Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Estou a trabalhar num conteúdo de Psicologia e deparei-me com uma dificuldade inesperada: a de distinguir entre emotivo e emocional. Não consigo entender o que distingue ambas as palavras. As definições dos dicionários que consulto habitualmente (Priberam e Infopédia) parecem-me muito semelhantes, e fico com a sensação de que são termos absolutamente sinónimos cuja utilização é apenas uma opção estilística de quem escreve. Ou não será assim e haverá alguma subtileza que me escapa? Em termos científicos representam a mesma coisa? Infelizmente, após muita pesquisa nada encontrei sobre esta questão.

Felicito-os pelo vosso extraordinário trabalho e agradeço antecipadamente a vossa ajuda.

Resposta:

Não tenho uma resposta categórica, porque estes dois adjetivos têm em português uma história de certo modo complicada. Do ponto de vista da linguagem não especializada, são sinónimos, e muitas vezes o que os distingue são sobretudo as diferentes palavras com que se associam habitualmente: diz-se mais «vida emocional» do que «vida emotiva», embora, intuitivamente, a segunda expressão pareça remeter para uma vida que se salienta não só pelas emoções mas também pela intensidade dessas emoções. Além disso, verifica-se que emotivo significa muitas vezes «comovente», ao passo que emocional não passa de um adjetivo relacional («vida emocional» = «vida relativa às emoções»). Contudo, nos domínios especializados, há quem pareça distinguir, sem que deixe claramente explícita a diferença:

«A área da educação sofre, ou beneficia, de um processo de alteração paralelo em que os aspectos cognitivos dos processos de aprendizagem são tratados de uma forma conjunta com os aspectos de ordem emocional e emotiva» (blogue Oficina de Psicologia).

É de assinalar que emoção e os adjetivos emocional e emotivo eram censurados pelos puristas até meados do século XX, por replicarem galicismos. Vale, portanto, a pena saber o que em francês se diz sobre a diferença entre émotif e emotionnel: no Office Québecois de la Langue, considera-se que émotif tem dois significados: «relativo à emoção», sendo assim sinónimo de émotionnel, e «que reage facilmente às emoções»; quanto a émotionnel, o significado é genericamente apenas o de «relativo à emoção». Na...

Pergunta:

Há termos médicos que por vezes são cunhados e depois verbalizados pelos próprios profissionais de maneira incorrecta, o que não admira, pois, regra geral, os médicos não são linguistas ou filólogos. Além disso, não é raro que o significado de um determinado termo seja diferente consoante as escolas ou comunidades médicas.

Enquanto aluno de Medicina, recordo-me do uso ocasional dos termos "noctúria" e "nictúria", respeitantes ao fenómeno «urinar durante a noite» (i.e., ter de interromper o sono para ir urinar). Se bem me lembro, havia à época quem atribuísse diferentes significados a estes termos em virtude de a etiologia ser (alegadamente) distinta. Já como médico, tenho visto estes termos serem usados indistintamente para um mesmo fenómeno, independentemente da causa. Pergunto:

1) ambos os termos têm cabimento em português?

2) em caso afirmativo, têm efectivamente o mesmo significado?

Muitíssimo obrigado.

Resposta:

Os dicionários gerais consultados registam apenas nictúria – ver, além do Dicionário Houaiss, o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa e o Dicionário Online Caldas Aulete. O Dicionário de Termos Médicos da Porto Editora regista nictúria mas também a forma noctúria, a qual é remetida para a primeira, o que sugere que se dá preferência a nictúria. Nos vocabulários ortográficos mais recentes, vê-se que o da Porto Editora e o da Academia Brasileira de Letras registam ambas as formas, mas o Vocabulário Ortográfico do Português (Portal da Língua) e o Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (Instituto Internacional da Língua Portuguesa) acolhem apenas nictúria. Refira-se ainda que, nos vocabulários associados ao anterior acordo ortográfico (o de 1945) – o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, de 1940, e o Vocabulário da Língua Portuguesa, de 1966, da autoria de Rebelo Gonçalves –, consigna-se somente

Pergunta:

Agradecia que me esclarecessem a correta classificação da oração iniciada por que em «é comum a suposição de que o céu e a Terra se encontravam inicialmente muito próximos». Pedia ainda que me elucidassem acerca da preposição de que aparece depois de suposição, uma vez que pode ser retirada sem afetar o sentido da frase.

Obrigada.

Resposta:

A respeito de suposição, é possível suprimir a preposição de no registo informal. No entanto, essa supressão não é aceite no registo formal.

A Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 1895/1896) – GP – considera que os substantivos que fazem parte de perífrases formadas por um verbo suporte ou leve e uma expressão nominal permitem a supressão da preposição (exemplos da fonte consultada):

1. estar à espera: «Olha, cá estamos à espera (de) [que isto melhore].»

2. ter a suspeita: «Tenho a suspeita (de) [que não vou ser eleito].»

Contudo, há outros casos (orações especificativas), em que a omissão da preposição tem menos aceitação (exemplos da fonte consultada):

3. ideia: «A progressiva reconciliação com a ideia _ [que o desejável "crescimento" do filho impusera a separação] assim como a força de ligação afetiva entre os pais ajudam a "reabsorver" a dor»* (revista Máxima, apud Corpus de Referência do Português Contemporâneo).

Sobre casos como 3, em que figura uma oração especificativa e entre os quais também podemos incluir o de suposição tal como ocorre na frase apresentada pela consulente, a GP observa o seguinte:

«Apesar de a supressão da preposição em orações especificativas ser atestada em registos informais, tende a ser evitada na escrita e é intuída pelos falantes mais velhos ou mais escolarizados como um desvio à norma-padrão.»

Note que a GP, quando se refere às orações selecionadas por um nome, faz...

Pergunta:

Qual das formas é a correta, ou todas estão corretas?

1) «Em que pese em que hoje é feriado, irei trabalhar.»

2) «Em que pese seja hoje feriado, irei trabalhar.»

3) «Em que pese ser hoje feriado, irei trabalhar.»

Resposta:

A locução «em que pese» é empregada com expressões nominais, não podendo ser seguida de orações finitas; logo, não são aceitáveis nem 1 nem 2 entre os exemplos apresentados. A possibilidade de associar-se a orações de infinitivo é fraca, pois, numa pesquisa do Corpus do Português (de Mark Davies e Michael Ferreira), apenas pude detetar uma ocorrência de «em que pese» seguida de infinitivo: «... tendo bom trânsito junto às correntes políticas de esquerda, em que pese ter pertencido a Arena e o PDS, já extintos» (1997).

O melhor será recorrer a uma construção introduzida por «o facto de»: «... em que pese o facto de ter pertencido...» ou, em referência ao caso em questão, «... em que pese o facto de ser hoje feriado...»

Pergunta:

Verifiquei que o apelido de Georgius Papanicolaou (médico grego que iniciou o rastreio do carcinoma do colo do útero) aparece muitas vezes escrito como Papanicolau.

Relativamente a este assunto, gostaria que me ajudassem nas seguintes questões:

1. Confirmem que é errado escrever Papanicolau e não Papanicolaou, dado que os nomes não têm tradução;

2. Tratando-se de um nome, não deve vir nos textos em itálico, dado não ser um estrangeirismo;

3. Como se designam as palavras/qual o processo em que a palavra se lê de um modo e se escreve de outro? É o que acontece neste caso, porque diz-se Papanicolau, apesar de se escrever de outra forma.

Obrigado.

Resposta:

1. A forma Papanicolau é o aportuguesamento de Papanikolaou, transliteração em alfabeto latino do nome grego (Γεώργιος) Παπανικολάου. Atualmente, é verdade que os antropónimos estrangeiros não se adaptam ao português (são ainda exceção os nomes de membros das casas reais, embora o uso tenda a mudar). No entanto, acontece que este caso é também excecional e se encontra hoje adaptado ao português como Papanicolau como nome que identifica um exame médico. Sendo assim, parece-me que Papanicolau é forma legítima, sobretudo em referência ao exame médico.

2. Como nome próprio que é, a transliteração internacional dispensa o itálico.

3. Não há nome especial para o contraste mencionado na pergunta, embora em muitas línguas se aprecie que entre a fonia e a grafia a relação nem sempre é consistente (cf. inglês e francês). No caso da transliteração do grego, ou costuma corresponder ao u português.