Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Quando fazemos a contagem das sílabas métricas, contam-se as sílabas até à sílaba tónica. Correto?

Se tivermos num verso a palavra esdrúxula, como se faz a contagem das sílabas métricas ou gramaticais?

Resposta:

Conta-se sempre até à sílaba tónica da última palavra do verso, o que significa que não se contam as duas últimas sílabas das palavras esdrúxulas (ou seja, proparoxítonas), já que são átonas. Veja-se o seguinte exemplo, que tem dez sílabas (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, p. 667):

Sob/ a/ for/ma/ de/ mí/ni/mas/ ca/mân/dulas

Neste verso, não se contam as duas últimas silabas da última palavra, camândulas1, que é esdrúxula.

1Ou camáldulas, «ramal de contas de rezar, grossas ou bugalhos» (José Pedro Machado, Grande Dicionário da Língua Portuguesa).

Pergunta:

Aprendi, numa época em que não se passava da 4.ª classe se não se escrevesse e falasse correctamente português, que apelidos, títulos e dinastias não têm plural.

Vem isto a propósito da exposição recentemente inaugurada no MNAA, «Os Sabóias». Quero crer que o correcto seria «Os Sabóia», tal como se deve dizer «os Távora», «os Silva», etc.

Gostaria de ser informado se tenho ou não razão.

Muito obrigado desde já.

Resposta:

Não parece haver consenso quanto ao uso do plural neste caso.

A recente Gramática do Português, da Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa, 2013, p. 1013), recomenda que os apelidos fiquem no singular quando se referem «a família como um grupo»:

«[Nos] contextos de pluralização, é de regra o apelido ocorrer no singular, sobretudo se é composto de mais de um nome (cf. [...] os Cerqueira da Mota, os Saraiva Lobo, os Paiva Raposo, os Melo, os Brito, os Bragança), embora possa ocorrer também no plural, quando é composto por um único nome [...] (cf. [...] os Silvas, os Costas, os Coelhos); o uso plural é, no entanto, menos frequente e considerado não normativo [...].»

Refira-se, contudo, que, ao contrário do afirmado nesta citação, já se considerou que, do ponto de vista normativo, era correto empregar os apelidos no plural (pelo menos, os constituídos por um único nome). Por exemplo, Vasco Botelho de Amaral, no Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português (2012 [1958], vol. I, pág. 189), observa o seguinte:

«[...] [E]m nossa linguagem cai em galicismo quem seguir semelhante prática [a do singular em contexto plural], escrevendo, v. g.: «As irmãs Primavera, os irmãos Montenegro, etc. Correcção: Primaveras, Montenegros, etc.»

O mesmo preceito é enuncia...

Pergunta:

Qual a regra ortográfica que aplico ao escrever subir? Porque não é "sobir"?

Muito obrigada.

Resposta:

O critério é etimológico e morfológico.

Como se verifica na grafia da maior parte da flexão, a vogal do radical – sub- – é u, e não o. E tal como ocorre com fugir, apenas a 2.ª pessoa do singular (sobes, foges) e as 3.as pessoas do singular e plural (sobe/sobem, foge/fogem) alteram a vogal no presente do indicativo, «provavelmente por analogia com os verbos em que se verifica abaixamento [da vogal do radical]» (M.ª Helena Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, 2003, p. 1027, n. 55). Ou seja, subir e fugir têm uma flexão semelhante à de verbos como ferir e dormir, nos quais a 1.ª pessoa do indicativo tem as formas firo e durmo (i e u são chamadas vogais altas), enquanto o radical das restantes pessoas verbais tem e e o (são vogais baixas): feres, fere, ferem; dormes, dorme, dormem.

Não obstante poder considerar-se que subir e fugir evoluíram na língua portuguesa de tal maneira, que acabaram por tornar-se semelhantes a dormir e fugir, dando bons argumentos para defender a grafia "sobir" e "fogir", há razões que levam a ortografia a rejeitar tais formas. Em primeiro lugar, os verbos remontam a formas latinas que têm u no radical – subĕo, is, īvi ou ĭi, ĭum, īre, «pôr-se ou vir debaixo de algo, ir-se aproximando de um lugar alto vindo de baixo», e <...

Pergunta:

As frases: «moro em Jaçanã» ou «moro no Jaçanã». Qual está correta? E por quê?

Resposta:

No Brasil, têm a mesma forma dois topónimos diferentes:

a) um bairro da cidade de São Paulo que é conhecido como «o Jaçanã» («o bairro do Jaçanã»): «Museu do Jaçanã»;

b) no estado do Rio Grande do Norte, uma localidade cujo nome se usa sem artigo definido: «Prefeitura municipal de Jaçanã».

Não pude saber como se explica o caso em b), o qual suscita alguma surpresa, quando se pensa que Jaçanã talvez tenha origem num nome comum concreto, jaçanã, «ave caradriiforme, paludícola, da fam. dos jacanídeos (Jacana jacana), com ampla distribuição na América tropical cisandina» (Dicionário Houaiss), facto que legitimaria o uso do artigo definido. Contudo, no caso do bairro do Jaçanã referido em a), o nome ocorre como esperado: «o Jaçanã», logo, «moro no Jaçanã» – basta confirmar em jornais como a Folha de S. Paulo ou O Estado de S. Paulo, que escrevem sistematicamente «o Jaçanã», quando o topónimo é mencionado num enunciado completo. Este aspeto leva, portanto, a encarar como não aceitável ou estranha uma frase «moro em Jaçanã», não obstante ser ela bem audível na popular canção Trem das Onze (1964), de Adoniran Barbosa (1910-1982). Sobre tal particularidade, assinale-se (e ouça-se) o que

Pergunta:

Ficará mais correto dizer-se «praia de Pedrógão», ou «praia do Pedrógão»?

Obrigada.

Resposta:

Apesar da variação, tem artigo definido o Pedrógão que refere a praia situada no concelho de Leiria – é mesmo o uso adotado pela Câmara Municipal de Leiria: «praia do Pedrógão». Observe-se, porém, que o topónimo Pedrógão também ocorre no distrito em apreço – neste caso, o topónimo não tem artigo definido: «município/freguesia de Pedrógão Grande». O mesmo acontece com Pedrógão Pequeno, no concelho da Sertã (distrito de Castelo Branco): «Junta de Freguesia de Pedrógão Pequeno».