Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como se contrai lhes e o, as, os, as?

Resposta:

Em português, as contrações de lhes com o(s) ou a(s) são lho(s) e lha(s), ou seja, iguais às que resultam das contrações em que se integra o pronome lhe, no singular: «ofereci um livro ao Pedro» – «ofereci-lhe um livro» – «ofereci-lho»; «ofereci um livro ao Pedro e à Rita» – «ofereci-lhes um livro» – «ofereci-lho».

Já que a pergunta é enviada da Galiza, assinale-se que em galego, tanto na sua forma normativa1 como em parte importante das suas modalidades dialetais, as contrações em que participa o plural lles (ll= lh de lhes) são llelo(s) e llela(s), distinguindo-se estas das contrações feitas com o singular lle (= lhe), que são llo(s) e lla(s). Note-se ainda que esta distinção é especificidade galega e não reflete influência do castelhano, idioma em que, tal como em português, não se faz a distinção no plural (traduzindo e adaptando os exemplos portugueses acima apresentados: «he regalado un libro a Juan» – «se lo he regalado»; «he regalado un libro a Juan y Silvia» > «se lo he regalado»).

1 Ver Normas Ortográficas e Morfolóxicas do idioma Galego (23.ª edição, 2012, págs. 90-91).

Pergunta:

Será correto utilizar a palavra "legalizabilidade", na frase «sobre a legalizabilidade de uma obra», à semelhança do que se passa com realizabilidade?

Obrigado.

Resposta:

Se legalizável se interpreta como «referente à possibilidade de legalização», deveria ser possível formar "legalizabilidade", ou seja, o mesmo que «possibilidade de legalização». No entanto, em português, apesar de existir potencialmente, não parece que a palavra tenha muito uso; além disso, é uma palavra extensa, de articulação não muito fácil. Com tudo isto, pensamos que o vocábulo possa ainda não ser bem aceite – o que explica, aliás, as dúvidas do próprio consulente. Por isso, não o aconselho (por enquanto).

Numa consulta da Internet, verifico, porém, que em galego se atesta, por exemplo, a expressão «a legalizabilidade da obra», expressão que parece replicar o castelhano «la legalizabilidad de las obras». É possível que, no contexto do incremento das relações económicas com a Galiza ou outra região espanhola, se sinta a necessidade de transpor para português o termo em causa, que a língua pode adotar diretamente, sem adaptações nem traduções, indo ao encontro de certas realidades que em Portugal não estão ainda claramente identificadas e categorizadas. Neste campo, muito depende do uso e do sentido que o meio jurídico atribuir ao termo.

Pergunta:

Agradeço que procedam à análise sintática da frase «ficaram conhecidos pelo mundo».

Grata.

Resposta:

A construção formada por ficar + particípio passado define um tipo de frase ou oração passiva que não é mencionado pelo Dicionário Terminológico, mas que tem sido descrito por diferentes gramáticos.

Assim:

– Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (1984, p. 396), referem o verbo ficar como verbo auxiliar da «passiva denotadora da mudança de estado»;

– na Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, p. 440-444), considera-se que ficar + particípio passado marca a predicação associada a uma «oração passiva resultativa» (p. 440).

Pergunta:

A palavra distópico existe? É que eu li a sinopse do livro Divergente, de Veronica Roth, onde dizia que a história se passava num lugar "distópico". Fui procurar essa palavra no dicionário mas não a encontrei, por isso fiquei na dúvida.

Agradeço antecipadamente a todos os que tiverem a amabilidade de me responder.

Resposta:

A palavra distópico está registada em dicionários como adjetivo que diz respeito ao substantivo distopia (cf. Dicionário Houaiss e Dicionário Priberam da Língua Portuguesa), o qual pode ser definido de duas formas:

– na medicina, como «posição anómala de um órgão» (Dicionário Houaiss);

– nos estudos literários, é sinónimo de antiutopia, palavra que o dicionário da Porto Editora (na Infopédia) define como «representação ou descrição de uma sociedade futura caracterizada por condições de vida alienantes ou extremas, que tem como objetivo criticar tendências da sociedade atual, ou alertar para os perigos de determinadas utopias».

Refira-se que as literaturas do século XX ficaram marcadas por vários romances distópicos, como Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, de George Orwell (1903-1950), e Fahrenheit 451, de Ray Bradbury (1920-2012). Para saber mais sobre a distopia enquanto perspetiva literária, leia-se também o artigo distopia do E-Dicionário de Termos Literários). Assinale-se ainda que, neste âmbito, a significação do termo distopia terá surgido por influência do inglês dystopia, cujos constituintes...

Pergunta:

O Código de Redação Interinstitucional da UE estabelece que, quando se usa o símbolo do euro (€), este deve vir à direita do valor e com espaço:

Ex.: 30 €

A minha dúvida persiste, após profunda pesquisa (e sem resultar em nenhuma conclusão fidedigna), em relação ao símbolo do dólar. Quando usado num texto português, devemos posicioná-lo também à direita (e com espaço), como instituído para o euro?

Ou seja: 30 $

Ou devemos usar a regra do inglês e posicioná-lo à esquerda ($ 30)?

Obrigada.

Resposta:

Não conheço prática generalizada ou já consagrada para a posição do símbolo da moeda norte-americana. No entanto, em português, afigura-se razoável que tal símbolo apareça na mesma posição que o do euro, ou seja, à direita do valor, generalizando o critério definido pelo Código de Redação Interinstitucional para o euro. É este, de resto, o procedimento previsto por um guia de estilo do Centro de Informação Europeia Jacques Delors, que parece determinar (p. 17) que a representação das moedas siga a do euro: ou seja, se o símbolo € ocorre à direita do valor, com espaço, então o símbolo $ também deve figurar assim: 30 $ (ou 30 USD, para usar o código ISO).