Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Recentemente, no Brasil, vi a seguinte grafia (com hífen) da palavra franco-atirador no jornal Folha de São Paulo, de grande circulação nacional: «O cabo Clay Hunt havia sido um franco-atirador no batalhão. Depois de ter saído do Corpo de Fuzileiros Navais em 2009, depois de uma segunda participação, seu desencanto com a guerra cresceu, e ele procurou tratamento no Departamento de Assuntos de Veteranos (DAV), para combater a depressão e o transtorno de estresse pós-traumático que sofria» (23/09/2015). Acontece que a Academia Brasileira de Letras, em Encarte de Correções e Aditamentos à 5.ª edição, diz que deve ser grafada assim a palavra: "francoatirador", portanto, sem hífen. Como Portugal lida com esta hesitação na grafia da referida palavra?

Resposta:

Deve haver engano por parte do consulente, porque é o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) da Academia Brasileira de Letras (ABL), na sua 5.ª edição em versão impressa (datada de 2009), que regista "francoatirador", forma sem hífen. O referido encarte é que posteriormente veio corrigir essa entrada, restituindo-lhe o hífen: franco-atirador. É também com hífen que a palavra aparece atualmente na pesquisa da versão em linha do VOLP da ABL.

O lapso da versão em papel do VOLP da ABL parece ter tido consequências em Portugal: com efeito, a Porto Editora apresenta "francoatirador" como nova grafia no seu dicionário de língua portuguesa, mas o seu vocabulário ortográfico consigna a forma correta, franco-atirador. Acrescente-se que esta é também grafia fixada noutro vocabulário ortográfico, no Vocabulário Ortográfico Atualizado da Língua Portuguesa (Academia das Ciências de Lisboa). No Vocabulário Ortográfico do Português (Portal da Língua) e no Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (Instituto Internacional da Língua Portuguesa), não ocorre franco-atirador, mas regista-se

Pergunta:

Antes de mais, o meu obrigado pelo excelente serviço prestado.

A minha dúvida prende-se com um uso específico da vírgula. Entendo que, numa frase como «sabendo o que tinha de fazer, decidiu agir», deve utilizar-se a vírgula para separar o complemento circunstancial no início da frase. Pergunto-me, no entanto, se o mesmo se passa numa frase como «e sabendo o que tinha de fazer, decidiu agir». Teria de haver obrigatoriamente uma vírgula a preceder a palavra sabendo, ou o «e» inicial, em certos contextos como este, poderá considerar-se parte do complemento circunstancial, não carecendo de uma segunda vírgula («e[,] sabendo o que tinha de fazer, decidiu agir»)? O mesmo seria válido para frases como: «e[,] assim, decidiu agir»/«e[,] então, decidiu agir»/«e[,] por isso, decidiu agir»? Não encontro nada referente a este caso específico, por isso gostaria que me auxiliassem, se possível com a referência a alguma gramática que se tenha debruçado sobre esta particularidade da escrita.

Muito obrigado.

Resposta:

De facto, não parece existir doutrina normativa sobre o tópico, pelo que é de supor que aos exemplos apresentados se apliquem os critérios de sempre. Contudo, estes casos têm certas características estruturais e discursivas que, sem retirar relevância à vírgula, permitem considerar a possibilidade da sua omissão, sem aí haver erro inequívoco.

Assim, em todos os contextos apresentados, a conjunção e ocorre como um conetor textual, mas esta função é, do ponto de vista sintático, praticamente igual à da mesma conjunção na coordenação oracional («desceu do comboio e, sabendo o que tinha de fazer, decidiu agir»). Esta função textual não obsta, portanto, a que expressões adverbiais – palavras simples, locuções e até orações gerundivas, participais ou de infinitivo – apareçam entre vírgulas. O mesmo acontece com e e «no entanto», quando ambos aparecem como articuladores do discurso.

Contudo, esse e com função discursiva e textual é usado muitas vezes para dar realce frases e expressões. Por exemplo, Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições João Sá da costa, 1984, p. 579), falam no e que inicia «frases de alta intensidade afectiva» («El-rei preso! E não se levanta este Minho a livrá-lo!»).  Não me parece que, nos exemplos em discussão, se trate dessa intensidade, mas não será ilegítimo encarar o e parte da expressão adverbial, tal como aconteceria se esta fosse interrogada, constituindo um enunciado:

1 – E sabendo o que tinha de fazer? – E sabendo o que tinha de fazer[, decidiu agir].

2 – «E assim? – E assim[, decidiu agir].

O...

Pergunta:

Devo dizer «do que o costume», «do que de costume», ou «que de costume»?

Obrigado.

Resposta:

Usa-se «de costume» na expressão «como de costume», equivalente a «como é hábito». Nestes casos, o valor da construção é conformativo, isto é, refere-se a concordância de uma situação com o que se julga. Nas construções propriamente comparativas («mais... do que», «menos... do que»),  a segunda parte da comparação ocorre sob as formas «o costume» («mais/menos... do que o costume» ou «mais/menos... que o costume») ou «é costume» («mais/menos... do que é costume»). Exemplos:

1 – «Chegou mais tarde do que o costume.» (Também é possível «mais tarde que o costume».)

2 – «Chegou mais tarde do que é costume.» (Aqui só a construção com «do que» é possível, porque o segundo termo da comparação é uma oração – ler resposta intitulada Do que em orações subordinadas comparativas.)

Pergunta:

Gostaria de saber qual é a regra de utilização de maiúsculas e minúsculas para Polo Norte e Polo Sul.

Obrigada.

Resposta:

As expressões – quando referidas aos lugares que coincidem com as «extremidades do eixo imaginário em torno do qual a Terra executa o seu movimento de rotação» (Dicionário Houaiss) – escrevem-se com maiúscula inicial, pelo menos, em Portugal: Polo Norte, Polo Sul, sem acento na palavra polo, conforme o Acordo Ortográfico (AO)1 . No Brasil, preferem-se as minúsculas iniciais: «polo norte/sul».

Não é fácil enquadrar estes dois casos numa regra. O AO ou os vocabulários ortográficos mais atualizados não fixam as referidas formas, visto que, sobre o assunto, todos eles são omissos ou pouco claros. Na verdade, o uso de maiúsculas iniciais está atestado no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves. Não obstante, no âmbito brasileiro, a 1.ª edição do Dicionário Houaiss – anterior à adoção do AO – grafa «polo Norte» e «polo Sul»  sem maiúscula inicial, no verbete correspondente a polo, provavelmente considerando que este vocábulo deve comportar-se como nome geográfico à semelhança de rio ou serra («rio Mondego», «serra de Sintra»); na sequência da aplicação do AO no Brasil, as expressões nominais em causa passaram a «polo norte/sul»2. Observe-se, contudo, que as denominações em apreço podem ser também perspetivadas globalmente como nomes de lugar; sendo assim, assumem as iniciais maiúsculas em ambos os elementos, conforme Rebelo Gonçalves fixou. É também com maiúsculas iniciais – Polo Norte, Polo Sul – que ocorrem quando figuram numa das definições que o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, já atualizado ao abrigo ...

Pergunta:

A regência do verbo interessar causa-me sempre dúvidas. A frase «eu interesso-me pelo teatro clássico» está correta, não é verdade? No entanto, é também possível expressar a mesma ideia dizendo «eu tenho interesse pelo teatro clássico». A minha dúvida é se se pode igualmente dizer «eu tenho interesse no teatro clássico». No Guia Prático de Verbos com Preposições, de Helena Ventura e Manuela Caseiro, as autoras afirmam que o verbo interessar rege unicamente a preposição por. Contudo, quando expressamos a mesma ideia dizendo – «tenho interesse» –, que preposição devemos usar, em, ou por? Pode dizer-se «eu tenho interesse no teatro clássico»?

Muito obrigada.

Resposta:

A frase «tenho interesse no teatro clássico» está correta, porque ao substantivo interesse pode ser associada a preposição em.

Em relação ao verbo interessar e ao complemento que remete para o motivo de interesse, é possível usar quer a preposição por quer a preposição em, conforme atesta o Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses (coordenado por J. Malaca Casteleiro, Texto Editores, 2007), quando o verbo é acompanhado por um complemento direto que refere a(s) pessoa(s) em quem se pretende despertar interesse (exemplos da fonte consultada; sublinhado meu):

1 – «A instituição procurou interessar os participantes no concurso.»

2 – «O governo interessou os cidadãos por questões ambientais.»

Contudo, quando o verbo se usa sem complemento direto e o sujeito se refere à pessoa interessada, emprega-se apenas por (idem):

3 – «O colecionador interessa- se por obras clássicas.»

Quanto ao substantivo interesse (como parte da expressão «ter interesse», ou não), ocorre ou com por ou com em, seguidos de substantivo:

4 – «Disse a condessa, ansiosa de interesse por aquele homem extraordinário» (Camilo Castelo Branco, Mistérios de Lisboa, I, in Francisco Fernandes, Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos, s.v. interesse).

5 – «Os três indivíduos pareciam tomar todos vivo in...