Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Queria saber se estas quatro palavras existem na língua portuguesa e, se existem, qual a forma correta de se escrever.

"Colaça", "culaça", "colassa", ou "culassa"?

É um termo técnico usado nas oficinas de automóveis e pelos mecânicos quando se referem à cabeça do um motor.

O meu muito obrigado.

Resposta:

A palavra em apreço não tem registo nos dicionários gerais a que tenho acesso. No entanto, tem o mesmo significado que o francês culasse1 e, como tal, parece ser a respetiva adaptação. É legítimo adaptá-lo ao português mudando-lhe apenas a vogal final, de modo a afeiçoá-la à morfologia vernácula – donde, culassa. Em alternativa, não excluo a possibilidade de a palavra se escrever com ç por razões históricas,2 mas julgo que isso já será levar demasiado longe a adaptação.

1 No Trésor de la Langue Française, atribuem-se a culasse, entre outras aceções, a de (em mecânica automóvel) «Partie supérieure fermant le bloc des cylindres dans un moteur à explosion ou à combustion, et qui sert de chambre de compression.» (tradução livre: «parte superior que fecha o bloco de cilindros dentro de um motor de explosão ou de combustão e que serve de câmara de compressão»).

2 O ç pode justiificar-se porque culasse é já, por si só, uma adaptação de um empréstimo norte-italiano, mais precisamente, do veneziano culazzo, que em italiano é culaccio (Trésor de la Langue Française, cf. nota 1 desta resposta). Esta terminação -accio corresponde a -aço em português, como ilustra o passo de pagliaccio a palhaço (cf. Dicionário Houaiss).

Pergunta:

É correcto utilizar "descimbre" como acto de descimbrar?

Obrigada.

Resposta:

Como substantivo correspondente a descimbrar [«retirar os cimbres de (uma abóboda, um arco etc.)] após o término de sua construção»), deve usar descimbramento com o significado de «ação de descimbrar» (cf. Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, e Dicionário Priberam da Língua Portuguesa). Os dicionários não registam "descimbre".

Descimbrar é um derivado prefixal de cimbrar, «dar forma de cimbre, corcovar» e, em sentido figurado, «curvar, dobrar, vergar» (Dicionário Houaiss). Cimbre é «armação provisória, geralmente de madeira, que serve de molde e de suporte durante a construção de arcos e abóbadas; címbrio, simples» (idem).

Pergunta:

Gostava, por favor, de saber qual é o adjectivo da palavra perna.

Resposta:

Pode usar cnémio (Dicionário Houaiss) ou cnémico (Dicionário de Termos Médicos, da Porto Editora), formas que significam o mesmo: «relativo à perna ou à tibia». Segundo o Dicionário Houaiss, cnémio inclui o radical de origem grega cnem(o)-, «antepositivo, do grego knéme, es, "perna, tíbia, caule", ocorrente nos cultismos cnemalgia, cnemálgico, cnêmico, cnêmio, cnemodactilia, cnemodáctilo, do século XIX em diante [...]».

Pergunta:

Estou com uma dúvida em relação à análise das duas primeiras vogais de tormenta: o, vogal posterior átona fechada e oral. Bem, o o é átono e fechado e oral, até ai entendi; mas por que é posterior? Sobre e, diz-se que anterior, tônica, fechada e nasalizada, mas não entendi o «anterior».

Podem me ajudar por favor?

Resposta:

No contexto da pronúncia brasileira, o o de tormenta é posterior, porque é velar, ou seja, a língua está recuada. A vogal correspondente a e (ou melhor, en) é anterior, porque a língua avança. Penso que as definições do Dicionário Houaiss ajudam a clarificar esta terminologia:

(1) posterior: «articulado na parte de trás do trato vocal [véu palatino, úvula, faringe e glote] (diz-se de som da fala); Obs.: p. opos. a anterior e a central»;

(2) anterior: «articulado na parte anterior da cavidade bucal [dentes incisivos superiores, alvéolos, parte anterior do palato duro] (diz-se de sons da fala, articulação etc.). Obs.: p. opos. a central e posterior. [...]».

Pergunta:

Gostaria de saber a origem etimológica do termo pubarca.

Resposta:

Trata-se de um termo científico formado por radicais de origem latina e grega: pub(i/o)- (latino) + -arca (grego). Designa o aparecimento precoce de pelos púbicos em crianças.

De acordo com o Dicionário Houaiss*, o radical pub(i/o)- é um «antepositivo, do lat. pubes, is, "pêlo que caracteriza a puberdade; por extensão, parte do corpo coberta por esse pêlo, púbis", designa também a "população adulta masculina, com idade de usar armas e de tomar parte nas deliberações da assembléia", e de pubes ou puber ou pubis, eris, "púbere, adulto", donde os seguintes deivados latinos: pubesco, is, ui, ère (sem supino), "cobrir-se de pêlos, chegar à puberdade", pubens, entis, "que está na puberdade", pubertas, atis, "puberdade", impubes ou impuber ou impubis, is, "que não tem pêlo; que não atingiu a puberdade"; a cognação vernácula apresenta vocábulos já originalmente latinos, já formados à sua feição: empubescer, empubescido; impuberdade, impúbere, impubescência, impubescente; pubente, puberal, puberdade, púbere, pubertário, puberulento, pubérulo, pubescência, pubescente, pubescer, pubiano, púbico, pubofemoral, puboisquiometal, pubotibial

O segundo elemento corresponde ao radical -arca, que, também segundo o Dicionário Houaiss, é um «pospositivo, do gr. arkhê, ês, "início, começo"; ocorre em uns poucos cultismos do século XX: adrenarca, menarca, pubarca [...].»

* Consultei a 1.ª edição, de 2001. Mantive a ortograf...