), coordenado por J. Malaca Casteleiro. 

– Karlsruhe

Sem aportuguesamento nas fontes consultadas.

- Цетиње/Cetinje

Não existe aportuguesamento disponível nas fontes acima indicadas, mas documenta-se Cetinhe. Note-se que em línguas próximas do português há formas vernáculas para este nome. Por exemplo, o espanhol dispõe de Cetiña, e o italiano, de Cettigne; a primeira destas formas poderia aportuguesar-se como "Cetinh...