Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Desejava saber se o termo know-how ou saber-fazer não poderiam ambos ser traduzidos pelo vernáculo português traquejo. Estou em crer que o termo traquejo significa o conhecimento contínuo por via do uso ou experiência num período temporal por uma pessoa ou um grupo de pessoas num determinado assunto ou matéria.

Obrigado.

Resposta:

Saber-fazer é de facto uma solução – ao que parece, decalcada do francês savor-faire (ver saber-fazer no Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora) – há já bastante tempo adotada como tradução do inglês know-how. No entanto, existem outras possibilidades, entre elas, a (supostamente) banal experiência, conforme propõe o portal de tradução Linguee. A tradução do consulente também é adequada e legítima, até porque as noções de experiência ou prática estão no cerne do significado de traquejo, que o Dicionário Houaiss define como «muita prática ou experiência em qualquer atividade».

Cf. 8 palavras que os ingleses nos roubaram

Pergunta:

Existe publicada alguma informacão sobre os lagartos chamados Anolis? Tenho-os visto como Anolis carolinensis, "anolis-verde" e Anolis forbesi ou "lagarto de Forbes". São ambas as formas aceites na língua portuguesa ("anolis" e lagarto) ou só a forma de lagarto?

Obrigado.

Resposta:

A palavra anólis, como adaptação do latim científico Anolis, está dicionarizada como denominação de uma espécie de lagartos, pelo menos, em obras produzidas no Brasil, como o dicionário Aulete Digital e o Dicionário Houaiss, que a define assim: «design[ação]. comum aos lagartos do gên[ero]. Anolis, da fam[ília]. dos iguanídeos, com cerca de 200 [e]sp[écies]., de tamanho pequeno, encontradas esp[ecialmente]. nas Américas do Sul e Central (São capazes de mudar de cor, e os machos possuem uma barbela colorida, us[ualmente]. em exibições visuais).» Contudo, não foi possível confirmar o uso ou o registo dicionarístico das formas "anólis-verde" (o hífen justificar-se-á, tratando-se de uma espécie animal que se distingue de outras) e "anólis-de-Forbes" (o hífen fica justificado também por se tratar da denominação de uma espécie animal). São palavras possíveis, mas a verdade é que ainda aguardam atestações, tanto no discurso especializado como na linguagem mais corrente.

Pergunta:

Qual é a fórmula mais correta:

«fruir do dom do sol e do dom do mar», ou «fruir o dom do sol e o dom do mar»?

Grato desde já pela atenção.

Resposta:

O verbo fruir pode ser transitivo direto – ou seja, tem um complemento direto («fruir o sol») e, por isso, emprega-se sem regência – ou transitivo indireto – isto é, tem regência, e, portanto, pode ocorrer com um complemento preposicionado («fruir do sol»). Ambos os usos estão corretos e são semanticamente equivalentes. Refira-se que este comportamento sintático está descrito em obras de referência como o Dicionário Houaiss e o Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses (2007, Texto Editora), de Malaca Casteleiro.

Pergunta:

Antes de tudo, meus parabéns ao website pelas excelentes contribuições no que diz respeito aos usos da língua portuguesa. Sei que já houve publicações, no Ciberdúvidas, do assunto de que trataremos, mas, dado o uso cada vez mais amplo da expressão em pauta, gostaria de relançar a questão.

Em vários meios, sobretudo na imprensa e também em textos de ONG, vem sendo empregada, há um significativo tempo, a expressão «crise humanitária» (p.ex.: «Agrava-se a crise humanitária de refugiados na Europa»), com a acepção de uma situação de grande emergência, na qual se acha em perigo a vida de grande número de pessoas, de modo que se torna necessária a mobilização, por vezes extraordinária, de recursos de ajuda. Dicionários e os usos originais registrados do adjetivo humanitário, por sua vez, se referem a ações positivas em relação ao homem, em seu favor (o Houaiss, p.ex., numa de suas acepções para esse adjetivo, traz: «que ou aquele que se dedica a promover o bem-estar do homem e o avanço das reformas sociais; filantropo»). O Dicionário Caldas Aulete on-line, na acepção 2 da entrada confim, traz, por lapso ou não, a seguinte citação de um website como exemplo de uso do verbete, sendo que aí aparece a expressão de que estamos tratando: «As minorias étnicas birmanesas deslocadas no confim com a Tailândia estão vivendo uma grave crise humanitária.» (portasabertas.org.br, 'Direitos humanos violados e expulsão das minorias étnicas', 20/12/2004).

Considerando a semântica original de humanitário, muitos têm desaconselhado ou condenado a expressão «crise humanitária», visto não se tratar de crise em prol do ser humano. Por outro lado, o uso e o reuso têm difundido largamente a expressão, como se pode constar numa visita a jornais imp...

Resposta:

Sobre o uso de humanitário, e em acréscimo ao que já aqui (muito) se escreveu (ver Textos Relacionados), temos de distinguir duas perspetivas:

1. Do ponto de vista descritivo, é nosso dever registar que o adjetivo tem estado sujeito a um processo de alteração semântica, que reflete a própria deriva semântica de humanitarian em inglês, ou de humanitario, em espanhol. Disso mesmo damos conta no artigo "Porque é incorreta a expressão 'crise humanitária". É possível que, dentro de algum tempo, seja a vez de o português normativo aceitar tal (dis)torção da semântica original do adjetivo.

2. Contudo, no plano dos juízos normativos, a posição do Ciberdúvidas vai no sentido de defender a semântica original da palavra e, portanto, rejeitar expressões como «tragédia humanitária», «crise humanitária» e «caos humanitário». Assim, recomendamos que, na língua culta, não se empreguem tais expressões, considerando nós que «crise humana» ou «tragédia» humana são associações adequadas e corretas.

Não obstante a posição tomada pelo Ciberdúvidas, sabemos que, quando se fala de norma-padrão, se deve também ter em atenção o uso e a pressão social associada (por exemplo, o latim evoluiu para o português, numa época em que as condições históricas favoreceram mais a imposição do uso concreto do que a sua vigilância). Se o uso do adjetivo em apreço se generalizar em contextos como os mencionados, contrariando o juízo que nos leva a condená-lo, será mais um caso, entre muitos na nossa língua, do uso sobrelevar o sentido original da palavra, como são os casos de despoletar ou

Pergunta:

Como posso abreviar a palavra diáconos? É só colocar um s no final da abreviatura diác.?...

Sobre a resposta para esta questão: posso aplicá-la a qualquer abreviatura?

Grata.

Resposta:

Tendo em conta casos como drs. (= doutores) e srs. (= senhores) – cf. drs. no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras (ver também blogue O Linguagista), deve escrever-se diács.

Junta-se geralmente s a uma abreviatura, no caso de a palavra abreviada, que tem forma singular, estar no plural (exemplo: Exa./ExcelênciaExas./Excelências). No entanto, é preciso notar que as abreviaturas que tenham vogais ou outras letras terminais em expoente juntam s a essa terminação em expoente; exemplo: n.º/número – n.os/números.