Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual o plural de hipervígil?

Resposta:

O plural de hipervígil é hipervígeis.

O plural de vígil é vígeis (cf. Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves), logo, o plural do derivado hipervígil (hiper- + vígil) é hipervígeis.

Pergunta:

«Mas, antes de transpor a porta, o Xambaia tomou-lhe o braço, arrastou-o para a chota, falando-lhe enquanto andavam.» (Castro Soromenho).

Qual o significado de chota?

Resposta:

O termo chota encontra-se definido no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora (disponível na Infopédia), como regionalismo angolano: «(Angola) recinto circular, coberto de capim e aberto lateralmente, que é usado pela comunidade masculina de uma sanzala como ponto de encontro, refeitório e tribunal.» A palavra, que pode pronunciar-se com o aberto ou com o fechado, vem de «[d]o quioco tyiota, «idem», de kwota, «aquecer-se», alusão às reuniões noturnas» (idem)*.

O vocábulo também tem registo no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado (mantém-se a ortografia original): «Alpendre circular, ou vasta palhota de elevado tecto e numerosas entradas baixas, em cujo centro arde o fogo perpétuo. Desempenha simultaneamente as funções de cubata comum, clube, tribuna do soba, sala de conselho, tribunal e parlamento de cada quimbo, em Angola; o m[esmo] q[ue] jango ou angiano.»**

* Chota é homófono de xota, que o Dicionário Houaiss (2009) regista como palavra grosseira (tabuísmo) usada no Brasil para designar a vagina.

** quimbo – bairro/aldeia africano do centro de Angola....

Pergunta:

Podemos considerar o zero quantificador numeral?

Obrigada.

Resposta:

O zero é um numeral cardinal ou, como se diz na terminologia atualmente usada no ensino não universitário, um quantificador numeral como um, dois, três ou trinta.

Na Nova Gramática do Português Contemporâneo (1984, p. 319), de Celso Cunha e Lindley Cintra, classifica-se zero como numeral cardinal: «[...] Na lista dos CARDINAIS costuma-se incluir zero (0), que equivale a um substantivo, geralmente usado em aposição: grau zero desinência zero [...].» Na Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, p. 929), zero é igualmente mencionado em vários exemplos de numerais cardinais comuns.

Pergunta:

«Morreu de uma morte terrível» é correcto. «Morreu uma morte terrível», sem de, eu diria que é igualmente correcto; pois também se diz «viveu uma boa vida», «quero viver a vida». Que vos parece?

Resposta:

É possível dizer ou escrever «morrer de morte», mas não parece tão frequente como «viver a vida» e pode até ter sabor arcaico ou certo caráter idiomático («morrer morte natural»):

1 — Pedes ao leão esfaimado do deserto que não devore a zebra que tem nas garras! Afrontou-me, e eu pago a afronta; reptou-me, e eu aceitei o repto. Morrerá morte infame de peão criminoso... (Alexandre Herculano, O Bobo, in Corpus do Português);

2 – [...] considerando que o réu António Maria das Neves Carneiro se acha incurso na disposição da Ordenação, etc., o condenam a que com baraço e pregão seja levado pelas ruas públicas desta cidade ao lugar da forca que se acha levantada no Cais do Tojo, e aí morra morte natural para sempre [...] (Camilo Castelo Branco, A Viúva do Enforcado, in Corpus do Português);

3 – As honras da primeira cabeça deu-as a alçada ao Tiradentes, o qual com baraço e pregão devia ser conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca e nela morrer morte natural [...] (Joaquim Norberto de Souza Silva, História da Conjuração Mineira, in Corpus do Português).

Mais habitual é ocorrer preposição – «morrer de morte...» –, e, nesse caso, o substantivo morte pode ser adjetivado de várias maneiras («morte natural», informalmente «morte morrida» – cf. Dicioná...

Pergunta:

Tenho ideia de ter visto, não sei em que dicionário, a hipótese de se escrever "astróides". O comum é encontrar "asteróides" ou "asteroides, mas, se são "astros" e não "asteros" ou "ásteros", não seria mais lógico escrever "astróides" e recusar a forma mais comum?

Obrigado.

Resposta:

Escreve-se asteroide (sem acento, no contexto da aplicação do Acordo Ortográfico de 1990asteróide, com acento, na anterior norma ortográfica*) por razões etimológicas. A palavra portuguesa relaciona-se com o adjetivo grego asteroeidês, asteroeidês, asteroeidés, «semelhante a uma estrela» (Dicionário Houaiss), aparentemente por intermédio do latim científico. O radical do adjetivo grego é o mesmo de ástēr, astéros, «estrela», que passou ao latim como aster, astĕris, «estrela» (idem). Por seu lado, o vocábulo astro provém de uma forma radical com a mesma origem da anterior mas ligeiramente divergente: «grego ástron, [astr]ou, 'astro, astro isolado, sistema de estrelas, constelação (em oposição a ástēr, 'estrela')», que passou ao latim como astrum, astri  (idem, s. v. astro).

* No Brasil, antes da entrada em vigor do Acordo Ortográfico de 1990, também se escrevia asteróide, conforme a secção XII (43, 6.ª) do Formulário Ortográfico de 1943.