Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostava de ser esclarecido acerca da formação da palavra enfermagem, que, em Portugal, só no início do séc. XX é que foi introduzida. Anteriormente, apenas se usava o termo enfermeiro; dizia-se, por exemplo, «Escola de Enfermeiros», ao contrário de hoje, que se diz «Escola de Enfermagem». Em Espanha, mantém-se o termo enfermería, correspondente a enfermagem, e enfermero para designar o enfermeiro. No Reino Unido, como sabem, nurse, to nurse e nursing têm outro sentido etimológico que acho que foi importado de forma grosseira. Em França também há écoles d'infirmière. Hoje, já se usa (do meu ponto de vista, inadequadamente) a expressão «enfermagem veterinária» para designar cursos de veterinária.

Resposta:

Agradecendo ao consulente as pistas enviadas, pouco consigo adiantar.

Nas fontes de que disponho, são escassas as informações sobre a história da palavra, cuja descrição é geralmente muito simples: trata-se de um derivado do radical do verbo enfermar (enferm-) sufixado com -agem. Para lá disto, pouco mais acrescentam os dicionários, como, por exemplo, o Dicionário Houaiss, que atribui a atestação mais antiga da palavra ao Novo Diccionario da Lingua Portuguesa, que Cândido de Figueiredo publicou em 1899. No Corpus do Português, apresenta-se uma única ocorrência oitocentista da palavra enfermagem, a qual provém de um texto de Fialho de Almeida (Os Gatos):

«Para as mesmas clínicas, tão trabalhosas, não houve ainda meio de se alcançar um chefe de sala, que reforce as explicações do catedrático, e ministre aos alunos, por detalhe, o tão indispensável tirocínio das minuciosas coisas de ENFERMAGEM e de pequena cirurgia.»

É de supor que Fialho de Almeida não tenha sido o primeiro a usar a palavra. Mas o facto de o Diccionario de Lingua Portugueza (1848) de José Inácio Roquete não a incluir permite pensar que o termo só nos finais do século XIX entrou mesmo no uso.

Pergunta:

No vídeo do YouTube Tutorial Scriptorium - Uso da vírgula: 7 regras essenciais, que acabo de ver, fala-se das regras de uso da vírgula.

A minha pergunta é: na frase seguinte, a vírgula é realmente obrigatória, ou é apenas aconselhável, por uma questão de estilo?

«Ao analisarmos a questão sob esta nova perspetiva, as conclusões são distintas.»

A minha dúvida decorre do facto de em espanhol e catalão ser absolutamente desnecessária (a sua colocação é apenas uma questão de estilo) e de não conhecer, assim, a regra portuguesa que a torna obrigatória. O vídeo do YouTube não explica o porquê. Por outro lado, agora não consigo precisar onde é que vi, mas tenho a certeza de que já vi frases destas sem vírgula na imprensa de Portugal.

Muito obrigado pela sua resposta!

Resposta:

As orações adverbiais temporais não finitas de infinitivo que ocorram no começo da frase são separadas por vírgula da sua subordinante:

«Ao analisarmos a questão sob esta nova perspetiva, as conclusões são distintas.»

É que acontece com orações introduzidas por locuções prepositivas, quando transpostas:

«[As] locuções prepositivas, porque equivalem a simples preposições, nunca se separam por vírgulas dos verbos a que se juntam, excepto quando haja intercalações e quando haja transposições. Ex.: "O rapaz saiu antes de chegares"; "Tu chegaste depois de ele ter partido"; "Ele pôs-se em cima da mesa" [...]. Com intercalação, temos: "O rapaz saiu, como se sabe, antes de chegares"; "Ele chegou, como todos sabem, depois de tu teres partido" [...]. Com transposição, temos: "Antes de chegares, todos haviam partido"; "Por cima da minha casa, vários aviões voaram"; etc.» (Rodrigo Sá Nogueira, Guia Alfabética de Pontuação, Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1974, pág. 45).

Deste preceito, infere-se que o mesmo acontecerá com a oração em causa, justamente porque é introduzida por uma preposição e está transposta. Aliás, a vírgula ocorrerá sempre a separar qualquer oração temporal sempre que esta se encontre transposta (ver Textos Relacionados).

Pergunta:

Posso dizer «a qualquer altura do dia», ou é mais correto dizer «em qualquer altura do dia»?

Resposta:

Pode dizer/escrever das duas maneiras:

1 – «a qualquer altura do dia»

Neste caso, pressupõem-se construções como «ao meio-dia», «à tarde», «à noite», «à meia-noite», nas quais ocorre a preposição a.

2 – «em qualquer altura do dia»

Em 2, a construção tem valor mais genérico, tendo em conta expressões em que ocorre a preposição em: «na altura», «nessa altura».

Observe-se que alguns dicionários consultados (um geral e dois mais especializados) não chegam a consenso quanto à preposição a usar com certas expressões em que entra altura. Por exemplo, o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa regista a expressão «em qualquer altura», sinónima de «em qualquer momento», «em qualquer ocasião», expressões que também incluem a referida preposição; no entanto, também aí se escreve «a dada altura», como sinónimo de «a alturas tantas».

O dicionário de expressões idiomáticas de António Nogueira Santos (Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas – Português, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1990) regista «a dada altura» e «a certa altura»; mas o Dicionário Estrutural, Estilístico e Sintático (Lello Editores, 1999), de Énio Ramalho, fixa cada uma destas expressões com preposição diferente: «a certa altura» e «em dada altura».

Parece, portanto, legítimo aceitar as duas preposições.

Pergunta:

Tracking poll é o nome inglês que a comunicação social caseira chama àquelas sondagens "à pressão" também denominadas low cost. Será que não há tradução em português?

Resposta:

Tracking poll tem um equivalente em português, que tem ganho frequência: «sondagem diária», conforme o uso que fazem alguns órgãos da comunicação social.

Observe-se, porém, que «sondagem diária» pode não ser uma tradução muito satisfatória, porque lhe escapa a alusão feita pela expressão inglesa à monitorização ou ao acompanhamento (tracking) da evolução da opinião ou das tendências de voto de um universo de eleitores ao longo de um determinado intervalo temporal. Não admira, pois, que tracking poll encontre outras soluções, como é o caso de «sondagem com continuidade», que figura numa página do jornal português Público. Na comunicação social do Brasil, ocorrem, além de «sondagem diária», também formas como «rastreamento público contínuo» e «pesquisa de rastreamento». Trata-se, portanto, de um termo inglês que ainda não achou equivalente estável em português; mesmo a solução apresentada inicialmente – «sondagem diária» –, apesar de revelar-se uma boa opção pelo seu caráter sintético, não é totalmente fiel ao significado original.*

Refira-se que, em espanhol – convém sempre saber como as línguas irmãs do português lidam com os empréstimos do inglês –, existem, pelo menos, dois usos: «sondeo diario», homólogo da nossa «sondagem diária»; e «encuesta de seguimiento», expressão que se afigura ambígua, porque suscetível de aparecer igualmente em lugar de

Pergunta:

Num comício, o secretário-geral [Jerónimo de Sousa] do Partido Comunista Português empregou o verbo "salamizar" [N.E. – Vide aqui a frase:«O Governo decidiu salamizar a CP»].

Pergunto: esta palavra existe?

Resposta:

A palavra "salamizar" não está dicionarizada. É possível que seja uma criação linguística surgida no contexto da campanha para as eleições legislativas em Portugal, em 4 de outubro em 2015 .

De acordo com o relato feito pelo semanário português Expresso, o verbo terá surgido nas seguintes circunstâncias:

«Jerónimo [de Sousa, secretário-geral do Partido Comunista Português] promete voltar a tentar “repor os direitos” perdidos dos trabalhadores dos comboios já na próxima legislatura. E aponta o dedo aos responsáveis: o governo, que desmembrou a CP e a retalhou às peças. Ou, melhor, “decidiu salamizá-la”. Cortou-a em fatias? É isso. A companhia ficou em tiras. Jerónimo, mais uma vez, ganhou na arte do improviso.»

A citação é bastante clara quanto à formação e à semântica do verbo.* Quanto ao neologismo – se o é de facto (ver mais abaixo nota) –, a sua criação tem o intuito de dar maior expressividade ao discurso. O meio linguístico mobilizado neste caso é o da derivação de palavras, lançando mão da grande produtividade do sufixo -izar, o qual permite formar um sem-número de verbos denominais e deadjetivais (derivados de substantivos e adjetivos): arborizar («plantar árvores num terreno»); oficializar («tornar oficial»).

Nota (1/10/2015): Alterei a resposta, na se...