Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Tenho ouvido com frequência num programa de leilão de jóias a expressão seguinte: «este anel é mais valoroso que o outro», sendo empregado no sentido de uma jóia custar mais caro, ter valor monetário atribuído maior que a outra.

Estará certo o emprego deste termo valoroso neste sentido? No dicionário e na literatura sempre li este termo empregado no sentido de um valor subjetivo em que uma pessoa é valorosa por sua coragem, feitos e realizações geralmente em benefício de outros!

Ouvi também os termos valorar e monetizar, verbos que constam em dicionários mas que são pouco usados. É correto o seu emprego?

Podem me elucidar estas dúvidas? Desde já, obrigada.

Resposta:

Valoroso não é exatamente o mesmo que valioso. Apesar de o Dicionário Houaiss incluir entre as aceções de valoroso a de «que tem alto preço, valioso» (neste sentido económico, é arcaísmo), a verdade é que o adjetivo se aplica geralmente a alguém ou a algum gesto que se manifestam coragem ou bravura.

Quanto a valorar e monetizar, os dicionários consultados (Houaiss, o da Porto Editora, na Infopédia, e o Priberam) registam-nos sem observação especial, o que permite inferir a legitimidade do seu uso. Observe-se, contudo, o seguinte:

valorar usa-se efetivamente menos que valorizar, de que é sinónimo (cf. Corpus do Português);

monetizar, que significa «converter em moeda» e «usar como fonte de lucro» (Dicionário Priberam), tem tido uso escasso, mas o substantivo derivado monetização é frequente no tratamento de temas de caráter económico e financeiro (cf. Linguateca).

Pergunta:

Queria saber como se diz: «moro no Sobral de Monte Agraço», ou «em Sobral de Monte Agraço»? «Moro em Monte Abraão», ou «no Monte Abraão»? Qual a diferença? Também quero saber como se diz: «vou à Fátima», ou «vou a Fátima»?

Obrigada.

Diana Tavares

Resposta:

Apesar de haver quem diga «o Sobral de Monte Agraço», o uso oficial é sem artigo, conforme se documenta nas páginas do respetivo município (no distrito de Lisboa): «concelho de Sobral de Monte Agraço». Também Monte Abraão (concelho de Sintra) se usa sem artigo, pelo menos, no português culto. Finalmente, o topónimo Fátima, apesar de ter origem provável no nome próprio Fátima (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa) não tem artigo definido; deve dizer-se, portanto, «vou a Fátima», quando se pretende referir a cidade e o santuário assim chamados.

Pergunta:

«A notícia circulou rapidamente pela freguesia.»

Qual é a função sintática de «pela freguesia»?

Resposta:

Na frase em apreço, a função sintática de «pela freguesia» é a de complemento oblíquo.

Não se trata de um modificador do grupo verbal, muito embora se possa omitir o constituinte «pela freguesia». Esta particularidade deve-se ao facto de os verbos de localização espacial e de movimento pemitirem a omissão de tal complemento, tal como se refere na Gramática do Português, da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, p. 1162-1163):

«[...] [E]xistem verbos com argumentos opcionais, cuja omissão é possível mesmo em contextos neutros. [...] [M]encionamos aqui os seguintes casos: [...]

– Verbos que permitem a recuperação de um argumento omitido (frequentemente com um sentido indefinido) a partir do sentido lexical do próprio verbal [...] [entre eles], verbos que denotam movimento direcional, como chegar, entrar, partir, que podem ser usados sem o seu complemento locativo: cf. A Maria finalmente chegou (vs. a Maria finalmente chegou a casa) [...].»

O caso de circular é, portanto, semelhante ao de chegar e outros verbos de movimento, porque o complemento oblíquo não é de ocorrência obrigatória:

«Os automóveis já circulam.»

Pergunta:

Qual das duas formas é correcta: «escamar», ou «descamar o peixe»?

Resposta:

As duas formas estão corretas, ambas significando «tirar escamas ao peixe».

Note-se, porém, que escamar tem também significados próprios, conforme se pode verificar no Dicionário Houaiss: «ficar zangado, irado» («escamou-se todo com a provocação») e «retirar-se rapidamente para escapar a alguém ou algo; fugir, cair fora» («quando a polícia chegou, escamou-se pela porta dos fundos»). A mesma fonte atribui a descamar um significado próprio, na área da dermatologia: «soltar(-se) a camada epitelial da pele» («esse preparado descama a pele», «minha pele está descamando»).

Pergunta:

Estou com uma dúvida. Como se deve dizer: «Interrogação retórica», ou «pergunta retórica»? Ambas estão corretas, ou apenas uma, e qual?

Agradeço antecipadamente.

Resposta:

No âmbito do ensino básico e secundário em Portugal, o Dicionário Terminológico e a anterior terminologia (Nomenclatura Gramatical Portuguesa de 1967) não fixam o termo a usar neste caso. Afigura-se, portanto, legítimo usar «pergunta retórica» ou «interrogação retórica» como expressões sinónimas na análise estilística, como se constata pelas definições que dessas expressões faz o Dicionário Houaiss:

«Pergunta retórica» (s. v. pergunta): «aquela que se formula sem objetivo de receber uma resposta, mas apenas para causar um efeito retórico».

Interrogação (retórica): «frase formulada como uma interrogação, mas que constitui, de fato, uma afirmação».

Não se aprecia diferença semântica substancial nestas definições.