Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Alguns escritores têm vindo a trabalhar em dupla. A minha questão é a seguinte: na necessidade de pronunciar o nome do autor, por exemplo, Lars Kepler (pseudónimo de uma dupla de escritores de sucesso na Suécia: Alexander Ahndoril e Alexandra Coelho Ahndoril), devo usar o artigo definido no plural ou no singular? «Os Lars Kepler» ou «o Lars Kepler»? E para o caso de querer referir obra e autor, pode-se escrever/dizer «O Homem de Areia dos Lars Kepler» ou o correto será mesmo «de Lars Kepler»?

Grato pela vossa atenção.

Resposta:

Com o pseudónimo em questão, pode empregar-se o plural ou o singular, em função do que se tenha em mente: «os Lars Kepler» = «os escritores chamados Lars Kepler»; «o Lars Kepler» = «o par Lars Kepler». No singular, pode até não ocorrer o artigo definido, tal como se faz quando se refere formalmente um artista: «um livro de Lars Kepler».

Como se trata de uma situação pouco frequente no mundo da criação literária – um pseudónimo para dois escritores –, suponho que o uso possa decalcar o dos nomes de bandas musicais. Por exemplo, se para mencionar o grupo musical chamado Jethro Tull (1967-2014) – que vai buscar o nome a uma figura histórica (cf. informação em artigo da Wikipédia em inglês) – dizemos «os Jethro Tull», como se por esta denominação se fizesse referência aos músicos assim conhecidos, então, também diremos «os Lars Kepler». Tal não impede, porém, que também se use «o Jethro Tull», pressupondo a noção de «grupo», o que permite que também se legitime a expressão «o Lars Kepler», pressupondo a noção de «par».

Pergunta:

É correta a utilização de com + gerúndio? Por exemplo:

«Todo sete de setembro, a cavalaria desfilava por toda a cidade (de preferência, com o general xx cavalgando à frente de todos e acenando para o público).»

«Eu fazia lições todo dia, com minha mãe olhando para ver se eu estava fazendo tudo certo.»

Sei que as frases podem ser reescritas sem o com e o gerúndio, mas minha pergunta é se isso do jeito que está é aceitável.

Obrigada!

Resposta:

A construção que refere está correta. Encontra-se, por exemplo, atestada em autores da passagem do século XIX para o século XX, como o português Fialho de Almeida, que viveu entre 1857 e 1911 (oração gerundiva sublinhada): «Todas as umbreiras e cimos de janelas e portas, feitos d'entrançados de canastra, uma das engenhosas indústrias campestres da região, hoje perdida; móveis de pinho, sem tinta nem verniz, respeitando as formas tradicionais do escabelo e do tamborete de tripeça, com pinturas representando flores e animais, no pinho cru: à altura da cimalha, prateleiras com faianças portuguesas de Darque, Coimbra, Caldas e Lisboa [...]» (Corpus do Português).

Pergunta:

Por gentileza, me responda, citando a respectiva regra ortográfica, qual a escrita correta do gentílico de quem é natural da cidade de São Pedro da Aldeia: "aldeense" ou "aldeiense"?

Desde já, agradeço a colaboração!

Resposta:

A forma registada pelo Dicionário Houaiss é aldeense.* Esta forma é a mais correta e pressupõe considerar que o radical de aldeia é alde-, ao qual se associa o sufixo -ense. Daí aldeense. Não se trata, portanto, de um caso com incidência na ortografia, mas, sim, respeitante à formação de palavras. De notar que, noutras palavras derivadas, o i de aldeia também se perde: aldeão.

* É também a forma usada na página da prefeitura de São Pedro da Aldeia: «[...] a terra aldeense refletiu em sua epopeia, em seu pequeno microcosmos, as fases pelas quais passou o próprio Brasil.»

Pergunta:

Estou a trabalhar num conteúdo de Psicologia e deparei-me com uma dificuldade inesperada: a de distinguir entre emotivo e emocional. Não consigo entender o que distingue ambas as palavras. As definições dos dicionários que consulto habitualmente (Priberam e Infopédia) parecem-me muito semelhantes, e fico com a sensação de que são termos absolutamente sinónimos cuja utilização é apenas uma opção estilística de quem escreve. Ou não será assim e haverá alguma subtileza que me escapa? Em termos científicos representam a mesma coisa? Infelizmente, após muita pesquisa nada encontrei sobre esta questão.

Felicito-os pelo vosso extraordinário trabalho e agradeço antecipadamente a vossa ajuda.

Resposta:

Não tenho uma resposta categórica, porque estes dois adjetivos têm em português uma história de certo modo complicada. Do ponto de vista da linguagem não especializada, são sinónimos, e muitas vezes o que os distingue são sobretudo as diferentes palavras com que se associam habitualmente: diz-se mais «vida emocional» do que «vida emotiva», embora, intuitivamente, a segunda expressão pareça remeter para uma vida que se salienta não só pelas emoções mas também pela intensidade dessas emoções. Além disso, verifica-se que emotivo significa muitas vezes «comovente», ao passo que emocional não passa de um adjetivo relacional («vida emocional» = «vida relativa às emoções»). Contudo, nos domínios especializados, há quem pareça distinguir, sem que deixe claramente explícita a diferença:

«A área da educação sofre, ou beneficia, de um processo de alteração paralelo em que os aspectos cognitivos dos processos de aprendizagem são tratados de uma forma conjunta com os aspectos de ordem emocional e emotiva» (blogue Oficina de Psicologia).

É de assinalar que emoção e os adjetivos emocional e emotivo eram censurados pelos puristas até meados do século XX, por replicarem galicismos. Vale, portanto, a pena saber o que em francês se diz sobre a diferença entre émotif e emotionnel: no Office Québecois de la Langue, considera-se que émotif tem dois significados: «relativo à emoção», sendo assim sinónimo de émotionnel, e «que reage facilmente às emoções»; quanto a émotionnel, o significado é genericamente apenas o de «relativo à emoção». Na...

Pergunta:

Há termos médicos que por vezes são cunhados e depois verbalizados pelos próprios profissionais de maneira incorrecta, o que não admira, pois, regra geral, os médicos não são linguistas ou filólogos. Além disso, não é raro que o significado de um determinado termo seja diferente consoante as escolas ou comunidades médicas.

Enquanto aluno de Medicina, recordo-me do uso ocasional dos termos "noctúria" e "nictúria", respeitantes ao fenómeno «urinar durante a noite» (i.e., ter de interromper o sono para ir urinar). Se bem me lembro, havia à época quem atribuísse diferentes significados a estes termos em virtude de a etiologia ser (alegadamente) distinta. Já como médico, tenho visto estes termos serem usados indistintamente para um mesmo fenómeno, independentemente da causa. Pergunto:

1) ambos os termos têm cabimento em português?

2) em caso afirmativo, têm efectivamente o mesmo significado?

Muitíssimo obrigado.

Resposta:

Os dicionários gerais consultados registam apenas nictúria – ver, além do Dicionário Houaiss, o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa e o Dicionário Online Caldas Aulete. O Dicionário de Termos Médicos da Porto Editora regista nictúria mas também a forma noctúria, a qual é remetida para a primeira, o que sugere que se dá preferência a nictúria. Nos vocabulários ortográficos mais recentes, vê-se que o da Porto Editora e o da Academia Brasileira de Letras registam ambas as formas, mas o Vocabulário Ortográfico do Português (Portal da Língua) e o Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (Instituto Internacional da Língua Portuguesa) acolhem apenas nictúria. Refira-se ainda que, nos vocabulários associados ao anterior acordo ortográfico (o de 1945) – o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, de 1940, e o Vocabulário da Língua Portuguesa, de 1966, da autoria de Rebelo Gonçalves –, consigna-se somente