Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

No supermercado, por exemplo, ouço ou vejo escrito redfish (às vezes, red-fish, e "red fish" não me parece grafia correta para designar a espécie...). Ora, que eu saiba, há vários anos, só lhe ouvia chamar "peixe-vermelho". Gostaria de lhes perguntar: não será este o nome correto, em português, da "espécie zoológica"? Não está errado usar o anglicismo?

Resposta:

Peixe-vermelho é uma tradução literal de redfish, termo que em inglês se aplica geralmente ao Sebastes marinus (cf. Oxford English Dictionary em linha). Note-se, porém, que em Portugal o nome tradicional desta espécie (ou um deles) é cantarilho.

É sempre preferível empregar uma forma portuguesa, mesmo que se trate de uma tradução ou, em último caso, de uma adaptação fonética (mas, neste caso, terá de haver a intervenção de entidades que possam definir critérios de adaptação, de modo a evitar a proliferação de variantes). Havendo nome tradicional, é melhor usá-lo – muito embora pareça que as grandes empresas abastecedoras do ramo alimentar nem sempre dão a devida atenção a este aspeto.

Pergunta:

Gostaria de saber qual a forma correcta – «as Balcãs», ou «os Balcãs» –, se ambas são aceitáveis e, se o forem, se há alguma forma preferencial e porquê.

Grata pela atenção!

Resposta:

A palavra é do género masculino em alusão a montes: «montes Balcãs». Daqui surgiu a denominação da península: «a península dos Balcãs». Existe também a variante Bálcãs, usada no Brasil (cf. Dicionário UNESP do Português Contemporâneo, 2004, s. v. balcânico; consultar Folha de S. Paulo). Segundo o Dicionário Houaiss (s. v. balcanizar), «o nome Bálcãs deriva de vocábulo turco com significado de "montanha"; designa a região dos Alpes Dináricos e da Transilvânia e as cadeias dos Cárpatos, que constituem relevo atormentado; a região prolonga-se na península balcânica, situada entre o mar Adriático, a oeste, o mar Egeu e o mar Negro, a leste, subdividida em numerosos Estados e países: Eslovênia, Croácia, Bósnia e Herzegovina, Macedônia, Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Albânia, Grécia e Turquia; no decurso da história, inúmeros exércitos invasores passaram pelos seus desfiladeiros, diversos povos perseguidos refugiaram-se nas suas montanhas; por isso os Bálcãs são fracionados em tantos países e abrigam etnias, línguas e religiões diferentes; a acepção pejorativa do verbo balcanizar reflete essa fragmentação histórica dos Bálcãs, caracterizando-os como área de constante conflito e permanente instabilidade [...]».

Pergunta:

Se a escansão se faz de acordo com o que se lê/diz, então o verso «Ser artista é ser alguém» não deveria dividir-se assim?

Se/rar/tis/ta é/ se/ral/guém

As consoantes não se ligam às vogais?

Resposta:

O que diz é pertinente, porque a escansão tem muitas semelhanças com a divisão silábica de uma palavra. No entanto, na representação da escansão de um verbo, não é obrigatório assinalar o começo de nova sílaba antes da consoante que acabar palavra e preceder nova palavra começada ou constituída por vogal (por exemplo, «ser/ artista»).

Assim, por exemplo, Amorim de Carvalho, no seu Tratado de Versificação Portuguesa (Centro do Livro Brasileiro, 1981, p. 16), divide um verso de Os Lusíadas do seguinte modo:

Deu/ si/nal/ a/ trom/be/ta/ cas/te/lha/na

Verifica-se a sequência «... si/nal/ a/...», que apresenta a barra de separação depois da consoante que trava uma sílaba final, muito embora foneticamente, na cadeia fónica, essa consoante se ligue ao artigo definido a e comece nova sílaba.

Não obstante, em situações destas, na prática, a contagem de sílabas tanto pode considerar que a consoante pertence à sílaba que trava, definindo fronteira de palavra, como aceitar que começa nova sílaba no conjunto das que constituem o verso.

Pergunta:

Testamento hológrafo, ou ológrafo?

Agradecido.

Resposta:

Escreve-se hológrafo, adjetivo assim definido pelo Dicionário Houaiss: «Diz-se de testamento inteiramente escrito pela mão do testador.» É palavra que tem origem no «grego hológraphos, os, on, "totalmente escrito pela mão do autor", pelo latim holographus, a, um, "idem"».

Pergunta:

Em medicina de reabilitação e em fisioterapia, usamos a palavra sedestação. É correto o seu uso? Deveremos dizer sentado?

Resposta:

Os dicionários gerais não registam a palavra, o que também não é significativo, porque se trata de um termo especializado. De qualquer modo, em páginas da Internet, confirma-se o uso de sedestação, com o significado de «posição sentada» ou «capacidade de estar sentado», provavelmente como decalque do espanhol sedestación, que pressupõe o verbo sedestar, o mesmo que «estar sentado» (também ocorre em inglês sedestation, mas esta forma é provavelmente transposição do espanhol). Do ponto de vista das regras de construção de palavras, o termo é discutível1, mas a construção de terminologias tem neste momento certa margem de inovação (são frequentes os casos de amálgama), pelo que, se o seu uso está consolidado entre especialistas, não avulta razão para o rejeitar nesse âmbito.

1 Agradeço a Luciano Eduardo de Oliveira o seguinte comentário: «[...] o mais correto seria sedistação, já que nestes casos se usa o genitivo latino, aqui sedes, sedis. Ou então se juntou sedēre + stāre e se chegou a "sedestar" e depois "sedestação", o que, em latim, não tem sentido nenhum, já que sedēre por si só significa «estar sentado» e stāre significa «estar em pé» [...].»