Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Após consulta de vários produtos com o ingrediente marshmallow observei que a tradução muitas vezes referida é de malvaísco, nome da planta com o qual este confeito é elaborado. Esta tradução será válida para este produto com esta designação à semelhança da língua francesa guimauve, ou devemos empregar o termo inglês, que pessoalmente desgosto?

Os meus agradecimentos antecipados.

Resposta:

Não encontro um termo português que se tenha generalizado como equivalente a marshmallow, designação de um doce («doce feito com raiz de alteia ou xarope de milho, açúcar, albume e gelatina, batidos até atingirem consistência esponjosa», Dicionário Houaiss). Os dicionários registam malvaísco e malvavisco, mas apenas como espécies botânicas. O portal Linguee apresenta por vezes a palavra alteia como tradução de marshmallow, mas os dicionários consultados (Houaiss, Porto Editora, Priberam) também só registam alteia como espécie botânica («designação comum às plantas do gênero Althaea, da família das malváceas, com 12 espécies, 11 nativas da Europa ao Nordeste da Sibéria e uma do Sul da Austrália», Dicionário Houaiss). De qualquer modo, fica aqui o registo de malvaísco (ou malvavisco) e alteia como candidatos a equivalente vernáculos de marshmallow. Para os usar, deve ter-se em conta que são praticamente desconhecidos e que é marsmallow a palavra empregada comercialmente.

Pergunta:

Presentemente a laborar na área do turismo e em tradução, desejaria por favor que me indicassem, caso essa exista, a tradução em língua portuguesa do termo «health club». Caso não exista, haverá alternativas como à semelhança do que ocorreu em França com «centre de remise en forme»?

Com os meus agradecimentos antecipados.

Resposta:

Em Portugal, só parece usar-se o anglicismo «health club», sem haver sinais de uso de alternativa vernácula – cf. portal Linguee. Assinalo, no entanto, que, na fonte consultada, ocorre a expressão «academia de ginástica», identificada como uso brasileiro. Esta expressão poderá ser uma boa alternativa ao empréstimo inglês.

Pergunta:

Como se contrai lhes e o, as, os, as?

Resposta:

Em português, as contrações de lhes com o(s) ou a(s) são lho(s) e lha(s), ou seja, iguais às que resultam das contrações em que se integra o pronome lhe, no singular: «ofereci um livro ao Pedro» – «ofereci-lhe um livro» – «ofereci-lho»; «ofereci um livro ao Pedro e à Rita» – «ofereci-lhes um livro» – «ofereci-lho».

Já que a pergunta é enviada da Galiza, assinale-se que em galego, tanto na sua forma normativa1 como em parte importante das suas modalidades dialetais, as contrações em que participa o plural lles (ll= lh de lhes) são llelo(s) e llela(s), distinguindo-se estas das contrações feitas com o singular lle (= lhe), que são llo(s) e lla(s). Note-se ainda que esta distinção é especificidade galega e não reflete influência do castelhano, idioma em que, tal como em português, não se faz a distinção no plural (traduzindo e adaptando os exemplos portugueses acima apresentados: «he regalado un libro a Juan» – «se lo he regalado»; «he regalado un libro a Juan y Silvia» > «se lo he regalado»).

1 Ver Normas Ortográficas e Morfolóxicas do idioma Galego (23.ª edição, 2012, págs. 90-91).

Pergunta:

Será correto utilizar a palavra "legalizabilidade", na frase «sobre a legalizabilidade de uma obra», à semelhança do que se passa com realizabilidade?

Obrigado.

Resposta:

Se legalizável se interpreta como «referente à possibilidade de legalização», deveria ser possível formar "legalizabilidade", ou seja, o mesmo que «possibilidade de legalização». No entanto, em português, apesar de existir potencialmente, não parece que a palavra tenha muito uso; além disso, é uma palavra extensa, de articulação não muito fácil. Com tudo isto, pensamos que o vocábulo possa ainda não ser bem aceite – o que explica, aliás, as dúvidas do próprio consulente. Por isso, não o aconselho (por enquanto).

Numa consulta da Internet, verifico, porém, que em galego se atesta, por exemplo, a expressão «a legalizabilidade da obra», expressão que parece replicar o castelhano «la legalizabilidad de las obras». É possível que, no contexto do incremento das relações económicas com a Galiza ou outra região espanhola, se sinta a necessidade de transpor para português o termo em causa, que a língua pode adotar diretamente, sem adaptações nem traduções, indo ao encontro de certas realidades que em Portugal não estão ainda claramente identificadas e categorizadas. Neste campo, muito depende do uso e do sentido que o meio jurídico atribuir ao termo.

Pergunta:

Agradeço que procedam à análise sintática da frase «ficaram conhecidos pelo mundo».

Grata.

Resposta:

A construção formada por ficar + particípio passado define um tipo de frase ou oração passiva que não é mencionado pelo Dicionário Terminológico, mas que tem sido descrito por diferentes gramáticos.

Assim:

– Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (1984, p. 396), referem o verbo ficar como verbo auxiliar da «passiva denotadora da mudança de estado»;

– na Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, p. 440-444), considera-se que ficar + particípio passado marca a predicação associada a uma «oração passiva resultativa» (p. 440).