Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber a etimologia da palavra eletrólito.

Obrigada.

Resposta:

Eletrólito tem, entre outras definições, a de «composto químico que, em fusão ou em solução, pode dissociar-se em iões por ação de uma corrente elétrica» (aceção do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).

É um termo científico formado em português, mas seguindo o padrão de termos parecidos em inglês (electrolyte) e francês (électrolyte), que também vão buscar formantes de origem grega: eletr(i/o)- + -lito. Segundo o Dicionário Houaiss, o elemento eletr(i/o) vem do grego êlektron, «âmbar amarelo», e -lito, também do grego, do adjetivo verbal lutós, ê, ón, «que pode ser desligado ou dissolvido» (do verbo lúō, «desligar, dissolver»). O referido dicionário atesta a palavra, em português, a partir de 1858 («electrolyto»).

Pergunta:

A palavra razia, com z, pode também aplicar-se ao acto de fazer uma tangente a um ciclista ou um peão no trânsito? Pesquisei [para saber] se existe a palavra "rasia" (que teria lógica, relacionada com a palavra rasar – «roçar, tocar ao de leve»), mas não encontrei.

Será correcto usar razia?

Resposta:

A palavra em questão é homófona de razia, «ruína, depredação», mas, tendo em conta a sua relação com rasar (= roçar), deve ser escrita com s. No português de Portugal, é vocábulo do registo informal, que ocorre na expressão «fazer uma rasia», isto é, «fazer uma tangente», «passar rente», e que deve ter surgido por analogia com razia, ou até por deturpação desta. Trata-se, portanto, de um termo da linguagem popular, que não deve ocorrer noutros registos que requeiram maior rigor ou formalidade.

Pergunta:

Cresci a ouvir a palavra acadar como sinónimo de apanhar; ex.: «Ela põe a bacia a acadar a água que pinga do telhado.» Para minha surpresa, não encontro no dicionário esse vocábulo. Porque será?...

Resposta:

O verbo acadar está registado em dicionários gerais – por exemplo, no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, e no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. No Houaiss, é classificado como arcaísmo que tem os seguintes significados: «transitivo direto 1 Diacronismo: arcaico. chegar a; alcançar, agarrar; transitivo direto 2 Regionalismo: Portugal (dialetismo). apoiar nas mãos ou no colo (alguém ou alguma coisa); segurar; transitivo direto 3 (1986) sair ao encontro de (alguém que se aguarda).»

O galego possui forma verbal idêntica, usada com significados próximos, mas, no galego normativo, sobretudo, como o mesmo que alcançar (ver dicionário da Real Academia Galega. Outra fonte galega, o Dicionário Estraviz, concebido numa perspetiva de aproximação à língua portuguesa, se não mesmo de identificação com ela, consigna acadar como sinónimo de recolher e apanhar. Parece, portanto, que o uso em questão é o que se encontra também em dialetos galegos.

Pergunta:

Vinha perguntar como classificar a locução «por isso», uma vez que surge sempre nas gramáticas como locução conjuncional ou conjuntiva, apesar de se constituir exatamente como as locuções adverbiais.

Obrigada pelo vosso ótimo trabalho!

Resposta:

A descrição gramatical tradicional classifica «por isso» como uma locução, muito embora haja divergências quanto ao seu caráter funcional, que umas fontes definem como conjuncional e outras como adverbial. Atualmente, porém, a sua inclusão entre os advérbios e as locuções adverbiais tem maior favor, pelo menos, em Portugal, no contexto da descrição gramatical não universitária –ver Dicionário Terminológico (DT).

No quadro tradicional de análise, há quem mencione «por isso» entre as conjunções coordenativas conclusivas (cf. Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, João Sá da Costa Editores, p. 577). Contudo, diga-se que a expressão «por isso» está classificada como locução adverbial no verbete correspondente a isso do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa1. Por outro lado, mesmo entre gramáticos tradicionais, não é aceite a inclusão de «por isso» entre as conjunções – ou, mais especificamente, entre as locuções conjuntivas, dado a sequência «por isso» estar formada por duas palavras. Por exemplo, Evanildo Bechara, na sua Moderna Gramática Portuguesa (Editora Nova Fronteira/Editora Lucerna, 2009, pág. 322) considera que, na coordenação, existem unidades adverbiais que não são conjunções, observando o seguinte:

«Levada pelo aspecto de certa proximidade de equivalência semântica, a tradição gramatical tem incluído entre as conjunções coordenativas certos advérbios que estabelecem relações interoracionais ou intertextuais. É o caso de pois, logo, portanto, entretanto, contudo, todavia

Pergunta:

Numa troca de ideias surgiram opiniões diferentes quanto à palavra agarra na expressão «agarra, que é ladrão!». Pode, ou não, ser considerada uma interjeição neste contexto?

Obrigada.

Resposta:

A forma verbal agarra está registada como interjeição no Dicionário Houaiss. No dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, figura, em subentrada de agarrar, a expressão «agarra, agarra» como «grito para chamar a atenção e avisar que há alguém em fuga, geralmente um ladrão», que tem a variante «agarra, agarra, que é ladrão!»; note-se que não se lhe atribui explicitamente a classificação de interjeição, muito embora esta não seja descabida, dado o uso exclamativo. Em suma, confirma-se que agarra é classificável como interjeição.

Cf. Interjeição